Anônima Intimidade (Michel Temer)

Livros terça-feira, 24 de maio de 2016

Mari já me esperava na mesa mais ao fundo do Sofá Café, uma das cafeterias mais aconchegantes de Copacabana. Cheguei pontualmente, mas lá estava ela, passeando o olhar pelo recinto. Não gosta de barulho, nem de incômodo. Para ela, bater papo é quase um ritual. Ainda que as conversas sejam diárias, sempre temos algo a dizer uma para a outra.

Depois do contumaz abraço apertado, Mari me entrega um pacote feito em casa, daqueles mal embrulhados, feitos pra rasgar. Ela definitivamente conhece minhas limitações. As bochechas vermelhas e o sorriso envolto pelo chantilly do horroroso Irish Coffee vendido no estabelecimento não mentem: Ela estava me pregando uma de suas peças. Ficamos amigas, justamente, por causa do senso de humor ácido que dividimos, além da paixão pela literatura. Rasgo o papel, meio molhado pelo pingo das chuvas e, sem qualquer aviso, Anônima Intimidade, de Michel Temer, estapeia minha cara e soca meus olhos. Uma gargalhada. Duas gargalhadas, daquelas imparáveis, com um vai tomar no cu no meio, desbocada que sou. Recuperando o fôlego, ela justifica: vi sua postagem no Facebook e não resisti.

Logo eu que nem acredito em signo, tampouco no destino…

Cheguei em casa um pouco alta do Irish Coffee – melhor assim – e abri as páginas de Anônima Intimidade. A primeira coisa que se nota é que o nome é uma bosta. Quase uma versão poetizada do Ego, misturando um pouco de Fabiola Repiert e uma pitada de Leo Dias. Fechei o livro e fui dar uma pesquisada no Google sobre como o político de 75 anos foi do Direito Constitucional às rimas. Não me empenhei muito, mas parece que Temer rabiscou as poesias em guardanapos de papel nas idas e vindas de Brasilia à São Paulo. Meio eu escrevendo pro Bacon entre releases, redação de matérias, negociação de pautas e edição de vídeos. Mario Quintana ficaria orgulhoso. De mim e dele.

Em sua intimidade, aberta ao público pela bagatela de 30 reais, no mínimo, Temer se mostra um homem sensível ao amor e aos conflitos existenciais. Ano passado, quando sua carta destinada à presidente Dilma Rousseff “vazou”, esse traço da personalidade do então vice-presidente virou piada. Toda sua angústia pela perda de protagonismo, se considerando decorativo, veio à tona, com o anônimo devassado nas páginas de jornais.

Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.

– Michel Temer

Temer também é afeito a obras de ficção

Tomei coragem e li, em um único dia, de cabo a rabo, seus poemas. O grande trunfo é ser muito ruim. E é, também, seu maior problema. Quem me conhece sabe que eu tenho um gosto especial pelo trash, praticamente um fascínio. Convivendo comigo por mais de seis meses, qualquer amigo já assistiu The Room (O Citizen Kane dos filmes ruins), Manos – The Hands of Fate e passou vergonha no karaokê. Anônima Intimidade ocupa, agora, um lugarzinho bastante especial nesse hall da fama. Parece que Temer, ao invés de guardanapos, usou o bom e velho Gerador de Lero-Lero e fez valer sua influência para alavancar a publicação. Porque são, literalmente, palavras jogadas no papel de forma displicente e que despertam o total de zero sentimentos no leitor. Eu não fiquei curiosa, instigada, emocionada. Nada. Esbocei alguns sorrisos, mas não de satisfação. Passei meus olhos por inúmeras palavras que nada diziam e continuei a mesma pessoa, antes e depois. Não há nada de memorável ou digno de nota. Talvez algumas indiretas mas, até ai, aos 13 anos eu fazia bem melhor.

O fato de ser péssimo me divertiu, mas potencializou todos os juízos de valor e problematizações. Começando por sua musa inspiradora, Marcela Temer, mais de quarenta fucking anos mais jovem que ele. Tinha apenas 19 quando começaram a namorar. Uma menina. Nada tenho a ver com isso, mas está fora do meu controle ignorar. É bem verdade que eu não analiso a obra pré e pós drogas e álcool de Stephen King. Eu não ouço Led Zeppelin pensando que Jimmy Page teve uma relação com uma criança de 14 anos no auge de sua carreira e a mantinha em cárcere privado. Nem raciocino sobre o quão babaca John Lennon foi como pai para seu primogênito Julian. Pode parecer hipócrita, mas não é. Se Temer fosse bom de poesias, não pensaria em Marcela, em Brasília, nos rumos da política brasileira, na carta para Dilma, em memes, na série da academia, em como gostaria de tomar um Flat White – e não um Irish Coffee — no Starbucks. Porque, quando algo é bom, você abstrai a realidade e se entrega. Separa o artista da pessoa. A obra do caráter. Mesmo não admirando a personalidade, reconhece o talento. Mas Anônima Intimidade é bem raso, adolescente, lugar comum. Poderia ser uma página no Medium, por exemplo, para exercitar o escrever do, agora, Presidente. Eu não saio lançando livros por aí só porque eu tenho angústias, conflitos e rabisco um ou outro poema, uma ou outra carta para destinatários ocultos, enquanto faço grandes esforços para não prestar atenção às aulas e focar no meu processo criativo. Inclusive tenho postado infinitos nadas, porque até para uma página na internet é preciso discernir entre o bom e o ruim, passar uma peneira e ter vergonha na cara.

Sério, olha o que o cidadão escreve:

 Fonte: O Globo

Em meio a poesias de duas linhas e rimas mal acabadas, só consigo pensar que, como figura decorativa, fazia um ótimo trabalho. Espero que ele seja melhor governando do que como poeta isso para não falar que ele é Mestre e Doutor em backstabbing, porque não quero ser presa. Sugeriria também que sumissem com canetas e guardanapos do avião presidencial, para o bem da manutenção da literatura brasileira. Como o próprio confessa em Exposição: Escrever é expor-se/Revelar sua capacidade/Ou incapacidade/E sua intimidade. No caso, é só incapacidade mesmo. Então, por favor, nos poupe das rimas e cartas. Voltar ao Direito Constitucional e dar uma reciclada nos conhecimentos é uma dicona, assim, de amiga.

Mari achou graça das minhas opiniões e sugeriu, no próximo café, me presentear com SCUM Manifesto, da feminista radical Valerie Solanas – famosa por tentar assassinar Andy Warhol – onde sugere a eliminação do sexo masculino para a manutenção da ordem social. Não sou misândrica, nem nada, mas até que harmoniza bem. Se organizar direitinho, dá pra todo mundo transar.

Anônima Intimidade


Ano de Edição: 2013
Autor: Michel Temer
Número de Páginas: 168
Editora: TopBooks

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