Kveikur (Sigur Rós)
Depois de um hiato de três anos, o grupo Sigur Rós ressuscitou e voltou a ativa lançando Valtari no ano passado. Mas o disco não empolgou. Era uma coleção de hinos, músicas que se alastravam pelo ambiente, vagamente náuticas e orgânicas, mas sutis e contidas demais. Foi imensamente diferente do seus antecessores. Na época de seu lançamento, os integrantes falaram dos planos para gravar ainda mais depois de Valtari e lançar material novo no ano seguinte. Se isso realmente acontecesse, seria uma boa surpresa, pois a banda é conhecida pela sua propensão para a escrita e composição em processos lentos e horários esporádicos. Entretanto, no final de 2012, o baixista Georg Hólm confirmou que, de fato, havia um novo álbum sendo gravado. Um “anti-Valtari“, como ele chamou o disco. E então, surgiu Kveikur.
Durante as gravações sirgiu a noticia de que o Sigur Rós se tornou um trio com a saída do antigo tecladista Kjartan Sveinsson. O cara alegou estafa, pois já são quase 20 anos de banda. E cada registro nessas duas décadas é como uma relíquia de proporções divinas, como foram Ágætis byrjun, () (Um dos melhores discos de todos os tempos) e Takk. O disco já anunciado poderia se tornar lenda e nem ser lançado. Mas os islandeses nunca esconderam que pretendiam de alguma forma encapsular o mais frágil e mortal dos fragmentos de emoção, das relações com a natureza e com a vida com o seu som, de uma forma que a maioria dos músicos só podiam sonhar em fazer. A tour do disco anterior prosseguiu mesmo sem o ex-membro e a banda seguiu fazendo o que a tornaria famosa: Suas lendárias apresentações ao vivo capazes de reduzir até mesmo as pessoas mais instigadas às lágrimas, na esteira da beleza de suas composições, que ficam em pé igualdade com os reis do gênero e talvez até mesmo com os melhores músicos de todos os tempos.
Faixa a faixa do disco:
01. Brennisteinn
Então, em fevereiro deste ano, via XL (A banda também trocou de gravadora), surgiu Brennisteinn na deepweb, simplesmente do nada. Encharcada de pós-industrial, se parece mais com o Rammstein ou com Aphex Twin do que Sigur Rós. Se cogitou até ser uma música fake. Mas os falsetes inimitáveis de Jónsi estavam lá. Uma enorme e rangida guinada de baixo e a retumbante percussão incitam mais medo do que temor, realmente isto não é como qualquer coisa que o grupo tenha feito antes. Num piscar de olhos, a banda incendeia todas as memórias que tinhamos deles. É plácido, meditativo e calmo, mesmo não sendo realmente suave. É uma nova faceta que permanece na vanguarda da Kveikur. Brennisteinn abre o disco como um hino de demônios: Coros infantis com do nível de O Exorcista, a voz de Jónsi sendo engolida por inteiro. Sua voz sempre foi capaz de mostrar a amplitude das emoções de suas cordas vocais, mas esta pode ser a primeira vez que ouvi angústia. Gemidos de alguém que parece estar se preparando para o seu último suspiro.
02. Hrafntinna
Fundamentalmente está faixa mostra que a banda está viva. Se no ano passado Valtari parecia congelado, a partir das notas de Brennistein como uma sirene de aviso de abertura, aqui não há a sensação de que se poderia ir a qualquer lugar, que isso poderia – sussurra ele – realmente nos surpreender. E ele faz, repetidamente, a partir do dinamismo da sua composição para a ferocidade da percussão. Apesar de ter sido praticamente irrelevante no último álbum, o baterista Orri Páll Dýrason está compensando o tempo perdido.
03. Isjaki
A maioria, mas não todos, os sentimentos que você pode recolher a partir deste registro é tingido com negatividade (Tristeza, raiva, terror). Porém, Ísjaki parece ter sido composta justamente como uma tentativa de desafiar isso. É como se fosse o equivalente aural da menina de vermelho em A Lista de Schindler. Talvez uma das faixas do Sigur Rós mais minimalistas, formada a partir de poucos instrumentos, mas tem um sentido evidente de esperança e otimismo, como um hino pop de vidro. No entanto, ainda é devastadora quando se compara com as outras faixas do resto de Kveikur. Apesar de sua positividade, o resto da escuridão inata do álbum arrasta tudo de volta para as profundezas sinistras, tornando-se um monumento ao que o resto do álbum não é.
04. Yfirbord
O Sigur Rós já fez algumas músicas com uma certa brutalidade antes, como o final de Glósóli, NY Batteri, Di Do e o colapso climático do Popplagið. Mas Kveikur vai mais longe do que um mero aumento no volume da distorção. Todo o seu foco é sobre os decibéis e o espaço ao seu redor, o que deixa a marca a partir da construção lenta da eletricidade estática de uma tempestade que abre para os suspiros vocais pitch-dobrados desta faixa. Yfirborð é riscada de texturas sangrentas. Se a música do Sigur Rós vinha sendo muitas vezes ridicularizada como o canto das baleias, aqui são elas que estão morrendo, o sangue escorrendo na água, a morte da besta entregue as sombras.
05. Stormur
Esta não é mero ruído, é tão melódica e tão frágil como qualquer coisa que a banda lançou antes. Um conjunto de notas de piano soltas e nada monótonas, cheias de reverb, muito tristes sem serem piegas. Única em seu refrão, cativante e emotiva, escurecendo em seu final, se infiltra e varrendo com o vento, devastando tudo com vozes assombradas e fantasmagóricas. O que será que esses caras andaram fazendo no estúdio pra ficarem assim tão taciturnos?
06. Kveikur
Talvez tenha sido a saída do membro fundador e tecladista Kjartan Sveinsson em 2012, após a qual muitos se questionaram sobre como a banda poderia continuar: Sveinsson era, afinal, o único músico classicamente treinado da banda, um multi-instrumentista responsável pelo fornecimento de grande parte da profundidade ao som de Sigur Rós. Mas qualquer que seja o que ele acrescentou antes de Kveikur, tudo agora se tornou mais emocionante desde a sua saída e a sua omissão: Mais magro, mais sujo e muito mais focado, revigorado pela sua própria decadência. Essa música é escura e progressiva, para as emoções de adultos, e ao mesmo tempo consegue ser muito diferente de qualquer outra coisa atualmente no mainstream global. É uma aventura perigosa, tão orgânica quanto uma tempestade, levando eventualmente para um sono final, feliz, de que você nunca quer acordar.
07. Rafstraumur
Por muito tempo, provavelmente desde 2005 com Takk, o Sigur Rós têm feito música para chorar, para fazer amor, para meditar/rezar ou para desacelerar. Música para caminhadas solitárias ou caminhadas enevoadas, por nascer e pôr do sol e para crianças dormirem embaladas por pesadelos e adultos despertarem…. Bem, aqui está o outro lado, que o longo inverno escandinavo de queimaduras e tempestades, de rocha congelada e suicídios, que as Luzes do Norte esconderam por tanto tempo e agora lança como uma sobrecarga de partículas sinistras contra os céus escurecidos. Com certeza, em comparação com os seus antecessores recentes, Rafstraumur é assustadora, mas é assustadora em uma forma que é morbidamente fascinante.
08. Bláprádur
A percussão pesada e os elementos eletrônicos são realmente instigados, Bláþráður tem uma qualidade quase breakbeat, ameaçando se transformar tudo em uma rave a qualquer momento, conseguindo surpreender mesmo a essa altura de um disco tão diferente e desafiador como este. Mas não dá pra se enganar, esta música vem, no entanto, inevitávelmente, apesar de sua acessibilidade, nos levar ao clima, ambiente e estado geral da mente que todo o disco nos carregou pro lugar certo. Diferentemente dos álbuns anteriores, como Takk, que necessitam significativamente menos investimento emocional, aqui, nem é preciso tanto, tudo aflora naturalmente.
09. Var
O amor ainda aqui pode ser um sentimento suave. Não, Kveikur é um registro simples. Este é daqueles discos que jogam em cima de você a pura catarse deles, uma obra de arte para se conectar enquanto prédios cinzas te cercam e o céu mais cinza ainda desce e se torna denso em torno de nós. Quando você deseja nada mais do que fechar os olhos e sentir a terrível grandeza da natureza engolir você. Às vezes é bom ser catastrófico. Simples, memorável e cheio até transbordar com vocais descontroladamente flutuantes. Belo final.
Kveikur (Sigur Rós)
Lançamento: 2013
Gênero musical: Post Rock
Faixas:
01. Brennisteinn
02. Hrafntinna
03. Isjaki
04. Yfirbord
05. Stormur
06. Kveikur
07. Rafstraumur
08. Bláprádur
09. Var
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