Coringa (Joker)

Cinema quinta-feira, 03 de outubro de 2019

 Para sempre sozinho no meio da multidão, Arthur Fleck busca conexão. No entanto, enquanto caminha pelas ruas de Gotham City e percorre os trilhos grafitados do transporte público de uma cidade hostil repleta de divisão e insatisfação, Arthur usa duas máscaras. Seu dia de trabalho como palhaço, e uma outra que ele nunca pode remover; é o disfarce que ele projeta em uma tentativa fútil de sentir que faz parte do mundo ao seu redor, e não o homem incompreendido que a vida está repetidamente derrotando. Sem pai e com uma mãe frágil, indiscutivelmente sua melhor amiga, que o apelidou de Happy, um apelido que dá a Arthur um sorriso que esconde a dor do seu coração. Mas quando é intimidado por adolescentes nas ruas, insultado no metrô ou simplesmente provocado por palhaços colegas de trabalho, esse desvio social só fica ainda mais fora de sincronia com todos ao seu redor.

Eu devo ser muito chato mesmo, pra não ter achado o filme tudo isso que tão falando. Não me leve à mal, a atuação do Joaquin Phoenix é bem foda mesmo, mas fica por ae. A história, se não fosse um filme do Coringa, faria muito sentido: Uma pessoa com sérios disturbios psicológicos que sai tocando o terror pela cidade. Onde eu já vi isso mesmo? Ah, é: Taxi Driver.

Ah, sim. Talvez esse texto contenha spoilers. Eu ainda não me decidi sobre.

Pois bem, eu não sei se foi uma homenagem que saiu do controle e tomou vida, ou se realmente foi incompetência/plágio, mas o fato é que o filme é muito mais um filho bastardo de Taxi Driver com O Rei da Comédia do que um filme do Coringa em si. Coincidentemente, ou não, ambos foram dirigidos por Martin Scorsese, que ia ser produtor desse filme, mas pulou fora por algum motivo. Talvez tenha notado que Todd Phillips, o diretor [Que também é roteirista] não seja lá essas coisas. Mas o que esperar do cara que ficou famoso pelos Se Beber, Não Case [Que admitiu que usou a trilogia como inspiração]?

É isso mesmo, um filme do palhaço, do curinga, do palhaço, do Joker, do palhaço, que se leva a sério o suficiente pras pessoas acharem que era uma “prequência” de Batman: O Cavaleiro das Trevas, mas que o diretor admite que teve inspiração de Se Beber, Não Case. Não bastasse isso, o cara é pretensioso o suficiente pra achar que não precisa de inspiração em quadrinhos. Oras, vá fazer um filme que não seja baseado em quadrinhos, então. Vamos ver como vai ser, se não for amalgamando dois clássicos.

 Rindo de nervoso.

E olha que eu queria gostar muito do filme. Sempre achei o Coringa um ótimo personagem, pelo simples fato de que ele não tem motivações de poder ou riqueza, como a maioria dos vilões: Ele só quer ver o circo pegar fogo. O mote do Príncipe Palhaço do Crime, como bem disse Alan Moore, é que “basta um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático”. Pois bem, no caso desse filme, não é apenas um dia ruim. É uma vida ruim, como o mesmo admite quando fala “Eu achava que minha vida era uma tragédia. Mas agora percebo que é uma comédia”. Ou seja, a diferença principal entre o Coringa das HQs e das animações e o do filme é que, enquanto no primeiro caso ele era um cara normal que, num espaço muito curto de tempo entrava numa espiral de loucura que o levava a perder a razão, o segundo é uma pessoa que, conforme você vai recebendo o enredo de bandeja, sofre de tudo quanto é forma desde que se conhece por gente. É uma pessoa que apanhou tanto que teve traumatismo craniano, acarretando em uma lesão neurológica que faz com que ele dê risada, mesmo que não esteja achando graça da situação. Porra, o Coringa acha graça das coisas mais hediondas, por conta do seu senso de humor doentio, adquirido depois de se tornar o Coringa. Ou ao menos o Coringa que quem já abriu um gibi conhece.

 “Quer saber como consegui essas cicatrizes?”

Até a melhor parte do filme é um problema: A atuação do Joaquin Phoenix é do caralho, ele convence como fudido. Isso é um ruim, pelo simples fato de que ele não chega a apresentar uma alegria genuína, doentia, efetivamente descompensada que o Coringa tem. O problema neurológico toma muito espaço na atuação, fazendo dele uma pessoa que vai afundando e ficando amarga, querendo vingança do mundo. É uma motivação banal, rasa. Não há uma perda gradual de contato com a realidade [Exceto em um trecho bem específico de alucinação], há uma acumulação de ressentimento, pelo que a sociedade e as pessoas ao seu redor fizeram com ele; todas as mortes tem uma explicação, seja legítima defesa, seja pra dar o troco.

Mas o cúmulo, pra mim, foi a inversão completa da lenda, no final. Na mitologia original, o Batman é responsável pela criação do Coringa, ou ao menos está presente durante o ocorrido. Aqui, não: A agitação social resultante das ações do Coringa levam o jovem Bruce Wayne a ficar órfão. Ou seja, no filme do Coringa, o Batman é resultado [Indireto] das ações de Arthur Fleck. O que nos levaria a crer que o Coringa é um senhor de idade que aguenta sair no braço com o Batman, no auge da juventude, de igual pra igual. Ou não, já que o filme não tem ligação nenhuma com qualquer outro trecho de qualquer universo DC, seja cinematográfico ou quadrinístico.

 Corre que os fãs tão putos.

Ou seja, no fim das contas é um bom filme. Mas não é o filme que o Coringa merecia. Agora me dá licença que eu vô comer a tia do Bátemá.

Coringa

Joker (122 minutos – Crime)
Lançamento: Canadá, EUA, 2019
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips e Scott Silver, baseados no personagem criado por Bill Finger, Bob Kane e Jerry Robinson
Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen, Shea Whigham, Bill Camp, Glenn Fleshler, Leigh Gill e Josh Pais

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