Os maiores erros nas adaptações
Na última sexta estreou a versão para cinema do livro Anjos e Demônios e no domingo antes disso peguei de volta a amostra ilustrada que tinha emprestado pra uma amiga. Sabia que seria mais benéfico a minha saúde mental se eu fosse ver o filme sem lembrar direito do original, mas… eu nunca fui famosa por ser sensata. Ou já? Sabe como é geminiano. Como não podia ser diferente, achei o filme uma merda. Ok, exagero. Eu achei até legalzinho. Provavelmente porque vesti o melhor do meu bom humor e lembrei de três pessoas que leram o livro e gostaram do filme, entre elas o editor-chefe dessa bagaça. Afinal, se TRÊS pessoas gostaram não podia ser tão ruim assim.
Depois de 15 minutos de filme eu estava boquiaberta e fazia um “não” com a cabeça a cada cena. Depois do 39º Q eu resolvi fazer o Jogo do Contente e esquecer que sequer existia um livro. E assim eu consegui aguentar a calvície do Langdon, a palidez e a saia longa da Vittoria, o Hassassin (com H e sem o O mesmo, seus noobs que não leram o livro) versão européia e, claro, o final um tantico alterado obviamente pra não bater MAIS de frente com a santa madre dona igreja. E foi por isso também que mandaram um abraço pra explicação da antimatéria no CERN, além de esquecerem que o tal cientista que morre no começo é PAI da Vittoria, e que ele provou cientificamente a existência de Deus e talz. Sim, teoricamente os religiosos deveriam GOSTAR do filme, mas o uso da antimatéria (e quem o usa) é que ofende um pouquinho. Nada que justifique os cortes e o empréstimo de um pertence do museu do Vaticano no final. Sem contar que um dos momentos mais esperados pelos leitores nem aconteceu: o Langdon pegando a Vittoria metendo uma porrada no Hassassin.
Depois de uma quase resenha do Anjos e Demônios, vamos ao verdadeiro tema da coluna: as cagadas mais comuns nas adaptações de livros para o cinema. Ao ter a ideia, fui dar uma olhada nos meus livros e confesso que fiquei impressionada com a quantidade de obras que foram adaptadas que tenho. Comecei a escrever os nomes num papelzinho quadrado desses de recado e, quando vi, já tava no verso. Eu sou cinéfila até na hora de ler, impressionante. Obviamente não vou falar de todos aqui, só dos mais conhecidos. Então sentem-se e deleitem-se com o relato dos maiores estragos que podem acontecer em adaptações e seus (in)felizes resultados.
1) Falta de semelhança física entre ator e personagem.
Ainda em Dan Brown, acho que O Código da Vinci é uma das campeãs de adaptação tosca. Não contentes em escalar pela primeira vez o idoso pelancudo e semi-careca Tom Hanks pro papel do coroa charmoso e atlético que é o Langdon e uma morena pro papel da ruivíssima Sophie Neveu, ainda colocaram um cara branquinho pro papel do vilão ALBINO. Nada contra os atores, até porque a Audrey Tatou é uma das minhas atrizes favoritas, mas existem narrativas onde o autor descreve até o formato do umbigo do personagem e não custa absolutamente NADA procurar alguém parecido. Ok, ok, os estúdios exigem que alguns atores famosões estejam presentes em blockbusters do tipo e você, seu comprador de filme pirata, não iria assistir um filme que tivesse como protagonista um ator iniciante e/ou desconhecido. Mas é aí que entra o item número 2 dessa lista:
2) Descompromisso na caracterização.
Como eu disse, não é nada difícil encontrar narrativas onde o autor descreve tudo nos mínimos detalhes. Exceto por filmes de super-heróis, personagens humanos seriam facilmente interpretados se só fosse considerado o quesito “caracterização”. O livro é o roteiro principal nesses casos, mas alguns figurinistas, maquiadores e em especial diretores de elenco se esquecem completamente disso. Custava tingir o cabelo da Audrey no Código da Vinci? Custava colocar uma lente de contato verde e deixar o raio do raio no meio do raio da testa do Harry Potter? É através da caracterização do personagem que você vê pessoas absolutamente diferentes do descrito no livro se transformar num “como não vi o Robert Downey Jr. como Sherlock Holmes antes?”
3) Locações deslocadas
*se esconde atrás de um vidro blindado pra falar de Harry Potter* Pois bem, terceiro livro. O Prisioneiro de Azkaban. Pra mim continua sendo um dos melhores de toda a série e foi também o que eu mais criei expectativas pra ver no cinema. Só que no meio de toda aquela palhaçada que é o filme, uma coisa se sobressai: a Floresta Proibida. Só pelo nome dá pra imaginar uma floresta no mínimo densa e sombria, e é exatamente assim que a autora descreve. A versão do filme é… patética. Tem umas poucas arvorezinhas, o que torna o local luminoso e bem convidativo a um piquenique. “Mas e daí, ó que se diz cinéfila mas é fã de Harry Potter?” Daí que como é que dá pra se convencer das coisas horrorosas que acontecem por lá se só consigo imaginar Harry, Rony e Hermione estendendo uma toalha quadriculada vermelha no chão enquanto Hagrid colhe florzinhas do campo?
4) Partes da história que são comidas com farofa
Passando da parte visual, e de todos as aventuras que você criou na sua imaginação onde o personagem talvez não fosse perfeito, mas pelo menos PARECIA com o que o autor descreveu, passemos pro que talvez seja o que mais mata nas adaptações. É óbvio que cada minuto de um filme custa zilhares de dólares e que, portanto, não dá pra transcrever em detalhes livros de 600 páginas. No entanto, os responsáveis pela adaptação de um roteiro parecem perder um pouco do feeling do que REALMENTE interessa, cortando partes que são essenciais pro entendimento da história (em especial considerando que nem todos leram a obra e outros tantos não tem uma memória tão boa assim) e se concentrando em outras fotograficamente mais bonitas, como pássaros voando ou outra boiolagem do tipo. Existem casos ainda mais graves, em que o roteirista DESCONSIDERA um capítulo inteiro. Estou falando do Laranja Mecânica. Mas veja bem, não que isso tenha sido necessariamente ruim. O fim do Alex no livro é meio… novela das 8. Só que Laranja Mecânica entra num caso que falarei mais tarde.
5) Partes da história que são empurradas goela abaixo
Na verdade, tem algo pior do que os cortes na história. De matar mesmo é quando ACRESCENTAM coisas ao filme e você fica lá forçando seus neurônios tentando lembrar se pulou alguma parte do livro. É o caso do Auto da Compadecida. As partes novas que foram inseridas na minissérie, e posteriormente no filme, são tão divertidas quanto o original e provavelmente só funcionaram tão bem porque foram escritas pelo próprio Ariano Suassuna. Funcionou bem no Alice no País das Maravilhas também. Só que não é o que acontece sempre e muitas vezes só servem pra confundir o leitor ou compactar uns 5 personagens em um só, o que nos leva ao próximo item.
6) Personagens que vão pro limbo
Mais uma culpa que os adaptadores jogam nas costas do orçamento estipulado pelas produtoras. Precisa cortar gastos? Corte um personagem. Se possível um que seja querido pelos fãs, pra aproveitar o embalo e cortarem SUA CABEÇA junto. Outro clássico dos Harry Potters. E dos livros da Alice (Alice no País das Maravilha e Alice no País do Espelho). Se bem que nesse caso é mais justificável, uma vez que são DOIS livros pra um filme só.
Esses são os principais problemas, acho. Deve ter piores mas como xaropes que vocês são, sei que vão escrever nos comentários. Só que pra não posar de pedante reclamona tenho que dizer que tiro, sim, o chapéu pra algumas adaptações. Algumas porque seguem com perfeição o que está no livro (como o Ensaios Sobre a Cegueira e A Outra – sobre Mary Bolena, irmã da diva Ana), outros porque conseguem mudar tanto a história que acabam virando PLÁGIO ao invés de adaptação. Mudam tanto que acaba sobrando só o título e o nome dos personagens. Ou nem isso, como em Carne Trêmula. Só que tanto o livro quanto o filme são sensacionais separadamente.
Laranja Mecânica é um caso a parte. Os diálogos do livro são transcritos com exatidão pro filme e dizem as boas línguas que São Kubrick tinha uma cópia do livro no bolso o tempo inteiro pra reprodução das cenas. O que foi mudado foi só pra se adequar as leis trabalhistas já que não tinha como colocar um moleque de 15 anos estuprando guriazinhas de 10 anos num estúdio. O que foi perfeito, já que Malcom McDowell é a encarnação perfeita do Alex. E as roupas mudaram também, mas eram os anos 70… Se não fosse pela exclusão do último capítulo, ganharia o troféu de adaptação mais criteriosa de todas.
No mais, o segredo é tentar ver livros e filmes como produções que não se conectam. Com alguma sorte você até vai poder posar de sabido e explicar pra alguém sobre um pulo mirabuloso no cinema.
Leia mais em: Alice no País das Maravilhas, Anjos e Demônios, Ensaio Sobre A Cegueira, Harry Potter, Laranja Mecânica, Marley e Eu, O Código da Vinci