O Monstro Do Ártico (The Thing From Another World)
Aqueles dentre vocês que são apreciadores do bom cinema devem conhecer O Enigma de Outro Mundo, de 1982, famoso thriller de ficção científica sobre um alien que fode a vida de vários pesquisadores no ártico. É, um clássico, tanto que nós aqui do Bacon já falamos nele antes. Só que não é bem dele que eu vou falar, mas do original. Claro, por que o de 1982 é um remake. Vem comigo.
Sim, é isso mesmo, caros dois ou três leitores que ficaram supreendidos. O filme de 82 é mais conhecido e provavelmente no que pensamos quando o assunto vem à tona. Mas antes daquele ano, falar n’A Coisa significava falar no filme de 1951, estrelando Kenneth Tobey, Margareth Sheridan, Robert Cornthwaite e outros, que você provavelmente também nunca ouviu falar. Foi baseado em um conto de 1938 chamado “Who Goes There?” (Em tradução livre, “Quem Vai Lá?”, fazendo alusão ao misterioso alien), escrito por um certo Don A. Stuart, pseudônimo de John W. Campbell.
A trama é quase a mesma do filme de 1982, por razões óbvias. Mas esse quase faz toda a diferença. Como vocês sabem (Eu espero), no filme de 82 um grupo de cientistas americanos estão em uma base de pesquisas longe de tudo, no meio da Antártida, fazendo o que cientistas fazem em um lugar desses, quando são surpreendidos pelo helicóptero de base norueguesa próxima, que atravessa ferozmente os ventos gelados, com um sujeito armado dependurado para fora do aparelho tentando matar… Um cachorro. Antes que possa explicar o que acontece, o homem é morto e o cachorro é levado para dentro pelos americanos, que nem sequer param pra se perguntar se, sei lá, o bicho poderia estar abrigando uma selvagem consciência alienígena que poderia acabar matando todo mundo. A história completa, explicando tudo que aconteceu até ali, foi revelada ao mundo no recentemente lançado prequel do remake de 1982, também criativamente chamado The Thing, do qual nós não falamos. Ainda.
Mas enfim, o texto linkado lá no começo fala disso tudo. Não é difícil, eu presumo, imaginar que o filme original siga no mesmo caminho. E segue. Mas precisamos lembrar que o ano vigente era 1951, e cenas sangrentas de cachorros e pessoas se transformando em uma lagosta gigante que gosta de atravessar os outros com suas garras ainda não eram muito populares nos cinemas. Além disso, todos queriam ver militares nas telonas, já que há pouco tempo eles haviam derrotado os chucrutes lá do outro lado do Atlântico. Por essas e outras, o primeiro filme conta uma história mais ou menos diferente: Um grupo de oficiais da Força Aérea dos Estados Unidos é mandado para Anchorage, no Alaska, a pedido do cientista-chefe de um posto científico no Pólo Norte, o Dr. Carrington, que diz ter evidências da queda de um objeto voador não identificado. Militares e cientistas escavam o local e, para o futuro desespero de Mulder e Scully, explodem ser querer (“sem querer”, sei) a nave, só para descobrir que debaixo da cratera resultante havia o corpo congelado de um alien, em carne e osso. Ou não. Mas vocês entenderam.
Com o bloco de gelo já no acampamento, enquanto o exército provavelmente se decide entre a desculpa do balão metereológico e a da ilusão de ótica, um dos oficiais colocados para vigiar, com medo da criatura, decide cobrir o pedaço de gelo com um cobertor. Um cobertor elétrico. Ligado. Em pouco tempo, o gelo vira água e um alien recém tirado do freezer começa a vagar pela estação. E as semelhanças entre remake e original param por aqui. Quem viu também o prequel deve ter notado que a história deste filme de 1951 compreende mais ou menos as tramas de O Enigma do Outro Mundo e A Coisa juntas. Entretanto, o espectador que assistir também O Monstro do Ártico vai notar claramente que o que difere o primero dos demais não é só a época e alguns detalhes.
Uma coisa que falta ao original, e que realmente faz toda a diferença entre ele e os demais, e a tensão. Ou melhor dizendo, a falta dela, a falta de uma pressão psicológica gritante, praticamente palpável no remake e seu prequel. E não podemos, óbvio, culpar um filme de 1951 por ser quase inocente perto de dois filmes feitos nos últimos 30 anos. Em O Monstro do Ártico, o alien não é um ser macabro e sanguinário, de forma um tanto indefinida, com a capacidade de contágio e de se disfarçar no corpo de suas vítimas, antes de se revelar em formas grotescas e horríveis. Não. Como todo bom alien dos anos 50, a coisa original tinha forma humana, era um bicho meio desastrado e gostava de perseguir as pessoas a passos lentos e pesados. Sinceramente, era uma espécie de Tropeço do espaço. E, claro, o toque mais especial: Se descobre no passar do filme que ele é um tipo de planta cósmica, ou como o Dr. Carrington coloca a questão, “No planeta do qual nosso visitante veio, a vida vegetal sofreu uma evolução semelhante à nossa própria vida animal”.
De qualquer jeito, não deixem o fato do alien ser uma “cenoura gigante” os impedir de assistir este clássico, responsável pela origem de outro, décadas mais tarde. Precisamos nos esforçar para lembrar que o pensamento da nossa época, ou até de épocas mais recentes, nem sempre foi a regra e em certos casos nem sempre existiu. Em O Monstro do Ártico, vemos o que dava medo de ver nos cinemas há mais de 60 anos, e isso é uma verdadeira pesquisa histórica. Falando em história, no ano em que completou 50 anos, o filme foi selecionado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos para preservação no Registro Nacional de Filmes, por ser considerado “culturalmente, historicamente ou estéticamente” significativo, além de ser um dos maiores filmes de ficção científica dos anos 50 — no ano de seu lançamento, este filme ficou em 46° lugar entre os mais lucrativos do ano, ultrapassando todos os outros filmes do gênero lançados em 1951, como O Dia em Que a Terra Parou e Guerra dos Mundos. Vale à pena assistir.
Vida longa e próspera.
O Monstro do Ártico
The Thing From Another World (87 minutos – ficção científica)
Lançamento: Estados Unidos, 1951
Direção: Howard Hawks (Não creditado)
Roteiro: Ben Hecht (Não creditado)
Elenco: Margaret Sheridan, Kenneth Tobey, Douglas Spencer, Robert O. Cornthwaite, James Arness
Além de assistir filmes velhos e escrever sobre eles no Bacon, também falo de coisas que quase ninguém se importa no Estranho Sem Nome. Dá uma olhada lá.
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