O que eu queria ver nos quadrinhos de zumbi

HQs sexta-feira, 25 de julho de 2014

Já tem uns anos desde a invasão zumbi never forget: TV, cinema, jogos, livros, brinquedos, propagandas, enfim, zumbis foram os novos vampiros, mas claro, tudo chega à um fim. Não que os zumbis tenham morrido Ai. Meu. Deus, mas o exagero, felizmente, passou, para todos nós. Só que o fim da febre não significa que a coisa mudou, muito menos que mudou pra melhor, então vamo lá.

 Ó o racismo…

Porque quadrinhos

Sim, os zumbis tomaram todas as mídias possíveis, mas a parada aqui são os quadrinhos. Primeiro de tudo: Por que não o cinema? Os zumbis, ou o padrão de zumbis que temos atualmente, começou no cinema. Todo mundo já sabe a história, começando com White Zombie [Nota do editor: O filme, não a banda] ó o racismo de novo, indo pro George Romero e chegando até o Rob, mas um filme é curto e precisa de ação pra ser legal, é uma obra fechada, que demora a ser feita e lançada, além de ter as limitações inerentes à mídia. Por motivos que vocês já vão entender, o cinema tá fora da jogada.

O mais próximo do cinema seriam as séries, que tem ao seu favor a rapidez de produção e maleabilidade pra alterar a história, mas série é uma bagunça e sofre mais com pressão externa à produção do filme que o cinema. Além disso, sofreria o mesmo problema do cinema: Seria chato, pela falta de ação zumbística. E, sejamos sinceros, o maior exemplo de série sobre zumbis que temos é uma merda. Beijo, Jo.

Audiodrama? Eca. Temos então os jogos, que como já nos foi mostrado várias vezes, é uma mídia foda pra tudo relacionado à zumbis: Os próprios jogos de The Walking Dead, Resident Evil, Plants vs. Zombies, Dead Island, Dead Space, Left 4 Dead… O que falta de criatividade pros títulos sobra na hora de criar tipos de zumbis que, na real, não são zumbis mesmo. Mas a questão é que eu quero ver uma história de zumbis, e não fazer parte de uma: Zumbis funcionam nos videogames, mas os videogames não funcionam pro que eu quero agora.

Finalmente temos os livros. Os livros tem o mesmo problema de demora de produção do cinema, mesmo sendo muito mais maleável em relação aos temas, à história e na liberdade de criação. Mesmo que fosse uma série de livros, ainda seriam obras fechadas, sem a liberdade do tempo: Em outras palavras, por melhor que um livro seja, por mais abrangente que ele seja, como obra e na história, ainda é um trabalho fechado, e a continuação só sai daqui a vários meses, no mínimo. Além, é claro, da falta do elemento visual. Sim, um livro pode ter ilustrações, mas não é a mesma coisa.

Então, por que os quadrinhos? Porque uma série pode durar vários e vários anos sem se tornar muito cansativa e repetitiva. Por ser mais rápido de fazer, seja mensalmente ou até mesmo quinzenalmente, os quadrinhos podem acompanhar em detalhes o que está acontecendo no mundo real e usar isso à seu favor, independente de quando a história se passa, seja passado, presente ou futuro. O quadrinho alia o visual ao texto escrito: Pode não ser o ápice dos dois, mas é a melhor média. E apesar da polivalência (Ó, que bonito) como mídia, o quadrinho te conta uma história ao invés de te fazer parte dela. O quadrinho perde pela falta de som e movimento? Sim, mas se a sua imaginação não tem que trabalhar um pouco, nem valeria à pena ler.

História rápida, pra quem é burro

The Walking Dead é o maior exemplo dos últimos anos, mas está longe de ser o único (Desencavar post é isso aí): Eu, Zumbi; Night of the Living Dead (Sim, A Noite dos Mortos-Vivos, em quadrinho, baseado no filme) e Fanboys vs. Zombies são algumas delas. Já teve zumbi vs. robô, alienígena, Jesus (Sim, isso mesmo, Jesus), líderes de torcida, caubóis e até contra os Transformers. A Marvel tem sua cota de zumbis e a DC também, e ambas estouraram os limites, é claro. Enfim, tem coisa de zumbi pra caralho, e isso que eu nem mesmo fui checar os mangás e demais japonices.

Padrões

 E nunca duvide do cinema trash também, até porque tem DOIS FILMES DIFERENTES de strippers vs. zumbis.

Então, como é uma história de zumbi normal: Dá uma merda qualquer, que muitas vezes fica completamente sem explicação, e os zumbis vão se espalhando. Por algum motivo, o governo e as forças armadas não podem fazer nada, o que obriga cada um a se virar o melhor que puder, o que significa que em pouquíssimo tempo o número de zumbis ultrapassa em muito o de humanos. Ou de humanos vivos, tanto faz.

A porra toda vira um caos sem fim: Por algum motivo todos os envolvidos em histórias de desastre acham melhor pegar o carro e entupir as estradas indo para ALGUM LUGAR ao invés de simplesmente se trancar em casa [Nota do editor: Tipo feriadão em São Paulo]; de uma hora pra outra todos os bilhões investidos em produção de energia e combustível se tornam completamente inúteis; e, claro, de maneira um tanto maniqueísta, as pessoas se dividem entre os que querem sobreviver apesar dos zumbis e os que querem sobreviver acabando com os zumbis… E reduzindo o número de possíveis zumbis.

Mas o tópico não é a conveniência de roteiro, é o estereótipo de história de zumbi: O problema é a fórmula. E, como sempre, eu queria ver algo diferente. Isso aqui não é um manual e muito menos uma enumeração de problemas, são só coisas que eu queria ver, queria ler, mesmo que não fossem o ponto principal da história. “Um jeito diferente de encarar a situação”, se quiserem: O objetivo é a conquista é quebrar a fórmula e ter algo que se destaque, mantendo os elementos clássicos, mas sem o lenga lenga que todos já sabemos. Sem mais enrolações, à elas:

A queda dos zumbis e a reestruturação da sociedade

Vou começar com a que é, pra mim, a principal. É o seguinte: Todos já sabemos que a merda acontece e que outras merdas acontecem por causa da merda principal, mas, cedo ou tarde, tudo chega à um fim. Sim, até mesmo os mortos. Quero dizer, os seres humanos já derrotaram deuses, asteroides, alienígenas, desastres naturais, desastres sobrenaturais, super vilões, seres de outras dimensões e mais um monte de outros problemas graves. Zumbis são um problema? Claro, mas depois de tudo que já passamos, nós conseguiremos sobreviver à versões mais mal cheirosas de nós mesmos.

A verdade é que, numa história, alguém ou algum grupo reduzido de pessoas sobreviveria, e não dá pra viver o a vida inteira do mesmo jeito. Tudo bem que não dá mais pra ir nadar na represa com a família, mas essa de sobreviventes do apocalipse é insustentável: O ser vai estabelecer uma sociedade para poder sobreviver, e por pior que a nossa sociedade real seja, ela funciona. Mesmo que seja o mínimo necessário. Eu cansei de essas de “não dá pra ficar com essa gente aí porque eles matam inocentes, estupram os novatos e derrubam árvores”. Não dá pra ter uma sociedade assim por muito tempo, e muito menos ter várias sociedades nos mesmos moldes.

O choro é livre.

Digamos, por exemplo, que todos os zumbis foram exterminados. Todos eles. O problema foi contido e eliminado, não há nenhum maluco que acha que pode reverter a situação dos zumbis e nem gente que os usa como cães de guarda: Os zumbis acabaram, simples assim. Como uma sociedade que passa pelo fatídico apocalipse e, incrivelmente, sobrevive, se estrutura depois? Como as pessoas encaram voltar pra suas vidas “normais” depois de tudo que passou? Como se reconstrói o mundo, coloca as usinas de energia de volta à ativa, prepara eleições, cria empresas, abrem negócios? Como se resolve a questão de que 90% do planeta foi exterminado e que uma quantidade gigantesca de informação, tecnologia, conhecimento e habilidade foi perdida para sempre? E os problemas do mundo em si? Como ficaram as minas de extração, as florestas, os animais e todo o resto? Ou ainda, alternativamente, seguindo a linha de TWD: Os zumbis foram mortos e contidos, mas sempre que alguém morrer, este vira um zumbi. Como impedir que a coisa toda recomece? Como garantir que cada um, incluindo você, não será uma ameaça para os outros?

Eu sei como um desastre acontece. Todos nós sabemos como um monte de desastres diferentes acontecem, mas é simplesmente impossível viver no mesmo estado para sempre: Uma sociedade vai ter de ser estruturada para garantir que as pessoas sobrevivam, uma sociedade que, de fato, seja funcional e que possa, no limite do possível, garantir que todos os sobreviventes tenham uma “boa” vida. Acontece que falar é muito mais fácil do que fazer. Este aqui é o problema a que me referia no começo do texto, ao falar que ficaria chato um filme ou série do tipo: Como fazer uma história de zumbi na qual não há nenhum (Ou muito muito poucos) zumbi? Claro que vai ter ação, mas vai ser ação entre as pessoas, a velha questão moral, pessoas que já tiveram problemas entre si durante a “era dos zumbis” tendo de conviver, quais os traumas que as experiências passadas tiveram nas pessoas… Um filme de zumbis sem zumbis que, pra piorar, é um drama. E isso é algo que o quadrinho consegue lidar.

O quadrinho seria provavelmente a melhor mídia para lidar com esta grande e única questão: Como ter paz após o apocalipse?

A descoberta da origem dos zumbis

Entrando em terrenos perigosos agora porque é assim que eu rolo porque esta é uma velha briga quando se trata de catástrofes, desastres, apocalipse e qualquer coisa minimamente ligada à ficção científica: Explicar ou não explicar a origem da porra toda, eis a questão. A galera aqui se divide entre os que querem porque querem saber o que aconteceu e os que não ligam pra porra nenhuma, já que “o importante é o que vem depois”, e claro, ambos estão errados. Os extremos sempre estão errados. Essa é a regra: Quando tem milhares de zumbis vinte metros atrás de você, todos babando de vontade de chupar seus intestinos pelo cu e palitar os dentes com seus ossos, FODA-SE COMO ISSO ACONTECEU, mas se a galera tá de boa, sem muita coisa pra fazer, já tem comida, abrigo, munição e os caralhos, por que não ir procurar? Sério, ver a fuça das mesmas pessoas o dia todo enche o saco, então separa uns três ou quatro aí e vai procurar o bagulho. Se eles não voltarem no final do dia, é só zumbis a mais pra você matar.

E depois, a origem não precisa ser explicada no começo da história e nem usada como um momento de tensão que vai, com certeza, se provar errada e frustrar os personagens e os leitores. Coisas importantes não precisam ser grandiosas, e muito menos recursos idiotas pra alongar a obra ou qualquer coisa assim. Mas é bom saber que parte da sua vida não foi gasta com algo sem explicação alguma: Da vida basta a vida, cê não precisa de mais nada jogando coisas à torto e à direito na tua fuça. E se pra gente, no mundo real, é assim, imagina pra quem perdeu tudo pros zumbis.

Zumbis haitianos

Sabe quando falam da África como se fosse um grande país que, por algum motivo incompreendido e perdido no distante século 17, é impossível que todos os os africanos deem as mãos uns para os outros e sejam melhores amigos pra sempre? Então, é exatamente o que estou fazendo aqui: O negócio todo de zumbi tem origem no vudu (Ou qualquer outra variação do nome), que por sua vez tem origem na África Ocidental, ou seja, Benin (Sim, isso existe), Cabo Verde, Gana, Porto Rico [Nota do editor: Porto Rico é no Caribe, sua mula], Togo, Congo, Angola, Nigéria e mais uns outros aí. Com a colonização, o comércio, o tráfico de escravos e demais detalhes na história do mundo, o vudu se espalhou pro resto do mundo, principalmente na América Central. Acredite você ou não em poderes sobrenaturais, há toda uma questão do “zumbi de verdade”. Pode parecer hipster, mas não é: Há métodos comprovados de tornar pessoas em escravos sem vontade própria, através da ciência, e transformar alguém em zumbi através do vudu seria uma delas.

Esse tipo de zumbi não é o clássico, que mete bico no próprio caixão, sai mancando pra fora do cemitério e dá rolê com o Michael Jackson (E que também tá em falta), mas sim é mais próximo de alguém dopado, hipnotizado e que passou por lavagem cerebral (Sim, isso também existe de verdade, por mais tosco que soe): O zumbi “haitiano” está, para todos os efeitos, vivo, mas não é mais a pessoa que era. Tem pesquisas e mais pesquisas, além de milhões de debates, mas a opinião mais comum é que usa-se rituais, poções, técnicas de tortura, drogas e mais umas vidalokagens pra fazer o troço funcionar, e “se não funcionou é porque alguém fez algo errado”. A foto aí em cima é (Supostamente) de Felicia Felix-Mentor, um dos poucos casos “reais” relatados.

 E tem mais essa ainda.

Então é isso o que eu queria ter: Um zumbi mais próximo do que temos na vida real. Já tivemos os zumbis lentos e burros, os zumbis rápidos e burros, os zumbis inteligentes, os zumbis que amam, os zumbis que deixam de ser zumbis e voltam a ser gente… Eu quero um zumbi que eu possa encontrar na rua, pra correr de volta pra casa, queimar os quadrinhos todos e preparar uma barricada pra merda que vai dar. Nego vive se vangloriando de fazer uma obra realista e os caralhos, e quando você vê tá lá a Rihanna fazendo música sobre a porra toda.

A real é que seria um tipo totalmente diferente de obra, afinal, os zumbis ainda são seres humanos, ainda estão vivos, não comem gente, não matam gente, não transformam outras pessoas em zumbis… Parece até história de tower defense: O necromancer malvado tem milhões de lacaios ao seu dispor para aterrorizar os que conseguiram escapar. Dá não só pra jogar com a questão de meter bala em quem, até onde se pode chegar, “não tem nada de errado”, bem como com o lado de quem cria e/ou controla esses zumbis, quais os objetivos, quais os motivos, como uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas conseguiu transformar o mundo em um monte de burros de carga sem consciência. As possibilidades existem, mas, claro seria completamente diferente, e até agora não vi ninguém abraçá-las… Talvez seja falta de miolos.

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