Ter um monte de porcaria é incrível e você deveria ficar feliz
Então, vamos falar de umas coisas meio chatas, pra variar um pouco: Já reparou como hoje é muito mais fácil fazer praticamente qualquer coisa? Quer dizer, até pra cagar cê pode usar remédios, ferramentas e papel higiênico de folha quádrupla (Com cheirinho de lavanda)! Essa facilidade é uma decorrência da evolução tecnológica, que se intensificou com a revolução industrial, e não dá sinais de estar cansada: “Antigamente” é a puta que vos pariu.
Estou longe de negar minha veia hipsterística aqui, mas há de se admitir que, vez ou outra, cê tem que olhar pro passado e agradecer por não ter vivido em qualquer outra época. Se você ainda tá naquela fase Orkut da vida nem perca seu tempo: O xis vermelho alí em cima foi feito pra você. Pro resto, a parada hoje é a seguinte: A vida nunca foi mais fácil. Não quer dizer que não seja difícil, mas se você considerar que, há cinquenta anos praticamente não existiam computadores, há duzentos não existiam carros e há mil não existia sequer uma Pringles, hoje é o máximo.
E tendo em mente que hoje é tudo muito mais fácil graças à fatídica globalização, fica muito fácil afirmar que antigamente as coisas só iam pra frente quando tinham muita ajuda: A não ser que tivesse muita gente envolvida ou muito dinheiro ou ainda muita persistência, sequer havia motivo pra fazer algo além de ter 18 filhos e uma charrete. O problema é que essa galerinha do “antigamente é muito melhor” passa em cima das paradas como se fosse um rolo compressor: Como já diria o poeta, toda generalização é burra.
A falácia de que a facilidade de produção leva à um produto ruim é simplesmente isso: Uma mentira. Pelo menos no que se trata da produção artística. Claro que o processo de fabricação de, digamos, uma engrenagem de um relógio importa: Qualidade do material, precisão do maquinário, treinamento dos funcionários, controle de qualidade. Uma peça é um objeto físico, “real”, que precisa executar sua função de forma correta para que o produto final não tenha um problema sequer. Acontece que com um livro, um filme, um jogo não é assim.
Quando se trata de uma obra, seja ela literária, cinematografia, fotográfica ou qualquer outra coisa, o que importa, acima de tudo, é o conteúdo. É por isso que na hora de comprar um livro, por exemplo, você, tendo opção entre várias edições de diversas editoras, escolhe aquela que tem o texto integral, com a melhor tradução, que tenha um bom projeto de diagramação, num papel de qualidade (Que não irá rasgar, por exemplo). É claro que a capa importa, que a gramatura do papel importa, mas, no fim das contas, pode ter o papel mais chique do mundo e a mais incrível capa já feita, se o conteúdo for ruim (Tradução ruim, letras muito pequenas, texto editado, etc.) o livro é ruim.
O que importa numa obra é sua mensagem, logo, o objeto físico que carrega esta mensagem é secundário. E isso se intensifica se considerarmos que o digital chegou pra ficar. De novo, é claro que o físico é relevante: Quem não gosta de um livro visualmente bonito ou um bom encarte num CD? Mas entre o feio que entrega o que eu quero e o bonito que me dá tudo mastigado, simplesmente não há escolha.
Então, essa história de “antigamente era muito melhor”, tratando-se de conteúdo, não rola. O papel de hoje é melhor, a arte de capa hoje é melhor, o plástico, a tinta, tudo isso, hoje, é muito melhor. E isso é ótimo.
É ótimo porque significa que é mais fácil ter acesso à materiais de qualidade por preços menores; significa que, com menos recursos, qualquer um pode publicar um livro, dirigir um filme ou desenhar uma HQ. A facilidade de produção do material físico significa apenas isso: É mais fácil ter um objeto. E o objeto não significa nada perto do conteúdo. Há muito mais livros sendo escritos agora que há trinta anos? Claro que sim. E muito mais sendo publicados e impressos todo dia. Isso significa que ficou mais fácil publicar um livro? Claro. Que ficou mais fácil escrever um livro? Nem um pouco. Isso pra não falar da concorrência por espaço no mercado e tempo dos leitores.
Sabe o que mais? Eu gosto de livros bonitos. De páginas com cores mais brandas, que não cansam os olhos, de papéis frescos, de lombadas de séries que formam um grande mural. Mas gosto mais de bons conteúdos. E não é a facilidade de imprimir bilhões de palavras por segundo em impressoras de última geração que muda isso. Aliás, eu ganho com isso: Eu, leitor. Tenho a oportunidade de ler um material incrível sem ter que carregar uma pedra de vinte quilos esculpida com runas por aí.
Tem mais porcaria nas bibliotecas e livrarias? Tem sim, mas e daí? Porcaria sempre teve, sempre vai ter, e mesmo que a quantidade total seja, hoje, muito maior do que jamais foi, eu não ligo. Porque a menos que você for fazer um gráfico no Excel sobre a “média da qualidade literária em relação ao número total de publicações no primeiro trimestre”, nada disso importa: O bom material não só existe como também existe em maior quantidade do que jamais existiu, e ainda vem com um marcador de páginas bacanudo pra acompanhar.
Pode parecer estranho eu falar isso, mas para de reclamar, véi. Vira e mexe sou obrigado a concordar com a minha vó: Melhor pecar pelo excesso que pela falta. Melhor dar oportunidade pra gente demais que perder por não dar oportunidade pra quem merecia. E se esse excesso significar um monte de livros com capas fodas pra caralho e o conteúdo de um calendário de mesa, por mim tudo bem. A produção cultural continua na mesma, ou melhor, continua evoluindo, o que mudou foi a facilidade de passá-la pro papel, e isso a gente pode se dar ao luxo de gastar à vontade. É só plantar mais árvores.
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