Primeira Vez

Primeira Fila sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Era uma tarde de verão na Espanha. Ainda estranhava o calor que fazia. Afinal, aquilo não era Europa? A noite anterior havia sido animada, com direito a 3 ou 4 bares. Eram férias dentro das férias. Ri do meu amigo porque ele passou mal quando chegávamos ao albergue e ele deve ter jogado alguma praga, porque na manhã seguinte todas as sangrias me saudavam. Passei uma manhã inteira de molho, amaldiçoando o sol de Madri por torrar minha retina mesmo com olhos fechados. A tarde lembrei que ficar trancada seria a coisa mais estúpida que poderia fazer na vida, então engoli um dramin, chutei o Pedro na cama ao lado e rumamos pro Museu da Rainha Sofia.

Logo no começo, Guernica. É um quadro enorme e com informação o bastante pra ficar lá babando por uma semana, no mínimo. Mas eu não tinha tanto tempo assim só pro Picasso, então seguimos pras outras salas. Eis que avisto aquela assinatura torta do único homem de bigode que eu gosto, o senhor Salvador Domingo Felipe Jacinto Dalí i Domènech. Estava em casa no meio do surrealismo. Tantas cores que uma sala em tom escuro me chamou a atenção. Fotos de uma mulher com um dos olhos super abertos por dedos masculinos. Fotos das antenas do Dalí. Fotos e mais fotos que culminavam numa cortina que dava pra uma sala completamente sem luz, exceto por projeções. O que era aquilo?

Sentei, com um pouco de medo de pisar em algum espanhol, ao lado de um Pedro absorto. Vi então, na parede, um homem afiando uma navalha. Ele vai pra varanda e vê a lua. Corta pra mulher das fotos de fora, com um olhão de pálpebras seguradas por uma mão que não é dela. A lua. A navalha corta o olho da mulher. A tela diz “oito anos depois”. Um homem anda de bicicleta na rua com uma roupa estranha e uma caixa pendurada no pescoço. E assim vai por mais uns 15 minutos, uma sucessão de imagens sem conexão e com tanto sentido quanto… quanto um sonho. Era isso, um sonho. Eu estava na cabeça de alguém que dormia. Nunca tinha sentido aquilo. Nunca tinha estado dentro de outra pessoa através de uma parede. Como era possível? O que era aquilo?

Via um filme pela primeira vez. Senti o que o cineasta queria dizer. Fui os personagens. Chequei se meu olho estava no lugar. Que mágico aquela pintura que se mexia. Então aquilo era cinema. Já tinha ouvido falar, mas ali, aos 20 anos, entendi a sétima arte. Meu amigo já tinha saído da sala e eu fiquei encantada olhando pra frente, como se tivesse acabado de ser apresentada ao grande amor da minha vida.

Eu entendi perfeitamente o que era dito na tela: nada.

Sim, esse foi um texto fora dos padrões da Primeira Fila. Com ainda menos graça e piadinhas que só eu entendo. Mas é que hoje, enquanto escrevo, não tenho disposição pra sorrir.

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