As Crônicas de Artur (Bernard Cornwell)
Todo mundo já ouviu falar em Artur (Ou Arthur ou qualquer outra variação que você quiser): O cara que, após retirar uma espada enfiada numa pedra se tornou rei da Inglaterra. Pois então, se você não ouviu issaê cê com certeza já ouviu alguma outra versão e/ou releitura: Bigorna, Bretanha, saxões, traições, castelos e batalhas… Ou, finalmente, se você foi muito burro, Merlin, Excalibur, Guinevere, Lancelote, a busca pelo Graal. Agora foi? Que bom!
Viram que o Tom Clancy morreu? Torçamos.
Nota do editor: Rezam as más línguas que o Loney tem um Death Note. Porque ele é otaku.
Bernard Cornwell ficou famoso justamente com este trabalho, As Crônicas de Artur, a trilogia que reúne O Rei do Inverno, O Inimigo de Deus e Excalibur, e que, como ficou óbvio, reconta a história do Rei Artur porque ninguém nunca fez isso antes. E porque caralhos resolvi fazer um post só? Bem, porque é um tanto claro que a história só foi divida para não ficar muito grande, fisicamente falando.
Os três livros da série são divididos em partes, e são elas que realmente valem como divisão dentro da obra. Há sim a divisão em capítulos, mas ela é totalmente irrelevante: Os capítulos não são nomeados e são divididos na base do “esse já tá muito grande” ou “uma pausa dramática aqui”. Tem muito cara de que foi algo decidido pelo editor e não pelo autor, só para manter o senso comum. Aliás, como eu disse, a divisão em livros também é quase que irrelevante. Quero dizer, cada livro narra, de fato, uma parte da história (Ponto positivo pros títulos dos livros aí), mas é algo tão simples que se fosse feito um único livro não haveria problema algum além do tamanho do troço. A realidade é que, apesar de os livros se fecharem em si, sem pontas soltas, mesmo que a história continue, seus capítulos finais são finais apenas daquela parte em particular do que dos livros.
Por mais que eu não goste, Cornwell tem alguns méritos aqui. O maior deles (E o principal motivo pelo qual ele foi alardeado como fodão mundo afora) é o retrato da vida na época (Final do século V, começo do VI): Ele descreve detalhadamente a porra toda, desde os camponeses mais simples até a realeza, passando pelos religiosos e pelos soldados. Ainda que tudo isso conte com uma enorme quantidade de suposições e arbitrariedades, a imagem que ele cria é um tanto realista e crível. Aliás, o grande trunfo é justamente a verossimilhança (Se é que se pode usar essa palavra…): Não é uma merda gigantesca como normalmente se pensa, mas também não é uma maravilha como tantos livros (Filmes, jogos, quadros, etc.) narram.
Outro mérito é a questão da escala. Sim, é isso mesmo. Nos anos 400 e tantos depois de Cristo, a parada funcionava através do bom e velho esquema monarquico: Os vários e vários reinos eram idependentes, tinham seu próprio rei e suas próprias leis, mas estes todos estavam sob o comando do rei fodão, no caso, do Grande Rei. O que não falta na obra (E não faltava naquela época) eram guerras, e algo que o Cornwell faz questão de destacar é a escala da coisa: 300 soldados era um exército grande. Em toda a (Atual) Inglaterra tinha, no máximo, 3 milhões de pessoas. Pelo menos metade disso não pertencia à Bretanha daquela época, sendo que a grande maioria não era de soldados. Na obra, o maior exército jamais reunido naquela época foi o saxão, com 3 mil pessoas. E pros padrões de hoje, isso não é absolutamente nada.
De resto, o que posso dizer? É uma leitura fácil. Mesmo a trilogia tendo quase 1600 páginas, a leitura flui tranquilamente, mesmo nas partes mais tensas e/ou mais complexas. Li os três livros em menos de uma semana. A verdade é que se a escrita não ajuda, ela também não atrapalha: Você vai entender tudo de primeira e o que quer que esteja acontecendo ficará claro, mas não espere nem um desafio e nem sucinticidade (Isso existe?). Outro grande ponto de aclamação ao autor é justamente a “qualidade narrativa”… Sei lá, eu é que não aplaudo algo que está só fazendo seu trabalho.
Algo que já dei a entender, mas não esclareci: A visão de Cornwell sobre a lenda arturiana é bem mais realista que a história comum que nem o Bátema do Noulam. A lenda de Artur conta, é claro, com tudo que é magia, afinal, Merlin é um druida, há Avalon, Morgana, a espada mágica e mais um monte de coisas. O que Cornwell faz é dar o benefício da dúvida: Você pode acreditar que as coisas que ocorrem na obra são realmente magia ou pode optar por ver o lado “real”, em que seria uma combinação de psicologia, tecnologia, coincidências e ciência. Saída meio safada? Sim, mas na real essa é a melhor parte da obra, justamente por essa duplicidade.
E finalmente há a questão da “versão”, afinal, nego sequer chega à um consenso se Artur sequer existiu quanto mais como foi, de fato, que as coisas aconteceram. Na obra de Cornwell a história é contada por Derfel Cadarn, um saxão que foi salvo por Merlin ainda criança, que acabou se tornando soldado e um dos melhores amigos de Artur, e depois se tornou monge, e é como monge que ele escreve suas memórias acerca da porra toda. Se você já leu alguma coisa minha aqui no Beico sabe que já fico com 28 pés atrás sempre que o troço é uma “versão”. Pois bem, e a versão de Cornwell é bem diferente da história “normal”: Guinevere não fodeu com o país, Artur não foi rei, não há Graal, não há Távola Redonda (Quer dizer, há, mas não do jeito que cê tá pensando) e, creio que principalmente, Lancelot não é fodão. Muito pelo contrário, ele é um traidor covarde e safado… Ele ainda comeu a Guinevere, mas não é nem amigo de Artur nem um bom guerreiro. Enfim, a lista continua, desde coisas realmente importantes até pequenos detalhes.
Considerando que esta é apenas uma versão, é interessante ver que ela sai do lugar comum. A verdade é que Lancelot não poderia ser Lancelot, porque Derfel é Lancelot. A verdade também é que Merlin só está na história por ser um personagem legal; ou que o autor passa por cima mesmo de fatos conhecidos; ou ainda que até mesmo os (Raros) pontos de consenso entre os historiadores são alterados pelo autor; ou que uma história tão grande tem poucos personagens; ou que há algumas conveniências convenientes demais; ou até mesmo que, de novo, Artur não é o personagem principal de sua própria história. Como eu disse, não fico nem um pouco feliz com “versões”. Aliás, “Derfel” se pronuncia “DerVel”, mas o autor só lembra de dizer isso no segundo livro da série, numa nota tão útil quanto estas últimas duas linhas.
Mas meu maior problema com essa versão do Cornwell é que, ao final de cada livro, ele deixa uma “nota histórica”. A história de Artur tem poucos relatos, escritos com grandes períodos separando cada um, fato que reforça a tese de que Artur não existiu, sendo apenas uma lenda. Lancelot e Merlin, por exemplo, só foram incluídos numa versão posterior da história. Nessas notas históricas ele diz que pesquisou bastante, e que não iria incluir nenhum anacronismo na obra, mas que, como ficaria chato ele colocaria os anacronismos sim. Mas que ele sabe que tá errado, viu gente? Não é pra brigar com ele por causa disso.
Nas notas ele também diz que se manteve o mais fiel possível aos relatos conhecidos, mas que inventou e/ou incluiu deliberadamente um monte de coisa só porquê sim. Para algumas, há uma ou outra desculpa, dizendo que é tão provável ser do jeito dele quanto de qualquer outro, mas até aí elefantes roxos existem e tem chifres. A boa e velha desculpa do “eu sei que estou errado, mas vocês mesmo gostam desse jeito” seria uma boa saída (E sim, ele a usa de fato), se não estivesse manjada. Em suma, o autor apresenta sua versão, mas desde o começo já teme qualquer tipo de represália e por isso já tenta remediar a situação. Porra, se nem o autor acredita em sua obra a ponto de defendê-la, por que qualquer outra pessoa deveria sequer levá-la em consideração?
Como história, As Crônicas de Artur são bem legais: A leitura é fácil, não há pontas soltas, há personagens divertidos e há “novidades” em relação à história tradicional de Artur. Mesmo que cada livro tenha mais de 500 páginas a leitura flui e, se você gosta de histórias medievais, vai se divertir com a trilogia. Não espere personagens aprofundados e/ou marcantes, grandes passagens narrativas, imagens impressionantes e nada disso: A história é contada por um monge que foi soldado e teve pouca instrução (Bastante instrução para a época), e é exatamente assim que você a lê. Mas isso não é, nem por um segundo, mérito do autor.
Por outro lado, a história falha como documento e não se aceita como romance, e isso é culpa da estúpida vontade de querer agradar todo mundo, vontade essa que o autor fez questão de imbuir em Artur, sendo esta a explicação por todas as merdas que ele faz durante a história. Se por um lado é interessante ver outra perspectiva de uma história conhecida, ver que o autor muda tantas e tantas coisas e faz de tudo para não “sofrer” o que quer que seja por fazer essas mudanças é ridículo. Ver que o autor, deliberadamente, só inclui o que lhe interessa e descarta, sem nem mesmo citar (Durante ou em nota) o original é a prova de que desde o começo As Crônicas de Artur nunca foi sobre Artur, mas sim sobre a vontade do autor de querer mudar a história a seu bel-prazer, e pra quem se diz historiador e diz que quer contar apenas uma nova versão, isso é inadmissível.
As Crônicas de Artur se sai muito bem como uma história, e se sairia ainda melhor se não fosse relacionada à Artur, e isso valeria mesmo que a semelhança fosse gritante e o autor negasse tal influência até a morte. Acontece que como obra, como versão, a trilogia falha quase que completamente. No momento em que você ler a primeira nota, no final do primeiro livro (Ou se você já conhecer mais profundamente a lenda arturiana), é o momento em que simplesmente não se deve levar a série como exemplo de nada… Aliás, me lembrem de não reler As Brumas de Avalon.
As Crônicas de Artur (O Rei do Inverno, O Inimigo de Deus e Excalibur)
The Warlord Chronicles (The Winter King, Enemy of God e Excalibur: A Novel of Arthur)
Ano de Edição: 1995, 1996 e 1997
Autor: Bernard Cornwell
Número de Páginas: 546, 518 e 529
Editora: Record
Leia mais em: As Crônicas de Artur, Bernard Cornwell, Excalibur, O Inimigo de Deus, O Rei do Inverno, Resenhas - Livros