Hannibal (1ª temporada)
Will Graham (Hugh Dancy) é um analista que trabalha junto ao FBI para ajudar na solução de mortes misteriosas e traçar perfis de assassinatos em série. Porém o agente Jack Crawford (Lawrence Fishburn) percebe problemas comportamentais com Will e para isso solicita a ajuda do psiquiatra Hannibal Lecter (Mads Mikkelsen) para que este possa ajudar Will a superar seus problemas de socialização que o leva cada vez mais para a escuridão que o consome em cada novo caso investigado.
Há muito tempo escrevi sobre essa série, que me deixou com uma boa expectativa, não só pela escolha do protagonista (O excelente ator Mads Mikkelsen), mas principalmente por introduzir um serial killer na TV aberta, de uma forma diferente da formula encontrada e executada a exaustão com a série Dexter. Aliás, temos aqui uma aposta ousada, porque o assassino em questão é Hannibal Lecter, um dos maiores vilões de todos os tempos da história do cinema, imortalizado por Anthony Hopkins na trilogia cinematográfica Hannibal, e que não costuma render muitas produções. A última aparição do psicopata criado por Thomas Harris foi um grande fiasco, Hannibal – O Inicio é um filme ruim de dar dó. Mas e essa nova série, será que os realizadores conseguiram entregar todas as grandes promessas com destreza e de forma sutil, como esperávamos?
Hannibal funciona como se na verdade toda a série fosse um grande filme com 13 horas de duração. E mesmo assim não cansa o telespectador. E como todo filme cheio de mistérios até o seu final, esse filme de 13 horas de duração fica melhor ainda se revisto depois que vimos tudo acontecer. Tudo está correlacionado com alguma coisa posterior, pode acreditar, cada detalhe, cada cena, cada metáfora foi meticulosamente orquestrada para algum fim. E o que passou desapercebido nesta primeira temporada terá desdobramentos nas próximas. Diferente do que poderiamos imaginar, e os telespectadores podem agradecer por isso, não vemos aqui o Hannibal que surgiu no filme de 1986, dirigido por Michael Mann, Manhunter (Se nunca viu, veja!) nem muito menos o Hannibal que assustava ao mesmo tempo que fazia rir de O Silêncio dos Inocentes (1991), Hannibal (2001) e Dragão Vermelho (2002). Aliás, o plot deste último só serve como ponto inicial. Ao contrário de histórias passadas que todos sabemos como terminam antes de serem contadas, como foi o caso da nova trilogia de Star Wars, nesta nova versão tudo pode acontecer, pois aqui veremos uma nova versão dos fatos. A série teima em introduzir um novo Hannibal, muito mais crível que as versões anteriores do personagem. E muito mais maléfico. O que vemos é um psicopata muito mais inteligente e manipulador do que poderíamos imaginar. O Hannibal mostrado aqui é uma aula de como construir lentamente um vilão. Se a reconstrução do personagem poderia causar medo nos fãs de vê-lo descaracterizado, garanto que não é esse o caso, definitivamente. Os realizadores realmente parecem saber com quem estão lidando.
Fazer uma série é algo difícil. Principalmente séries criminais, que aparentemente precisam seguir fórmulas procedimentais para funcionar e conquistar audiências. Mas a trama de Hannibal, intrigantemente funciona melhor ainda justamente por não se prender a fórmulas. A série mostra o psiquiatra antes ser descoberto e preso, ajudando o FBI a resolver alguns crimes de solução bastante complicada. Assim como foi mostrado brevemente no inicio de Dragão Vermelho, o foco aqui é o relacionamento entre o Dr. Lecter e o investigador Will Graham. Mas tudo que aparece na tela é uma construção do inicio dessa relação, como ela aconteceu. Acompanhamos de perto a peculiar relação entre os dois, como ela surge e como era, uma relação entre médico e paciente, ou melhor: Cientista e experimento. Vemos como tudo evolui e como eles chegam ao ponto de se considerarem colegas de trabalho e mais do que isso: Amigos. É este relacionamento entre os dois que faz com que a série se destaque entre tantas outras. Mesmo sendo uma série sobre crimes e assassinatos misteriosos, onde caberia uma fórmula de “um crime e uma solução por episódio” e a sua simples execução como fórmula manteria presa a atenção do público acostumado ao formato. Felizmente, os realizadores não estavam simplesmente preocupados em capturar a audiência e garantir a continuidade de mais uma série.
Os irmãos Harris e Bryan Fuller, idealizadores da série, não se conformaram em seguir fórmulas. No inicio, vemos sim uma profusão de casos sendo resolvidos, cada um em seu episódio, mas os desdobramentos de cada mistério não desaparecem por completo. Com o passar dos episódios, vamos perdendo o interesse pelo que está acontecendo, sobre quem matou quem ou quem morreu ou irá morrer. O ótimo roteiro que nunca deixa a desejar vai gradativamente mudando de foco, nos forçando a ir deixando de lado a originalidade quase teatral dos crimes macabros para nos focar na delicada maneira como Hannibal manipula praticamente todas as situações a sua volta. E todos caem direitinho na dele. A frieza cirúrgica presente em cada gesto do serial killer é gritante. Mas mesmo assim nos flagramos sentindo piedade de Hannibal quando ele finge sentir qualquer tipo de remorso. Ou mais ainda, quando ficamos exasperados ao ver que ele quase está sendo pego em flagrante pelo seu parceiro Will ou pelo diretor do FBI, Jack Crawford (Laurence Fishburne). Ao perceber que pode ser alvo de qualquer suspeita, a expressão de preocupação que surge em seu rosto, visível apenas aos olhos do público (Que são os únicos que sabem com o que estão lidando) em pequenos trejeitos do ator (Como um olho que treme ou um sorriso falso) é praticamente invisível aos demais personagens. Esses detalhes ganham ainda mais graça pelo teor das situações, pois a cara de pau que ele demonstra, frio e calculista nas situações mais difíceis possíveis, se mostrando calmo quando a maioria das pessoas estaria em completo pânico e fora de controle. De todo o elenco, o dinamarquês se destaca muito mais que os demais atores envolvidos na produção. É a falta de qualquer abordagem emocional real que faz o Hannibal de Mikkelsen seja considerado um dos melhores serial killers já vistos na história da Televisão. Um desempenho que não deve em nada a magistral interpretação do personagem feita pelo grande Anthony Hopkins.
Já Will Graham também renasce aqui. Com novas habilidades e problemas, vemos um agente afastado do FBI devido a sua condição instável, que dá aulas sobre investigação forense na academia do FBI e que é convocado para voltar ao time de investigadores por Jack Crawford. Em seu retorno, ele tem que ser acompanhado de perto por um psiquiatra, que fica encarregado de observar a capacidade mental de Will para trabalhar em casos que podem tanto o atormentar quanto envolver. A interpretação de Hugh Dancy para o Will (Personagem muito bem interpretado por Edward Norton em Dragão Vermelho) nos apresenta uma nova versão do agente Graham. No início, pode parecer uma interpretação equivocada e afetada do personagem, mas com o passar dos episódios, vemos que Will é mais do que aparenta. Delirante, febril e coberto de suor durante a maior parte da temporada, o agente desafia todos ao se provar mais são do que o resto de sua equipe. Entre momentos de insanidade e ilusão, o britânico usa diálogos curtos e rápidos para passar a sensação de urgência na qual seu personagem se encontra. A instabilidade de Graham é o que move as investigações. A capacidade quase paranormal de se colocar no lugar dos assassinos e assim pensar como que eles pensam que faz de Graham um investigador tão especial. O efeito de vê-lo dentro de seus flashbacks, matando literalmente suas vítimas é estarrecedor e causa muita confusão em quem assiste. Essa confusão mental, beirando a demência é que torna Will o melhor detetive a muito visto em séries policiais. Seu mergulho em direção aos motivos torpes de quem se sente levado a matar várias pessoas e suas observações são de gelar a espinha. Os momentos de ausência de realidade de Graham, somados a confusão de não sabermos quando a cena passou a ser uma visão de Will ou um fato real são uma sacada genial, assim como mostrar um investigador com tendencias psicopatas reprimidas pelo bom senso e que podem aflorar a qualquer momento. Sem essas capacidades, o agente nunca conseguiria ser tão eficiente assim no seu trabalho de investigação. E é durante as sensíveis conversas de Graham com o Dr. Lecter que sempre vemos que a todo momento como ele pode perder o controle que o difere de seus alvos.
Tecnicamente, a serie está impecável. Trilha sonora envolvente, sustos, interpretações criveis, nenhum erro de continuidade, escolha perfeita de elenco, boa direção… Poucas vezes vi uma série funcionar tão bem. Outro ponto positivo foi a censura encontrada nos episódios: Quase nenhuma. Vemos pesadas cenas do crimes sem restrições, como um totem feito de partes humanas, plantações de cogumelos feitas em corpos semi-vivos, empalamentos, esquartejamentos, sangue aos borbotões. E o melhor de tudo: Sem parecer gore ou splatter demais. Cada imagem, por mais forte que seja, surge na tela com um motivo, como uma metáfora para o que está por vir em seguida. Aliás, belas metáforas. Os diálogos afiados trazem humor nas horas certas, sem quebrar o clima denso e sinistro que deveria ser a rotina de um investigador forense. Cada palavra é colocada com uma precisão incrível, como um tempero que se usado demais estragaria uma refeição perfeita. Mais ainda: Ver esse desenrolar dos fatos acontecendo durante os 13 episódios de duração da série pode surpreender os antigos fãs na mesma proporção que os espectadores mais desavisados seriam surpreendidos. A fotografia também está maravilhosa. É impressionante como os diretores envolvidos com a produção conseguem dar coloridos tão vivos as cenas em contraste com paisagens as vezes transbordantes de sangue. Hannibal só é negligente em um ponto. Poucas vezes podemos realmente ver o famoso canibal realmente em ação, só descobrindo os resultados de suas ações. Entretanto, mesmo assim somos a todo momentos surpreendidos. Quando vemos Hannibal servindo suas refeições preparadas com esmero, realmente podemos sentir o real terror que a série proporciona: Qualquer prato carnívoro que surge na tela sendo devorado pelos personagens (Que inocentemente aceitam serem servidos com carinho pelo Dr. Lecter) podem nos dar ânsia. As insinuações (Para o expectador) de que ele não somente come humanos mas também faz com que seus amigos sejam forçadas (Sem saber) a praticarem canibalismo causam mais emoções que ver qualquer corpo completamente estripado na tela. Mal posso esperar pra ver o que vai acontecer na segunda temporada, que já está confirmada.
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