A “Trilogia das Drogas” dos anos 90
Muitos autores dizem que a partir do final da década de 80 a juventude, que teve o ápice de sua luta nos final dos anos 60 (Maio de 68, Woodstock, Black Power, etc), não tinha mais um motivo pelo qual lutar. Os EUA no decorrer desse período presenciou a geração “Ferris Bueller”, que precisando conviver com a amargura e rigidez de seus pais, veteranos da Guerra do Vietnã, só queria saber de sair de casa e aproveitar a vida. Justamente nessa época que clássicos da sessão da tarde como Te pego lá fora, Clube dos Cinco, Picardias Estudantis, Conta Comigo e Curtindo a Vida Adoidado foram produzidos. Lembrem-se: nada é a toa no cinema, tudo é reflexo do contexto histórico e geopolítico em que aquela obra é feita. Além dos questionamentos normais, os jovens buscavam entender o porque do autoritarismo de seus pais, professores e da sociedade em geral. E se não tinham voz nem credibilidade para discutir esse assunto, as interrogações se manifestavam através de seu comportamento rebelde, que eram mostrados em filmes que se passavam em viagens, acampamentos e principalmente nas escolas.
Com o passar do tempo se as respostas não vieram, ao menos surgia uma forma de fugir daquele mundo cheio de repressões, dúvidas e hipocrisias – as drogas. Não que elas não existissem antes, mas perderam totalmente sua conotação política e ideológica. Era a banalização destas coincidindo com a popularização das drogas sintéticas e entrando com tudo nos anos 90. E é durante essa década que surge o que eu chamo de “trilogia das drogas” – que são nada mais que três filmes de três grandes diretores, separados por cerca de 5 anos de um para outro, tendo como tema central as drogas. Clássicos que eu julgo indispensáveis para qualquer campanha de conscientização, por mostrarem um retrato realístico e cru do assunto.
Vamos a eles.
Drugstore Cowboy (Gus Van Sant, 1989)
Estrelando Matt Dillon, o filme (do diretor de Milk) conta a história de uma pequena gangue especializada em roubar farmácias (daí o nome), no início da década de 70 (quando o acesso a drogas sintéticas era difícil e extremamente caro). Apesar da época, pouco se fala dos acontecimentos que marcavam aquele período (não há referências ao Vietnã, Flower Power, etc), justamente porque isso pouco importa para os personagens. E isso é mostrado através de uma a narrativa que sugere o tédio, o sentimento de que não há nada importante para ser feito – contrastando com os momentos de tensão na hora dos assaltos, e êxtase, durante o uso das drogas. Com o passar do tempo, o protagonista devido a uma de suas superstições, decide deixar de lado seus vícios, e em uma jornada de redenção, larga tudo e vai procurar ajuda. O que poderia resultar em momentos irreais de tanguice, no caminho para o desfecho da obra, é evitado com o surgimento de uma nova figura – um padre viciado, que ao contrário do personagem principal, não busca a cura. Além disso, a constatação de que, independente do que se faça (seja roubar farmácias ou trabalhar), a repetição de hábitos, vulgo cotidiano, leva a um sentimento de desmotivação ao se perceber que a vida passa muito rápido.
Trainspotting (Danny Boyle, 1996)
Um dos filmes não-americanos mais cultuados da década, o longa (do diretor de Quem quer ser um milionário?) conta a história de um grupo de jovens, viciados em heroína, da perifeira de Edimburgo, Escócia. Sujo, violento, surrealista (com alguns dos momentos mais marcantes do cinema contemporâneo, como o mergulho na privada e o bebê no teto) e embalado pela música Underworld (que está você confere mais abaixo), o filme foi sucesso absoluto. Como era de se esperar devido a sua divulgação (raro para um filme independente) provocou polêmica em países como EUA e seus pelas Reino Unido, que o acusavam de promover o uso de drogas. Na verdade, se tratava de ums melhores retratos da geração MTV.
Réquiem para um Sonho (Darren Aronofsky, 2000)
O diretor do excelento O Lutador, já havia alcançado o status de cult em seu segundo filme. Não é a toa. Contando a história de quatro pessoas (três jovens drogados que começam também a revender e uma senhora viciada em remédios para emagrecer) unidas por laços familiares ou afetivos. Aqui vale uma pausa para falar do elenco: interpretações acima da média do cantor Jared Leto, da linda Jennifer Connely (que ganharia o Oscar no ano seguinte, por Uma Mente Brilhante) e até mesmo do fanfarrão Marlon Wayans (de lixos como As Branquelas, O Pequenino e Norbit) além de uma atuação simplesmente espetacular da veterana Ellen Burstyn – que perdeu o Oscar pra tosca da Julia Roberts (toca aqui Uiara \o_ !). Com uma edição alucinante, uma fotografia sombira, guiados pela belíssima e triste música tema – Lux Aeterna (confira abaixo), e um dos finais mais aterradores da história do cinema americano, Réquiem para um Sonho encerra de forma magistral a década marcada, não só pela juventude vazia, como também pela geração saúde.
Deixo esses três clássicos modernos como inspiração para todos que buscam um material cinematográfico sobre o assunto. Sejam professores ou viciados, as três obras carregam um teor realista e cruel e devem ser trazidos como instrumento para debate nesse começo de século, ainda mais vazios do que as gerações retratadas por estes filmes.