Black Mirror pode escrever o futuro

Televisão quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Não há herois em Black Mirror. A série em formato de antologia é a mais nova querida do público (Até porque Game of Thrones está em hiato), tendo estreado em 2011 no Channel 4 da TV britânica e ressuscitada pela Netflix este ano para sua terceira temporada e ano que vem para a quarta (Ainda sem data). Black Mirror é sobre a relação do ser humano com a tecnologia, e como a tecnologia vêm ajudando a moldar o mundo em que vivemos… Ou melhor, Black Mirror é sobre como a tecnologia está ajudando a moldar nosso futuro, e como estamos ansiosos para que o futuro chegue logo.

Vou dizer de bate pronto porque fica mais fácil: Black Mirror é muito bom. A Nelly gostou, o Pizurk gostou da parte que já viu, o Jo gostou e foi quem me incentivou a assistir. Black Mirror é muito bom mesmo, e se você ainda não assistiu, vá assistir. De preferência sem ler o texto do Jo sobre a série, muito menos este aqui.

As duas primeiras temporadas da série contam com três episódios cada, e a terceira e a quarta contam/contarão com seis cada. Black Mirror se passa no futuro, mas não espere inteligência artificial genuína e nem uma Terra pós-apocalíptica: A série passeia entre “daqui uns anos” e “no futuro”, com tecnologias que vão desde as nossas redes sociais de hoje em dia até auguments que não devem ser uma realidade pelas próximas cinco décadas.

Entre debates em relação à moral humana, a série nos mostra diversas possibilidades de futuro: Crimes, fugas da realidade, sociedade do consumo, quebra de privacidade, guerras, politicagens, bioengenharia. Episódio após episódio o que se tem na sua tela é uma amostra nada otimista de como o ser humano passaria a usar a tecnologia para tentar controlar todas as facetas da vida em sociedade e, claro, falhando nisto. Não assisti Westworld, mas conheço Jurassic Park muito bem: O debate que Black Mirror gera não é, em absoluto, novo. É um debate de 70 anos, que nos últimos cinco ganhou a forma que tem hoje, com smartphones e vigilância velada da população, tanto pelo governo quanto por terroristas e justiceiros.

Porém, como dito no começo, não há herois em Black Mirror. Não há heroismo, atos de coragem, virtudes. Aliás a série na verdade não se preocupa nem um pouco com o drama humano: Black Mirror é sobre como seu computador pode destruir sua vida, não sobre a sua vida destruída pelo seu computador. A série abstrai quase que totalmente o ser humano, e esse muito provavelmente é um dos grandes pontos da mesma: Seus dados são relevantes, você serve para gerá-los.

Black Mirror é muito boa, e você deve assisti-la. Ela te fará pensar sobre tecnologia, sobre nossa sociedade, sobre a cultura do espetáculo, sobre a produção midiática e sobre limites num mundo em que o que antes era impossível agora não só pode ser feito, mas pode ser feito com tamanha eficiência que assusta. Não há nada como Black Mirror na TV, e é incrível que seja onde a série tenha surgido; a Netflix está na internet, e a internet é completamente diferente da TV: O que melhor para uma série sobre os perigos da tecnologia que estar disponível no mundo todo, quase instantaneamente, numa plataforma que é a encarnação do comportamento humano em placas de circuito e resistores?

Não é por nada disso que você deveria assistir Black Mirror. Isso tudo é velho, principalmente para os padrões atuais.

O que me fez gostar de Black Mirror, acima de qualquer outra coisa, foi a série me fazer de idiota uma vez após a outra. Eu antecipava uma fala, uma cena, um gesto, uma escolha dos personagens, e nada disso acontecia. Eu antecipava um plot twist e ele não estava lá. A série me fez de idiota até mesmo ao continuar me mostrando o que já estava me mostrando. Black Mirror é boa porque é boa televisão.

Não que os temas abordados não sejam bons, pelo contrário, mas não é o quê, eu conheço o quê, de livros e fóruns, de telejornais a videogames, o quê, se você gosta de tecnologia, você já conhece. Black Mirror é bem escrita, bem dirigida, bem editada. Acima de ter bons diálogos, a série sabe como contar uma história: Como introduzir um novo personagem, como enquadrar uma cena, como fazer a trilha sonora, como te mostrar, episódio após episódio, que a televisão pode sim fazer programação de qualidade, com temas relevantes e com acurácia técnica e criativa para conseguir exatamente o que quer, seja empatia por um personagem seja medo por ver em você mesmo, o tipo de comportamento que, na história, leva à desastres inevitáveis. Black Mirror é extremamente competente em ser uma série de TV, com a competência que nós, seres humanos, normalmente só temos em bons momentos: Black Mirror é o robô que tira empregos de seres humanos.

Como o Jo diz, Black Mirror é boa porque nos faz refletir sobre a vida que levamos, e para isso mostra diversas possibilidades de como ela será se não mudarmos seu curso. E apesar de a série não ter finais felizes, em momento algum diz “mudem”. Nem “parem”. Eis um gimmick: Black Mirror é um reflexo, nada mais nada menos.

Enquanto as duas primeiras temporadas são tudo isto, a terceira perde o meu ponto principal: Imprevisibilidade. O que, nas duas primeiras errei (E fiquei feliz por errar), na terceira acertei. Black Mirror ainda é muito, muito boa, mas não é mais boa televisão. A internet é, sem sombra de dúvidas, a plataforma ideal para a série, mas não sei se a Netflix é a… Emissora ideal. Talvez seja coincidência, talvez seja de propósito. Só sei que o desapontamento de estar certo é, para os padrões que Black Mirror estipulou para si mesma, um problema sério.

Black Mirror é interessante por seu formato em antologia e por, ainda assim, se passar toda no mesmo mundo (Ainda que em tempos diferentes), do mesmo modo que é interessante por fazer seu público se questionar sobre os deveres do ser humano para com suas criações, e, finalmente, por saber que a proximidade, o reconhecível, é indispensável tanto para atrair quanto para repelir o público. Black Mirror sabe ser mais do que foi nesta terceira temporada, e se souber disso, a quarta será tudo que que se pode esperar da boa televisão.

Com Black Mirror, a Netflix tem a chance de fazer streaming de qualidade, com temas relevantes e acurácia técnica e criativa para provar que a TV é coisa do passado. Por enquanto a TV ainda é a sua melhor opção.

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