Bates Motel (1º temporada)
Prelúdio do filme clássico de 1960, Psicose, feito pelo mestre do suspense Alfred Hitchcock, a trama aqui foca em como Norman Bates (Freddie Highmore) desenvolveu seu lado sombrio e psicótico entre a infância e a adolescência e explica como o amor de sua mãe, Norma (Vera Farmiga), ajudou a moldar um dos mais conhecidos maníacos da história do cinema.
Mais que uma aposta arriscada, a ideia de trazer Norman Bates de volta do limbo e o introduzir ainda adolescente no mundo moderno com uma série pra TV não seria uma tarefa pra qualquer um. Por isso, os produtores Carlton Cuse (Lost) e Kerry Ehrin (Friday Night Lights) tem todo o mérito do mundo. A volta de Norman Bates para os holofotes e para o grande público foi, junto com a estreia de Hannibal, uma das apostas mais arriscadas do ano. Um dos personagens mais marcantes da história do cinema, numa série feita para a televisão e ambientada nos dias de hoje, tudo corroborava para um fracasso retumbante, como foi dito pela Nelly anteriormente. O remake totalmente desnecessário de 1998 feito por Gus van Sant fracassou assim, e nos mostrou que modernizar algumas coias pode dar errado e muito. Mas nesse caso, tudo fez sentido.
A estreia de Norman Bates aconteceu há muito, muito tempo atrás, no filme Psicose (1960), do mestre do suspense Alfred Hitchcock. O psicopata ainda voltou a aterrorizar suas vítimas em outras 3 sequencias (Todas muito aquém do original, mas nem por isso totalmente descartáveis) durante os anos 80. Já em Bates Motel, vemos finalmente Norman (Freddie Highmore) como um adolescente aparentemente inocente, em sua trajetória para se tornar um dos maiores psicopatas do cinema. Só que, em pleno século 21. E num formato diferente do usual, na TV.
Mexer com o legado estabelecido por Hitchcock se mostrou ser altamente arriscado, visto que essa foi a maior razão do fracasso das sequências do filme. Psicose 2, Psicose 3 (Este dirigido pelo próprio interprete original do Norman Bates, Anthony Perkins) e Psicose 4: A Origem, mostraram facetas diferentes do personagem, e principalmente no 4, estereótipos e explicações que infelizmente não funcionaram. O anuncio desta prequel já começou em desvantagem, pois atraiu atenção mais negativa do que positiva do público e da crítica, logo de cara. Mas a equipe de roteiristas aos poucos foi provando que aquilo não só poderia ser uma experiência prazerosa, mas cheia de conteúdo elucidativo sobre o assassino esquizofrênico.
Existem muitas diferenças entre a obra de Hitchcock e este derivado. Primeiramente, por ser uma obra pra TV, poderiamos ter problemas com algumas adaptações pro formato, mas como Hitchock já tinha mostrado antes, obras de suspense tendem a se tornar ainda melhores na telinha que na telona, como pudemos perceber com a série Alfred Hitchcock’s Presents, apresentada pelo próprio (e que inspirou muitas outras séries, como The Outter Limits, The Twilight Zone: Além da Imaginação e Contos da Cripta, entre outras series clássicas). Mas isso, é claro, depende da execução de um bom roteiro previamente escrito. E nesse quesito, Bates Motel se mostra muito bem escrita e executada. Por se passar nos tempos atuais ao invés de tentar ser uma produção de época, temos muitos pontos que poderiam ser abordados de forma diferente do que já tinha sido feito com o personagem.
Por exemplo, em 1960, os métodos de investigação policial e pericial eram muito pouco exatos, deixando mais fácil para aquele Norman sumir com os corpos de suas vítimas. Já hoje em dia, após vermos tantas séries sobre a resolução de crimes e assassinatos sem solução (Vide Arquivo Morto, C.S.I., Criminal Minds e afins), teríamos que ver um comportamento muito mais sábio dos protagonistas ao descartar suas vítimas. Afinal, naquela época era muito mais crível ver Norman se safar tão fácil, pois ele era apenas um dono de motel de beira de estrada, recluso e sozinho. Dentro desse universo, os celulares também podem parecer objetos estranhos, mas fazem sentido como meio de promover a vida social de Norman, até então recluso, ao adentrar no novo colégio. Pois é, ainda tinha esse perigo: Bates Motel poderia se tornar mais uma série sobre adolescentes babacas. Mas sempre há males que vem para o bem, como pôde ser visto aqui.
Por se passar numa época diferente da do filme original, e por contar uma história de origem, a série poderia enveredar por caminhos diferentes daqueles apresentados em seu início. E foi exatamente isso que aconteceu. Vemos muitos detalhes sobre a cidade (White Pine Bay) para onde Norma Bates (Vera Farmiga) leva seu amado filho Norman, após a suspeita morte de seu marido, pai do Norman. Muitos personagens, muitos clichês, muitas situações e muitos mistérios. Vemos finalmente a relação possessiva de mãe e filho. E mais ainda, vemos que não somente Norman já era maluco desde sempre, como também tinha seu estado mental agravado pelo comportamento de sua mãe. Freddie Highmore tem uma atuação irrepreensível como Norman, copiando meticulosamente os trejeitos de Anthony Perkins (Melhor que isso: O garoto também é idêntico a Perkins!), mas o destaque aqui fica todo com Vera Farmiga. Talvez por ter um caminho mais inexplorado que Norman, o desenvolvimento da sua personagem se dá de uma maneira tal que praticamente carrega o seriado, conduzindo todos os acontecimentos e nos dominando enquanto telespectadores por completo. Uma personagem que todos nós amaremos odiar.
Outro destaque é a adição de um novo personagem: Dylan (Max Thieriot), o meio-irmão de Norman. Filho de um casamento anterior de Norma, o garoto a odeia, e justamente por causa disso, é o completo oposto de Norman. Independente, astuto, observador e um desafeto da própria mãe, o personagem acabou sendo a causa de muito mimimi na internet antes da série ser lançada, mas se mostra uma aquisição perfeita ao desenrolar da trama, servindo para os espectadores entenderem melhor a relação doentia entre Norma e seu filho Norman. E funcionando como alguém colocado ali estrategicamente pra entendermos como uma pessoa próxima daquilo tudo veria todo o desenrolar externamente, de fora, mais ou menos como nós vemos. Quase como o personagem principal de Janela Indiscreta, um mero espectador dentro da história. A única pessoa normal no seriado inteiro. E mesmo assim, um tremendo filho da puta.
O desenrolar dos episódios funciona perfeitamente. A série começa com tudo, envolvente e violenta, sem pudores. E segue mantendo seu suspense até o último episódio, sem situações clichês que serviriam apenas para encher linguiça, coisa comum em outros seriados. Cada acontecimento tem uma justificativa e um desenrolar. Situações interessantes e inusitadas, onde imaginamos que não haveria saída de alguma situação, mas logo em seguida somos mostrados a uma solução imediatamente tão inventiva quanto. Apenas no último episódio isso não acontece. Não precisa enlouquecer o espectador de curiosidade, mas também não era pra acabar com toda a essa curiosidade daquela forma.
No mais, tivemos homicídios, estupros, tráfico de mulheres, problemas mentais, execuções, subornos, ameaças, máfia, taxidermia, bipolaridade e uma enorme plantação de maconha. É realmente muita coisa pra apenas 10 episódios. Ganchos suficientemente garantidos para a segunda temporada (Já confirmada). Espero que continue assim, sem enrolações, para que possamos continuar descobrindo como Norman Bates se tornou aquele psicopata, seus temores, suas influências e sua motivação. Tomara que tudo possa se encaixar perfeitamente no final da última temporada desta série, quando este quebra-cabeça finalmente for completado e pudermos ver Norma empalhada no porão…
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