Invocação do Mal 2 (The Conjuring 2)
Repetindo seus papéis, estão a indicada ao Oscar Vera Farmiga (‘Amor Sem Escalas’; ‘Bates Motel’) e Patrick Wilson (filmes ‘Sobrenatural’) como Lorraine e Ed Warren que, em uma de suas investigações paranormais mais aterrorizantes, viajam ao norte de Londres para ajudar uma mãe solteira a criar seus quatro filhos sozinha em uma casa atormentada por espíritos cruéis.
Quando Invocação do Mal estreou em 2013, foi considerado por muitos um dos melhores filmes de terror da última década. O que é, basicamente, o câncer do cinema, porque Hollywood adora essas coisas. A Bruxa de Blair deu origem a uma trilogia mal ajambrada que não durou muito, mas deixou seu legado: O estilo de filmagens caseiras convenientemente encontradas por pessoas aleatórias, que ainda perdura em pleno 2016 e rende muitos vômitos diante da tela desde então. Jogos Mortais, o primeiro, um ótimo exemplar do gênero, pariu outros 7 filhotes medíocres. Invocação do Mal 2, que acompanha mais um caso arquivado do casal de charlatões, Ed e Lorraine Warren, não foge à luta e, como as outras sequências de sucessos, exagera nos efeitos e sustos, perdendo o que há de mais assustador: A história. E já temos um terceiro engatilhado. Será que falarão do demônio-lobisomem que eles exorcizaram, ou teremos mais um sobre as assombrações de Connecticut?
Assim como o primeiro filme, que introduz o caso Annabelle antes de nos apresentar aos Lutz, o início de Invocação do Mal 2 volta à Amityville, o caso mais importante da carreira do casal, em uma cena boa, mas desnecessária. Nela, Lorraine (Vera Farmiga) lidera uma sessão espírita ao lado do marido Ed (Patrick Wilson) e sai do corpo, assumindo a persona de Ronald DeFeo Jr., que assassinou toda a família com o argumento de que estava possuído por um demônio. História que todos vimos no ótimo clássico Horror em Amityville, de 1974, before it was cool. E no remake de 2005, não tão ótimo. Por isso mesmo, descartável. Narrativamente, bastava introduzir os dramas da família Hodgson, alvo do que seria nomeado pela mídia como Poltergeist de Enfield, e co-protagonistas do filme. Uma das muitas escolhas ruins do diretor James Wan.
A primeira hora do longa certamente é a melhor, quando os fenômenos na residência dos Hodgson ainda estão se desenrolando de forma sutil. Você tem a oportunidade de criar empatia pela família, que está em frangalhos graças ao abandono paterno após o divórcio do casal. A casa é um lixo, se encontra em péssimo estado de conservação e a mãe, Peggy (Frances O’Connor), se vê responsável por cuidar sozinha de quatro crianças, todas fragilizadas e em busca de atenção, sem ter sequer dinheiro para comprar biscoitos. É nesse redemoinho emocional que Janet (Madison Wolfe) começa a demonstrar atitudes sinistras, ao falar sozinha e andar enquanto dorme, impressionando a todos. Os eventos escalam rapidamente e, quando a mãe finalmente testemunha os móveis se movendo sozinhos, polícia, psicólogos e investigadores paranormais entram na história para decifrar os acontecimentos.
O ponto alto é a vulnerabilidade e humanidade dos Hodgson e o carisma infanto-juvenil dos atores. O menino Billy (Benjamin Haigh) é um amor do início ao fim e a primogênita Margaret (Lauren Esposito) tem um papel quase maternal em relação aos irmãos mais novos. A união deles tem uma vibe “Um por todos e todos por um” muito gostosa de assistir. Também vale mencionar a ótima cena em que Ed se comunica pela primeira vez com o demônio. Muito bem filmada, tem uma atmosfera sombria e segue a regrinha básica que qualquer história de terror deveria seguir: Menos é mais.
Menos é mais. Menos é mais. Menos é mais. Eu repeti tanto isso durante a sessão que meus acompanhantes devem ter achado que estava com o fantasma do Zé Wilker no corpo. Em minha resenha sobre A Bruxa – um dos melhores filmes do ano – eu bati na tecla dos limites entre o assustador e o lugar comum e elogiei, justamente, o fato de não procurar soluções fáceis, se arriscando no minimalista, confiando no subtexto e na inteligência de quem está assistindo. Grandes clássicos que inspiraram o nicho sobrenatural, como Poltergeist e O Exorcista, contam com efeitos especiais extraordinários, ao menos para a época, mas bem utilizados. Servem de apoio para uma boa narrativa. Invocação do Mal, mesmo, funciona muito bem oscilando entre a normalidade familiar dos Lutz e a crescente tensão pela presença demoníaca. Sua sequência, infelizmente, representa a antítese de tudo o que faz de um filme de terror um bom filme de terror. Tem muitos gritos, sustos, móveis voando, levitações e entidades. Os excessos geram cenas constrangedoras, como o supostamente assustador Crooked Man, que é apenas assustadoramente ridículo. Wan também abusou dos clichês, típicos de filmes água com açúcar, como a afirmação constante do amor meloso dos Warren e seu altruísmo diante dos necessitados. Tem de tudo, menos aquele elemento chave que te faz levantar a bunda do sofá e ir ao cinema: Devo ou não apagar a luz pelas próximas 3 semanas?
A segunda parte do longa se arrasta pelo o que parece uma eternidade. Eu, amante do horror, já estava pedindo arrego: Pior que prova de resistência do BBB. A pobre Janet sofre por mais de 2 horas com bullying, assédio da imprensa, opressão do demônio e duvidas acerca de sua sanidade mental para o plot se resolver, milagrosa e ridiculamente, nos últimos 10 minutos. Não precisou nem da intervenção da igreja, porque os Super Warrens cuidaram de tudo e salvaram o dia. Se fosse uma franquia da Marvel ou DC faria mais sentido, porque os demonologistas parecem mais super-heróis do que qualquer outra coisa. Invocação do Mal 2 é só um filme de aventura com muitos sustos e entidades demoníacas.
Assim como Atividade Paranormal e Jogos Mortais, a produção de Invocação do Mal criou um monstro rentável para Hollywood que, infelizmente, empobrece – e muito – o gênero. Quando um filme de terror vira um programa familiar com crianças de 8 anos na plateia, algo de errado não está muito certo.
A história real
O Poltergeist de Enfield começou a assombrar a residência dos Hodgson em 1977. Supostamente. Peggy foi de fato abandonada pelo marido alguns meses antes, tendo que sustentar e criar sozinha os quatro filhos, em uma casa horrorosa e em condições financeiras precárias, já que o ex-marido não a auxiliava em nada. Algumas pessoas envolvidas no caso dizem que a atenção que as crianças estavam ganhando e a necessidade de maior apoio financeiro do governo motivaram a invenção do caso.
Presença importante no filme, o investigador paranormal Maurice Grosse foi o Ed Warren da vida real, uma vez que o casal passou apenas uma noite com a família e nada teve a ver com o exorcismo na casa. Ele acreditou na história do início ao fim, apesar das meninas admitirem que “as vezes” provocavam algumas das ocorrências bizarras. Elas foram, inclusive, flagradas em gravações entortando colheres e jogando coisas pelo ar. Janet até hoje afirma que sua história é verdadeira, mas especialistas dizem que as ocorrências de eventos sobrenaturais aumentaram muito após o lançamento de O Exorcista, de 1973, o que explicaria os maneirismos e as grunhidos similares aos de Reagan (Linda Blair), protagonista do clássico, em supostos casos de possessão. A “boca de ventríloquo”, como se a voz não estivesse saíndo — de fato — da boca da vítima, é outro indício de fraude.
O vídeo abaixo é a cobertura original da BBC sobre o Poltergeist, que foi muito bem reproduzida no filme, por sinal. Em determinado momento perguntam às meninas como é viver em uma casa mal-assombrada, apenas para Janet responder “não é assombrada”, com um sorrisinho no rosto. A irmã, sem graça, dá um cutuco e manda ela calar a boca. Melhor mesmo. Quem diria que 40 anos depois tanta gente capitalizaria com a história, né nom?
Sobre o charlatanismo dos Warren, o escritor de livros de horror, Dan Garton, falou à imprensa inúmeras vezes sobre o desprazer inenarrável de trabalhar com os demonologistas. Ele foi contratado para relatar os acontecimentos que viriam a inspirar o filme The Haunting in Connecticut. Quando percebeu que a família não cooperava e que os relatos eram desencontrados, procurou Ed para conversar sobre o assunto. De acordo com essa entrevista, e outras tantas, ele respondeu: “Todas as pessoas que nos procuram são loucas, é por isso que elas vêm até a gente. Use o que puder e invente o resto. Você escreve livros de terror, certo? Invente e faça ser assustador. Foi para isso que te contratamos“.
De repente, o filme que já parecia ruim, parece ainda pior.
Invocação do Mal 2
The Conjuring 2 (124 minutos – Terror)
Lançamento: EUA, 2016
Direção: James Wan
Roteiro: Carey Hayes, Chad Hayes, James Wan e David Johnson
Elenco: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Frances O’Connor, Madison Wolfe
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