Do blues e do jazz
Eu estava em uma mesa, tomando uma cerveja com pessoas amigas, quando uma delas atira uma pergunta, mais ou menos nos seguintes termos: “Mas afinal cara, qual a diferença entre blues e jazz?”
A diferença é toda, e gritante, como bem sabe o leitor. Mas naquele momento, fiquei sem palavras. Na verdade, à queima roupa, a pergunta realmente é de paralizar. Afinal, qual a diferença? É como perguntar o que é amor, ou quando alguém pede pra você se descrever, sei lá; você até sabe responder, mas de primeira se complica tentando, fica pensativo. É claro, eu poderia explanar a quem me perguntou algumas minúcias técnicas, poderia falar-lhe da minha área, por assim dizer, falar-lhe da guitarra, tanto no blues quanto no jazz. Mas isso seria pouco, seria como querer dizer como um carro funciona detalhando-se o funcionamento do carburador. É uma parte ali, pequena, e da qual ainda sei menos do que gostaria. Mas, diferente do carro, mecânico, todo explicável nos seus detalhes feitos em fábrica, o assunto naquela ocasião e naquela mesa era a música, e dois dos meus tipos preferidos. Em suma: Era como todo o esforço de traduzir a diferença entre dois sentimentos.
Em inglês, “to feel blue”, significa sentir-se triste, infeliz, desgostoso, etc. É como você se sente quando é um escravo, colhendo algodão; é como um sujeito fica quando ele é livre, mas não tem pra onde ir, afinal “liberdade é só mais uma palavra para nada à perder”, como diria uma certa canção; é como você ficou quando perdeu aquele amor, é como eu fico no final do mês, sem grana pra cerveja. Você fica triste, you feel blue. E quando alguém fica assim, essa pessoa lamenta. Pode não ser em voz alta, mas todos lamentam. Pois o blues é, antes de tudo, um lamento. Remonta aos campos do sul dos Estados Unidos da América, um século e meio atrás, por aí.
Mas vamos conversar. É, você, leitor. Pense numa tristeza, mas não muito grande, não quero ninguém aí chorando, não. Uma tristeza moderada. Fazendo um esforço, dentro dela você pode identificar esperança, vontade de ficar melhor ou apenas de tomar um porre. Saudade daquela pessoa? É, você queria que ela voltasse. Ou então você simplesmente já esqueceu (Melhor esquecer, sério) e só quer companhia, mas como álcool não fala, você se cala. Se você fuma, seu ambiente tem fumaça, dando voltas na sua cabeça, pairando. Alguém pergunta o que há, você quer traduzir a situação, conta a história toda, mas mesmo assim o seu ouvinte parece esquisito, como um labrador sem um cego, ou vice-versa. Não precisa desabar por aí, recontando o velho testamento que é a epopéia da sua miséria. É só sacar a vitrola e mandar algo assim. Está explicado.
Apesar do nome e da história, um bom blues também pode versar sobre amor (Que não foi perdido ainda, inclusive), pode ser satírico ou sobre, sei lá, o capeta (Alô Robert Johnson). Mas a verdade é que eu não conheço ninguém que ouça blues em festa de aniversário, pra assoprar as velas, ou pra ficar alegre. Aliás, particularmente, se blues tivesse gosto, para mim seria de cerveja e fumaça. Enfim.
Paro de digitar. Está tocando Marie, do Tommy Dorsey. Ah, o jazz. Confesso que me vejo muito mais partidário do jazz, o vejo como algo muito mais… Prático? Não, não é essa a palavra. Múltiplo, talvez, sim. Você ouve, sabe que é ele, mas pode ser mais ou menos dançante, alegre, triste, cantado ou instrumental. É verdade que uma de suas influências estilísticas é justamente o blues, mas as blue notes coexistem com a fauna de saxofones e trompetes; graças à essa herança é que o jazz pode tanto estar naquela cena da cerveja e da fumaça como em um salão iluminado, onde os casais sorriem.
Há uma coisa dele que gosto muito: Sua proximidade com a cidade. Ele é, na minha mente, essencialmente citadino, urbano. Ele veio ao mundo neste contexto, lá pela cidade de Nova Orleães, no início do século XX. Há então Chigago, Nova Iorque, bares, clubes. O jazz estava presente nas modas, desde quando era praticamente dominante nos anos 30, e até nos anos 60, no meio da era do tal rock and roll. A impressão que tenho ao ouvir um bom jazz da época do swing é a de modernidade, de industrialização, do progresso do século passado. E ainda: Posso citar uma música que eu acho “inteligente”, por exemplo, ou ainda uma que é “preguiçosa”. São personalidades. É curioso, é só percebo isso no jazz. Ah, lembrei a palavra certa para ele: Versátil. É isso. E mesmo assim reconhecível.
Enfim, não sei se respondi a pergunta que abre este texto, nem se alguém que me perguntasse isso ficaria satisfeito com tamanha divagação. Aliás, é o tipo de questão cuja resposta é mais compreendida subjetivamente do que realmente explicada. Como eu disse antes, é como definir sensações, como dizer precisamente o que é quente e o que é frio, pôr em palavras algo que a mente sabe muito bem.
Ainda em tempo: Algumas vezes, jazz e blues, estes dois irmãos da música resolvem se encontrar. O resultado? Bem… Algo assim:
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