Como falar de livros que você nem leu
Dependendo da turma que anda com você, pode ser muito embaraçoso admitir que nunca leu um romance de Dostoiévski, Hemingway, Joyce, Shakespeare ou até mesmo de Machado de Assis. Mentir, nesses casos, pode ser perigoso e arriscado: E se perguntarem sobre algo que somente quem teria realmente lido o peso pra papel livro saberia? E você que se gabava de ter lido todos os livros do tal autor, mas na verdade você nunca chegou nem a folhear? Aí eu te respondo a essa pergunta: Sobre como falar dos livros que nunca lemos?
Apesar de soar como um incentivo ao descaramento, todo mundo aqui tem que admitir: Saber fazer isso é necessário. E uma arte. Vivemos atualmente num mundo onde todo mundo parece incorporar um avatar do Google. Essa geração que parece querer saber de tudo ao mesmo tempo agora predomina e bater papo com esse tipo de gente exige praticamente um treinamento mental. Com alguma malícia, é possível aprender (Com inteligência) uma malandragem ou outra sobre as várias formas de demonstrar como você é um apreciador de livros. E existem muitas outras maneiras de fazer isso. A leitura da primeira à última página, em ordem e sem saltos, é apenas uma delas (Entre inúmeras possibilidades) e nem sempre a mais compensadora. Quantos livros ditos clássicos e consagrados você leu e depois, ao chegar a inevitável última pagina, descobriu ser uma grande perda de tempo?
O livro que você largou na metade, ou logo nas primeiras páginas, ou lido aos pedaços (Tal qual um esquartejador), ou aquele que você apenas folheou na livraria chique do shopping, todos esses livros fazem parte da sua história como leitor. E não somente os que você leu. E digo mais: Até mesmo os livros que você quis ler (Mas nem teve em mãos ou que você até tentou ler mas eram chatos pra caralho) entram nessa conta. Uma recente pesquisa realizada em países da Europa, América Latina e no EUA aponta que os livros da série Harry Potter em segundo lugar na lista dos livros que os entrevistados compraram mas não chegaram a ler (E O Alquimista, de Paulo Coelho, aparece em sétimo). Esse destino atinge não apenas os clássicos mais cabeçudos e exigentes, mas principalmente as obras de consumo rápido. A quase-leitura é tão válida quanto a leitura total. Afinal, pra que perder tempo se o livro é ruim mesmo?
Aliás, a idéia de que se pode ler um livro por inteiro seria ilusória. Esse esforço de completude é comprometido por uma limitação humana: O esquecimento. Existem pessoas que começam a esquecer uma página quando ainda estão lendo a seguinte. A exigência de ler tudo de todos os livros que passaram por suas mãos é irreal. A arte de não ler é importantíssima. Só assim é possível selecionar, no meio da mediocridade que predomina em qualquer época, aquelas poucas obras que realmente valem a pena. Já dizia o velho safado, Charles Bukowski:
Para ler o bom, uma condição é não ler o ruim: Porque a vida é curta, e o tempo e a energia, escassos.
O problema é que o tempo de uma vida mortal é escasso mesmo para quem se atenha somente ao “bom”. Todo mundo termina mesmo fazendo péssimas escolhas. Qualquer um pode ter uma opinião legítima sobre um livro, mesmo sem tê-lo lido. Há várias maneiras indiretas de conhecer um livro: Pela crítica, por resumos, pelo que os amigos falam, pela posição do livro em catálogos e bibliotecas. Todo leitor carrega consigo uma biblioteca virtual, um repertório de livros que lhe permite se posicionar diante de qualquer obra, mesmo que não a tenha lido.
Vamos a algumas dicas pra quem quer falar bem sobre alguns livros que não leu e pagar de sabidão da turma:
1) Não precisa ter vergonha
Todo mundo têm buracos na sua formação cultural e intelectual, inclusive o gênio nerd que tá falando com você. Nas rodas sobre literatura, não há por que imaginar que o cara ao seu lado conhece mais sobre uma obra do que você.
2) Imponha mesmo a sua opinião
As opiniões sobre literatura sempre serão arbitrárias. Fale bem ou mal de um livro, mas fale com convicção. Pois tanto faz ou tanto fez, ninguém desconfiará que você não o leu se você realmente for convincente.
3) Invente qualquer merda
Todo mundo pode ser traído pela memória. Então, se você inventar novos episódios para um livro ou até falar de autores e livros que não existem, ninguém perceberá. Mas não exagere. E se alguém se ligar e apontar o erro, diga rindo que sua memória “confundiu as coisas”.
4) Fale mais de si do que do livro
Oscar Wilde ensinava que a crítica literária é uma forma de autobiografia. Fale do significado pessoal que um livro tem para você, mesmo que nunca o tenha lido ou folheado na vida.
As bibliotecas podem ser tanto uma fonte de prazer quanto de angústia. Estão lá todos os livros que você não leu, e cada lombada parece olhar em sua direção com uma censura silenciosa. Você pode reforçar essa cobrança sobre si mesmo ou simplesmente relaxar essa pressão social que impõem sobre todos nós. Tanto faz cara. E o mesmo pode ser aplicado a filmes, discos, games, quadrinhos, etc. Viva a vida ao seu tempo e se divirta. E se você não leu nada do que está escrito aqui, comente.
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