Nelson Rodrigues – O Óbvio Ululante
Há algumas semanas passei por uma livraria. Entrei, olhei o que havia e não vi nada de especial. Quando estava pra sair vi algo que me chamou atenção: Lá, em cima de uma prateleira que passou completamente despercebida antes, estava um livro do Nelson Rodrigues. Peguei, olhei e falei “vou comprar”. Não na hora, porquê eu estava duro. Bem, certo. Voltei três dias depois e corri no livro e carreguei pro balcão. Então, o funcionário, que era conhecido meu, solta “Ei, tem outros livros dele, quer ver?”. Atrás de algumas prateleiras, meio escondidos, estavam lá mais três ou quatro livros do Nelson Rodrigues.
Fiquei uns vinte minutos decidindo qual levar. Enquanto isso, passava pela minha cabeça que eu nunca tinha lido um livro dele. Só ouvia a fama dele chegar até mim. Acontece que comecei a me identificar com as capas dos livros. Os nomes (Lá também tinha O Reacionário, A Cabra Vadia e mais um que não me recordo) e os prefácios. Acabei levando o que eu tinha visto na primeira vez, com a promessa de voltar e levar todos assim que desse. Isso porquê eu ainda não tinha lido.
Bem, agora eu li. Não, li não. Eu consumi o livro. Pois ora, vejamos: O Óbvio Ululante é uma seleção das “confissões” de Nelson Rodrigues, publicadas no jornal O Globo entre dezembro de 1967 e junho de 1968. Essas “confissões” eram feitas na coluna de mesmo nome e eram, na sua essência, comentários. Nelson falava da juventude, da esquerda, de seus amigos, seus alvos de crítica e deixava entrever pedaços de sua própria vida. Tinha “personagens”, de quem falava constantemente: D. Hélder Câmara, o canalha Palhares (Aquele que não respeitava nem cunhada), seus amigos Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende, sua família, enfim, toda uma série de pessoas que contribuíam quase sem querer em seus textos.
O leitor jovem que ler O Óbvio Ululante hoje tem grandes chances de não gostar. Primeiro, porquê não vai entender (Nem fazer questão de tentar, imagino). Segundo, vai se sentir perdido no grande número de referências a pessoas e lugares, notadamente o Rio de Janeiro e gente completamente desconhecida dos mais novos, como o Senador da República Velha Pinheiro Machado, assassinado no Rio em 1915 e o arcebispo de esquerda D. Hélder Câmara.
Eu nasci no Rio de Janeiro, então senti uma certa aproximação já. Conheço pouco a cidade, mas pude me guiar um pouco. Quanto às pessoas mencionadas, pesquisei. De vez em quando perguntava ao meu pai, que viveu quarenta anos do Rio de Janeiro. Mas, agora que terminei de ler, digo que várias coisas ditas no livro não precisam de pesquisa histórica, nem interpretação. Nelson Rodrigues era um realista e muito do que ele escreveu em 1967 e 68 continua assim mesmo, real. Vejamos:
Ah, no antigo Brasil era uma humilhação ser jovem. Só me lembro de uma meia dúzia de rapazes. Os rapazes escondiam-se, andavam rente às paredes e, para eles, a velhice era uma utopia fascinante. Por toda a parte, havia uma paisagem de velhos em flor. A palavra do velho parecia soar numa acústica de catedral.
Algumas linhas abaixo, continua:
E tudo mudou. Agora, o importante, o patético, o sublime é ser jovem. Ninguém quer ser velho. Há uma vergonha da velhice. E o ancião procura a convivência das Novas Gerações como se isso fosse um rejuvenescimento.
(O Globo, 11/1/1968)
Nelson era um grande crítico das esquerdas:
Diz Roberto Campos que um dos maiores pânicos das nossas esquerdas, inclusive a católica, é que os Estados Unidos possam ser riscados do mapa. (…) Xingar essa pobre nação é uma maneira de ser inteligente sem ler, sem escrever, sem pensar.
(O Globo, 24/2/1968)
Além das críticas políticas, Nelson costumava divagar pelo simples, pelo dia-a-dia, e não raro juntava os assuntos. O leitor que se interessar deve começar lendo O Óbvio Ululante, penso eu. Serve como um introdução ao pensamento do autor, sua vida e os motivos de ter as idéias que tinha. Quanto a mim, passei o livro todo concordando e lendo cada crônica com espanto. Não pensei que fosse achar um autor tão claro e tão real nesse nosso mundo de fantasia.
Recomendo o livro, para as novas e as velhas gerações.
O Óbvio Ululante: as primeiras confissões de Nelson Rodrigues
Ano de Edição: 1968 (primeira edição), 2007 (reedição)
Autor: Nelson Rodrigues
Número de Páginas: 448
Editora: Agir
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