A Insustentável Leveza do Ser (Milan Kundera)
“O mais pesado dos fardos nos esmaga, verga-nos, comprime-nos contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o fardo do corpo masculino. O mais pesado dos fardos é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da realização vital mais intensa. Quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais real e verdadeira ela é. Em compensação, a ausência total de fardo leva o ser humano a se tornar mais leve do que o ar, leva-o a voar, a se distanciar da terra, do ser terrestre, a se tornar semi-real, e leva seus movimentos a ser tão livres como insignificantes. O que escolher, então? O peso ou a leveza?”
Esse questionamento inicial, em A Insustentável Leveza do Ser, acompanha o contraste entre as teorias de Nietzsche (O Eterno Retorno e seu peso) e Parmênides (A positividade da leveza). O autor, Milan Kundera, nega o Eterno Retorno, ideia de que tudo que se vive se repetirá indefinidamente, ao afirmar que escolhemos um caminho de cada vez e que não existem maneiras de se comparar o que aconteceu com o que poderia ter acontecido. Conclui, ainda, que a incapacidade de fazer essa pesagem nos livra da culpa e diminui a importância das ações, sobrando uma leveza insustentável. Esta oposição entre a leveza e o peso é a dicotomia que norteará toda a obra.
A história, iniciada em Praga, envolve quatro personagens – Tereza e Tomas, Sabina e Franz – e suas relações amorosas, assim como o modo como encaram a vida, envoltos pelo peso ou pela leveza. Por trás dessa teia cresce outra trama: O cenário político da opressão dada pela invasão russa sobre a República Tcheca.
Tomas é um médico intelectual que pratica a leveza da vida, separando sexo de amor e, assim, relacionando-se com diferentes mulheres, mesmo quando se apaixona por Tereza. Resumindo, aquele cafajeste que você odeia e ama ao mesmo tempo. Tereza, por sua vez, é pura e inocente, e em função de sua inteligência e compaixão pelos outros, carrega um peso que Tomas não poderia entender. Ela não o condena por suas infidelidades e se considera fraca perante a ele. Sabina, mulher intensa e livre, é o mais importante dos casos de Tomas e representa a extrema leveza do ser. Entretanto, essa extremidade, dada por suas escolhas ao longo da vida, pode tê-la tornado irrelevante e sozinha. Tomas escolheu Tereza e seu fardo; Sabina escolheu ser totalmente livre e leve. Nenhum dos dois pode afirmar se suas escolhas foram corretas. É esta a insustentável leveza do ser: Não saber como poderia ter sido. E se…? Não, não dá. Por último, Franz, caso amoroso de Sabina, é incapaz da leveza, atribuindo sentido a própria vida ao colocar peso e importância em tudo, envolvendo-se intensamente com seus sentimentos e suas convicções políticas.
Kundera consegue estabelecer uma narrativa interessante, ao não respeitar a linearidade dos fatos, passeando pelo tempo e captando a atenção do leitor. Isso, aliás, ele faz muito bem, estabelecendo em diversos momentos pequenas conversas com quem está do outro lado, interrompendo a história para induzir reflexões. A sensação que tive foi de que alguém próximo estava me contando uma novela da vida real e dando intervalos para comentar o que estava acontecendo, de uma perspectiva psicológica e filosófica. Tal fato me chamou bastante atenção, pois apesar de ler muito não havia me deparado, até então, com nada do tipo.
A Insustentável Leveza do Ser é um livro que precisa ser lido com calma, de forma a apreender ao máximo os questionamentos passados. Me peguei diversas vezes parada, pensando sobre o que havia acabado de ler e relacionando com a minha própria maneira de encarar a vida e conceituar as coisas. Pra mim, foi realmente um aprendizado. Melhor, um estudo, eu diria. A ponto de iluminar as passagens mais importantes. Algo que não entendo é por que eles sempre escolhem os clássicos menos interessantes para lermos na escola. Teria me aprofundado com prazer nessa obra, considerada uma das melhores do século XX. Paciência. Deve ter sido melhor ler O Cortiço mesmo, né.
A Insustentável Leveza do Ser
The Unbearable Lightness of Being
Ano de Edição: 2008
Autor: Milan Kundera
Número de Páginas: 312
Editora: Companhia de Bolso
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