Filmes pra acabar com a insônia
Eis que eu chego aqui pra escrever essa coluna, depois de três dias de Mississipi Delta Blues Festival terem substituído as minhas três últimas noites de sono. Claro que vocês não fazem ideia do que eu tou falando (E vão continuar não fazendo, já que eu ainda não cheguei no nível de escrever indiscriminadamente sobre música numa coluna de cinema), mas o pessoal daqui costuma considerar esse evento o maior festival de blues do Brasil, da América Latina e logo mais, de todo o mundo. Enfim, enfim, enfim, o fato é que eu tenho sono. E não tenho assunto. O que me levou a divagar, enquanto fazia um esforço sobre-humano pra não babar no teclado. Filmes. Sono. Filmes que dão sono. Olha só que interessante o jeito que a mente funciona.
Insônia
O pior filme do Christopher Nolan é um thriller policial que se concentra mais no psicológico do protagonista do que na investigação em si. O que poderia ser uma grande qualidade, mas não funciona aqui por causa dos fatores que cercam o tal protagonista. Que é o Al Pacino, aliás. Pra começar, ele sofre de insônia e é mandado pra uma cidade no Alasca, onde o sol não aparece por vários meses, pra investigar um crime. A partir daí, o filme lentamente acompanha a perda de sanidade do cara, conforme a culpa, as dificuldades na investigação e a falta de sono o consomem. Só que nessa dolorosa aproximação com o personagem, a única coisa que passa pra o espectador é o cansaço do Pacino, que deita por horas na noite eterna do Alasca sem conseguir dormir, cada vez mais curvado e com olheiras cada vez mais salientes. E esse processo vai se repetindo até que a gente implore pra que ele durma, morra por não dormir, ou qualquer coisa assim, desde que o filme acabe. Já o ponto bizarramente positivo do filme fica por conta da grande atuação do Robin Williams, vejam vocês.
Nostalgia
O Tarkovsky é um gênio indiscutível, mas as vezes é justamente isso que acaba distanciando seus filmes de nós, meros mortais. Claro, o Stalker é uma obra prima, mas outras obras do cara dependem de um estado de espirito muito especifico pra serem compreendidas, parcialmente. É o que acontece no Nostalgia. Mas claro, eu posso achar isso só porque faço parte dessa geração que não consegue prestar atenção em nada mais longo que um clipe da MTV (E vocês também, nem vem). Porque pensando bem, o nível que o diretor russo alcançou é inacreditável. É só ver como ele trabalha os elementos que são abordados na história de um poeta russo que vai pra Itália pesquisar sobre a vida de um compositor russo do século XVIII, e acaba dividido entre o passado e a nova vida, na figura de uma mulher, além de desenvolver uma relação ambígua com um morador que encarcerou a própria família pra salvá-la dos males do mundo. É só fazer um esforço que dá pra apreciar a beleza de tudo isso, através da câmera contemplativa e quase imóvel do Tarkovsky. Principalmente na cena da vela, lembrem-se da cena da vela.
Sonhos
Situação parecida com a anterior, apesar de o Kurosawa ser um diretor bem mais pop que o russo. No Sonhos, que não é dos melhores do dele, mas ainda bacana, ele entra nesse clima mais intimista do camarada Tarkovsky. Com grandes momentos, inclusive. Mas o terceiro segmento do filme é inacreditável. Trata-se de um sonho onde um grupo de escaladores agoniza em meio a uma nevasca. E é isso, por incontáveis minutos. E pra ajudar, não bastasse o fato de já ser difícil diferenciar atores japoneses em condições normais, a tal tempestade de neve diminui a visibilidade da cena em uns 90%. Eu sei que vocês tão loucos pra saber o que acontece depois, então aí vai: Eles são salvos por um espirito. Só que nem importa mais, já que nessa hora o espectador muito provavelmente está dentro do seu próprio sonho, heh.
Sucker Punch
Certo, todo mundo sabe que o jeito mais simples de dormir diante do Sucker Punch (E inevitável) é bater a cabeça na parede até desmaiar. Mas pra resistir a tentação e evitar um traumatismo craniano é muito simples, comissário. Basta apenas tirar o volume do filme e colocar uma trilha de sua preferência. Sim, qualquer que seja o seu gosto musical, ele vai superar o do Zack Snyder. Somente então, dá pra gradualmente substituir a raiva pelo tédio e pegar no sono acompanhado pelas quase duas horas de cenas de ação coloridas e PG-13 em câmera lenta.
Transformers
Só pra não perder mais uma chance de xingar o Michael Bay. Ao contrário do Snyder, o diretor não tem nem a pretensão de incluir algum conteúdo no filme, o que acaba transformando-o num amontoado de explosões genéricas sem significado algum, envolvendo personagens igualmente desinteressantes. E não existe declaração de dever cumprido maior do que transformar cenas de ação num remédio contra a insônia. Pera aí, existe sim: Transformar cenas de ação com a Megan Fox num remédio contra a insônia.
Matrix Revolutions
Se o segundo Matrix já tinha atingido um patamar de irrelevância considerável, a terceira parte da trilogia se supera nesse quesito. E não bastasse se aprofundar na mistura duvidosa de conceitos aleatórios que a franquia tentou fazer passar por profundidade, o Matrix Revolutions acaba com tudo que tinha sendo construído pela série na parte estética também. Todo aquele estilo resgatado pelo filme já ficou tão exagerado que se tornou impossível reutilizar lutas coreografadas e roupas de couro em qualquer outra coisa com a pretensão de sair algo decente. O ápice de toda essa chatice é a luta estilo Dragon Ball Z entre o Neo e o Agente Smith. Isso que a batalha não dura 1/100 do tempo das lutas do Goku no desenho japonês.
Last Days
Só a menção do nome Gus Van Sant já é suficiente pra fazer alguns bocejarem. Crítica até injusta, eu diria, não fosse pelo Last Days. O filme acompanha os momentos finais de um rockstar recluso, desiludido com a própria fama e toda aquela velha história. Repleta de elementos um tanto quanto sutis que remetem a um artista da vida real (SPOILER: É o Kurt Cobain). Só que o cineasta opta por contar essa história de longe, pra ressaltar o distanciamento do cara do restante da humanidade. Porém, o filme confia demais na transmissão dessa sensação, que acaba não ocorrendo. E como não tem nada mais a acrescentar, vira um grande e interminável vazio.
El Topo
Por uma especie teimosia irracional, eu sempre me obrigo a acabar de ver qualquer coisa que começo. Então, já é uma grande coisa dizer que eu nunca passei dos 20 primeiros minutos do El Topo. Nem sei se isso aconteceu pela quantidade absurda de elementos bizarros presente no filme, em contraponto com falta de qualquer outra coisa. Não, é mais a impressão que isso passa. De que o Jodorowsky não passa de um enganador. Mas ninguém reconhece isso porque porra, olha todo o simbolismo que o cara colocou aí, vei. Claro, talvez eu só não entenda toda a genialidade do cineasta maldito, com seus filmes perdidos ou banidos e tudo o mais. Mas, por hora, essa é a dica mais valiosa que eu posso lhes dar, meus caros insones. Claro, não contanto aqui certas aberrações da sétima arte, como as obras do Andy Warhol e um filme de 86 horas chamado Cura Para a Insônia.
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