A cegueira dos idiotas
Com a confirmação da nova adaptação do Quarteto Fantástico para as telonas, começaram todos os tipos de especulações e comentários sobre elenco, história e tudo mais. Uma das mais polêmicas está no fato de que Michael B. Jordan, que fez o ótimo Poder Sem Limites, está muito cotado para ser escalado como O Tocha Humana. Dai, incautos amigos desligados, vocês me perguntam: Qual é a polêmica? O fato de o cara ser negro. Não entrarei no mérito da questão étnica, preconceitos e o que quer que o valha, pois esse não é meu ponto, apesar de achar que, lógico, ela tem uma relação clara, tanto se adaptassem um personagem negro e o tornassem branco ou o contrário, como é o caso, mas me aterei a levantar o ponto referente ao o que é a qualidade das histórias e a prática de modificar um personagem.
Fãs de HQs tendem a ser os que se prendem a todo tipo de dogma, ou ao tal do cânone, se preferirem. E isto leva ao mais variado tipo de reação quando se adaptam filmes dos quadrinhos. Uma delas é em respeito ao que eu irei chamar de “modificar” a história. Modificar a história seria pegar certos conceitos estabelecidos na mídia original e eliminá-lo ou transformá-lo drasticamente quando transposto para outro formato. A modificação não é ruim por si só: Ela depende da maneira como é realizada, a qualidade novo material, enfim, uma infinidade de fatores que devem ser levado em consideração.
O que leva aos fãs de HQ serem tão radicais quando se fala em mudança? A mais pura cegueira com relação a própria mídia original. Os autores dos quadrinhos modificam as histórias com tanta frequência quanto a Lady Gaga troca de roupa em seus shows. A licença poética que eles se dão é enorme, e pode ser negativa ou positiva, dependendo, como já disse, da qualidade daquilo que foi feito. Exemplos clássicos são as diversas origens do Batman (Ano 0, ano 1 etc.), do Wolverine (Por Frank Miller e por outros mais), as mortes e ressurreições comuns nas mais diversas HQs, os grandes eventos que modificam toda a cronologia, dentre outra infinidade. O porquê dos fãs não enxergarem isso, eu não sei, mas atribuo à pura ignorância (Não no sentido da burrice). É muito difícil julgar situações aos quais estamos habituados, portanto certas mudanças acabam por passar despercebidas, enquanto tudo aquilo que nos é estranho é percebido imediatamente.
Mesmo considerando que a ignorância neste sentido é fruto do próprio costume, o teor das críticas é de um nível muito baixo. Lendo vários comentários em fóruns e sites, o principal argumento contra a utilização de um ator negro para o papel do Tocha é que isso tornará o filme ruim uma vez que no quadrinho ele é branco. Isso é tão raso, tão raso, que chega a ser vergonhoso. Vamos supor que o fato de ele ser branco fosse totalmente imprescindível ao personagem, como por exemplo, se ele tivesse sido um jovem nazista, mas que vive no arrependimento e faz o bem por conta desse arrependimento. Ser branco é uma condição essencial para a história do cara, afinal, não existiam negros na juventude nazista. E mesmo assim, foda-se, poderiam modificar a origem dele para os cinemas da mesma maneira se conseguissem criar algo bom, afinal, é o que os autores fazem a todo momento com estes personagens de muito tempo, os reinventam, pois se não as histórias se esgotariam. O que importa não é respeitar o cânone, e sim criar uma boa história.
A ideia de criar um bom roteiro, de ter bons personagens e conseguir cativar o público sem empobrecer o que é feito deve ser um motivo maior de preocupação do que se ater a detalhes estúpidos que em nada contribuem para a construção do filme. Se os fãs se preocupassem menos em chorar e mais em discutir o que realmente importa, construindo argumentos mais complexos, aposto que que eles seriam pessoas mais saudáveis e mais felizes.
P.S.: Eu sei que vou me contradizer com vários textos meus, porém isto é fruto de uma reflexão mais recente.
Leia mais em: Matérias - HQs, Quarteto Fantástico