Pirataria nos games. Fugir da briga é para os fracos.
A coluna da semana anterior saiu simultaneamente no Ato ou Efeito e no Gamehall, e pude experimentar vários tipos diferentes de recepção ao texto que foi apresentado.
Gostaria de agradecer a todos que tiveram a paciência e disposição de continuar a discussão nos comentários, concordando, discordando e argumentando de forma coerente. Queria lembrá-los de que NÃO estou escrevendo um artigo científico sobre o assunto e nem sendo pago para agradar a segmentos específicos ou a qualquer tipo de pessoa. Aos ignóbeis que simplesmente não gostaram do que leram ou que se sentiram pessoalmente ofendidos, deixo as palavras do mestre Alborghetti:
“Não tenho o rabo preso com vagabundo nenhum nesse estado e nem nesse país. Quem gostou, gostou. Quem não gostou que se dane; vá para o diabo que te carregue”.
Quero manter esse texto com um tamanho que não desestimule a leitura, portanto vou me ater a apenas UMA questão. A quem ainda acompanha essa discussão com genuíno interesse e um mínimo de tolerância á opinião alheia, gostaria de discutir a figura abaixo:
“Gravações caseiras de fitas estão matando a música. (E são ilegais)”.
Muitos de vocês podem ser novos demais para lembrar, mas até a década de 90 as pessoas realmente usavam fitas cassete. E quando as fitas virgens foram colocadas á disposição do público pela primeira vez, em conjunto com os gravadores de fitas, a indústria fonográfica decretou que seria a morte dos LPs e da indústria musical como um todo. Afinal, você emprestava o LP de um amigo, gravava em uma fita e não precisava comprar o LP. Lembra vocês de alguma coisa que acontece hoje em dia?
Pois é, a música comercial continua por aí. E posso estar errado, mas acho que o número de bandas também não diminuiu e as gravadoras continuam ganhando dinheiro. A indústria musical não me parece exatamente falida, apesar de toda a pirataria e das fitas virgens.
Vejam, não estou dizendo que quem copiava os LP`s em cassetes estava certo ou errado. Como falei em algum dos comentários, estou evitando fazer julgamentos já que eu mesmo ainda não entendo a questão de forma completa. Mas me parece bastante evidente que era errado dizer que quem gravava suas fitinhas piratas ia acabar com a indústria e com a música dos grandes artistas. O tempo provou isso, não é questão de opinião ou do que “eu acho”.
Mas isso é música. Voltando á nossa discussão sobre softwares, vamos pensar em quem seria uma das maiores prejudicadas com a pirataria, para verificar o argumento de que a pirataria acaba com a indústria de softwares (jogos são softwares, não esqueçam). Será que existe algum software mais pirateado do que o Windows no planeta inteiro? Podemos pelo menos concordar que o sistema operacional da Microsoft é um dos softwares mais pirateados do mundo? Creio que concordamos. Agora me digam: ao longo de mais de duas décadas de pirataria do Windows (o primeiro Windows foi lançado em 1985), o Windows acabou? A Microsoft faliu? A Microsoft está mal das pernas? Ela parou de lançar novos produtos por causa da pirataria e dos salafrários que copiavam ao invés de comprar?
Acho que não.
Essa é uma das conclusões a que eu cheguei, pensando e escrevendo esse texto e o da semana passada: usar cópias não oficiais de jogos pode até ser errado por motivos éticos e morais, mas definitivamente não acaba com a indústria em questão. Parece um contra-senso, não parece? Mas os dados históricos não mentem, nem no caso da indústria fonográfica e nem no caso da Microsoft. E acredito com todas as forças que isso se estende á indústria dos games.
Descobri que isso acontece por um motivo muito simples: Quem compra os produtos piratas não tem dinheiro para comprar o original e, portanto, não compraria o original de qualquer forma.
Vamos desenvolver isso.
Se você tem grana suficiente, você vai querer o pacote completo, principalmente porque isso significa garantia e direitos do consumidor, no caso dos produtos oficiais. Você paga não só para ter o produto original, com manual, bonito, na caixinha, mas porque existe de fato um grande valor agregado a este produto. Ele faz MAIS por você do que o produto pirata. Nos casos dos jogos isso significa também poder jogar online, acesso ás áreas restritas de sites do desenvolvedor, patches, upgrades, etc.
Porém, se você não tem os recursos para comprar o original, você simplesmente não compra. Como você pode ser culpado por não comprar alguma coisa que você não compraria de qualquer jeito, por não ter recursos para tal? É como dizer que a fábrica da Ferrari vai falir porque pouca gente compra Ferrari, preferindo um genérico em seu lugar, como um Uno Mille. As pessoas compram Uno Mille porque não têm recursos para uma Ferrari. As pessoas compram produtos piratas porque não têm recursos para comprar o original. Portanto, de qualquer forma, não seriam compradores do produto e não alimentariam a indústria em questão. Quem compra o produto pirata não é público-alvo da indústria dos originais, porque é simplesmente pobre demais para fazer parte dessa indústria.
Uma das argumentações que me parecem comuns contra o que escrevi aí em cima, é aquela que diz: “se o cara tem a grana pra comprar um produto pirata, então ele deveria deixar de comprar 10 produtos piratas para comprar um produto original”. Mas isso é falacioso, porque o desejo humano não funciona desse jeito. Ninguém quer o mínimo possível. Todo mundo quer sempre o máximo possível de benefício de qualquer coisa que faça. Pode chamar de lei de Gérson, desvio de caráter, natureza humana ou o que preferir, mas simplesmente é a forma como o indivíduo funciona. Como eu falei antes, estou analisando os fatos, e não a moralidade das ações humanas.
Outra contra-argumentação que vejo surgir nesse momento é de que se o cara quer alguma coisa então ele deveria “dar um jeito”, “economizar”, “trabalhar”, para poder comprar o original do produto que quer, ao invés de gastar com o produto pirata. Mas junte o desejo natural do cara com a indústria da propaganda, que desperta e exacerba o desejo sobre coisas que muitas vezes ele nem sabia que existia ou queria. Claro que não dá pra botar a culpa na propaganda por coisas que esse cara faz errado. Mas não é por esse mesmo motivo que um jovem pobre te assalta no semáforo e gasta toda a grana em um tênis Nike, ao invés de comprar comida? Pelo menos ele alimentou a indústria dos tênis originais, não é? Ele queria muito o tênis e “deu um jeito” de conseguir comprar o original. Um cidadão exemplar.
Agora você tá achando que era melhor ele ter comprado o tênis pirata né?
Tá bom, eu confesso que estou sendo deliberadamente manipulador e distorcendo a argumentação. Mas não importa se eu estou certo ou errado. Eu nem quero estar certo ou errado, como falei desde o começo. Eu só quero que vocês percebam que questão não é tão simples a ponto de se dizer “pirataria é roubo, e roubo é sempre errado”; isso é apenas um julgamento moral, cristão, que você recebeu a fim de manter a ordem social. Dizer que “roubo é errado” não serve para entender a questão como um todo. É por causa desse tipo de visão estreita que a questão não se resolve.
Novamente me estendo demais sobre o assunto, e não gosto de fazer post enormes; eles ficam muito chatos e as pessoas começam a comentar sem ler.
Alguns comentários e argumentos interessantíssimos surgiram nos comentários da coluna anterior. Alguns deles são tão bons e melhores que os meus, que eu me sinto na obrigação de reconhecê-los em um próximo post. Portanto, se você quer comentar, se esforce para não fazer ataques pessoais, e sim para trazer alguma contribuição coerente á discussão, ok?