Continuando: Kino, o rock soviético e outras histórias
No texto passado falei sobre os problemas que envolviam ouvir rock na União Soviética. Agora vou além – falarei de como era também ter uma banda lá. Infelizmente, eu preciso deixar um aviso aqui no começo do texto: Se você tem a mente pequena, se não consegue compreender que o mundo NÃO é só aquilo que lhe familiar, se não consegue ver além da nossa cultura, língua e cotidiano, então não leia esse texto. Agora, quem quiser continuar conhecendo coisas novas, continuando o texto anterior, vamos lá.
Bem, existiam algumas bandas realmente boas na União Soviética. De todas elas, escolhi só uma para falar aqui, para dar ênfase. Isso tem razão de ser. Além de ser uma das mais importantes, é praticamente a responsável por eu ter conhecido tudo isso. Trata-se do Kino. Em uma comparação (Muito) grosseira, o Kino estava para a juventude de lá como os Beatles estavam para as fãs histéricas; estavam como o Legião Urbana para os jovens pseudo-esquerdistas de apartamento. Sim, eu avisei que seria grosseira. Enfim. Ocorre que diante da importância e do meu crescente gosto pelo Kino, desandei a procurar suas músicas pela internet e a pesquisar a história de tal grupo.
Viktor Robertovich Tsoi nasceu em 21 de Junho de 1962, em Leningrado, União Soviética. Começou a escrever músicas com 17 anos. Escrevia sobre a vida na sua cidade, amor, jovens tentando vencer na vida. O rock ainda era um movimento execrado pelo governo e limitado praticamente à cidade de Leningrado. Em Moscou, os cantores pop faziam bastante sucesso, com todo o apoio governamental e, portanto, exposição na mídia. O governo dava apoio aos artistas que queria, e era isso – estúdios e tudo que eles precisassem pra dar certo. As bandas de rock, as impopulares bandas de rock, recebiam quase nada, ou nada mesmo. Tampouco tinham exposição na mídia. Era música de drogados e vagabundos.
Voltemos ao Tsoi. Com 18 anos, este rapaz foi expulso da Academia Artística Serov por “baixas notas”. Claro que estar envolvido até o pescoço com a cena do rock local não ajudava muito a subi-las. Bem, o jovem Viktor começou a tocar suas composições em festas. Em uma dessas performances, ele foi visto e ouvido por Boris Grebenshchikov, um integrante da já estabelecida banda Akvarium. Grebenshchikov foi padrinho pra Tsoi e o ajudou a começar sua carreira, formar sua banda. E formou. A chamou de Kino (“Cinema”, em russo) e gravaram uma fita demo no apartamento de Tsoi. Essa fita começou a circular em Leningrado e eles começavam e ganhar um pequeno grupo de ouvintes.
Em 1982 o Kino lança seu primeiro álbum, 45, e arranha algumas críticas políticas. Na música Elektrichka ele fala de um sujeito que está em um trem sendo levado pra onde ele não quer ir. Clara crítica (!). Os jovens vão à loucura. Alguém finalmente tinha as bolas de fazer isso. O governo faz a retaliação, o Kino não toca mais essa música ao vivo. Era Tsoi, começando a ser canonizado. É preciso dizer que o primeiro disco é muito diferente dos outros todos. É quase… Folclórico, eu diria. Depois vem o álbum 46 (Criativo) em 1983.
Mikhail Gorbatchev chega, as coisa aliviam um pouco. Era o que o Kino precisava. Em 1986 lançam o álbum Noch’ – o mais anos 80 e o que eu menos gosto – e aproveitaram o alívio da abertura política pra soltar a música Peremen. Significa “mudança” em russo, e com uma letra politicamente claríssima do começo ao fim, bradando que as mudanças não só eram requeridas, como viriam logo. Ah, a juventude russa tinha um ícone.
Pois bem. Em 1987 o Kino fica meio parado. A calmaria antes da explosão: O novo álbum, Gruppa Krovi, é lançado. É o disco de maior sucesso; eu mesmo confesso – foi o melhor, seguido de perto pelo primeiro. Daí pra frente o Kino ganhou ainda mais fãs e influenciou uma geração toda. Viktor Tsoi, depois da abertura política, foi até os Estados Unidos pra promover sua banda e seus filmes (Também era ator). Tudo estava ótimo.
Essa banda, tão importante que me fez escrever tanto, caro leitor, teve um fim abrupto. Nem seus deuses do rock ocidental sonhariam com isso. O Kino fez seu último grande show em 1990, no estádio Luzhniki, em Moscou. Sessenta e duas mil pessoas vieram. Então, no dia 14 de Agosto, Viktor termina de gravar os vocais pro próximo álbum. Na manhã do dia 15 de agosto de 1990, o líder de uma geração morre numa colisão frontal do seu carro com um ônibus, em Tukums, uma cidade perto de Riga, capital da Letônia. Morreu estupidamente, diriam alguns. Seja como for, não se afogou em vômito nem teve overdose. Uma morte desnecessária, mas não indigna.
Antes de alguém perguntar “e daí, e daí?”, leiam o resto. A colisão foi forte, os dois veículos estavam em alta velocidade, dizem. Viktor Tsoi não sobreviveu, mas sua voz sim. A fita com os vocais do novo álbum sobreviveu ao acidente. O álbum foi editado, feito e lançado. O Kino acabou. Seu último álbum, cuja capa é um campo preto com o nome da banda no meio, em branco, não tem nome. Foi apelidado de Chernyi Al’bom. O “álbum negro”.
A morte de Tsoi foi noticiada no dia seguinte no Komsomolskaya Pravda, uma publicação pra juventude. Centenas se entristeceram. Alguns foram até além: Diz-se que 65 adolescentes se suicidaram logo após a notícia. Hoje, há um muro em Moscou, cheio de cartazes, desenhos e pichações sobre o Kino, que serve de monumento.
Esta é a história do Kino e seu líder, Viktor Tsoi.
Fiquem então com a icônica música Peremen:
Quem quiser informações da banda, principalmente sobre downloads, ficarei feliz em fornecê-las. Fiquem de consciência tranquila, o próprio Tsoi repassava cópias de seus álbuns.
Ah, o Bacon tem Orkut, Twitter, Facebook e até Last.fm. Só pra vocês saberem.
[Nota do editor: Se forem pedir link ou alguma coisa, tenham bom senso: Mandem um e-mail pro Kirk ao invés de ficar chorando nos comentários. Ou usem o Google, ignorantes.]
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