Retrospectiva : O que teve de bom na TV em 2016

Televisão sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O ano está acabando e eu duvido que tenha tempo de conferir mais coisas novas nessas próximas semanas que antecedem a virada para 2017. [Nota do editor: Esse texto foi escrito em meados de novembro.] Acho que já dá pra ter um panorama sobre o que a TV ofereceu de bom e ruim em termos de entretenimento. Como sou uma pessoa positivona, vou focar no que foi bom, porque não quero trazer mais bad vibes falando da segunda temporada de Pânico ou de Slasher, série canadense que se inspirou de leve em Seven, mas saiu toda cagada. Se não for pra falar de coisa boa, nem quero.

11.22.63

Sem dúvida as minisséries foram o ponto alto do ano. Diretas e sem barrigas, prenderam o público contando boas histórias em ótimas produções. 11.22.63, baseada no livro homônimo de Stephen King, foi uma surpresa gostosa logo no início de 2016. Para mim, porque dividiu tanto opiniões que teve gente que me viu elogiando no Facebook e fez o que? Isso mesmo, me deletou, porque somos todos muito adultos. E eu não sou nem Bolsonete.

A história gira em torno de Jake Epping (James Franco), um professor de inglês que atravessa um divórcio doloroso e a indiferença dos alunos. Um dia, ao conversar com seu amigo e dono da lanchonete mais barata da cidade, Al Templeton (Chris Cooper), descobre que o cara tem na despensa um portal para o passado e é designada a ele a missão de salvar JFK do assassinato que chocou os Estados Unidos na década de 60.

O que incomodou aos fãs puristas de King foram as mudanças, absolutamente necessárias, que a história original sofreu. Condensar mais de 800 páginas em oito episódios é uma tarefa muito complicada e a linguagem do livro não funcionaria em formato de seriado. Por isso, dois anos de estadia no passado foram extirpados do roteiro, assim como o número de viagens do passado para o presente que o protagonista fez. Criaram, exclusivamente para a série, um personagem fundamental para tornar a jornada mais interessante para o espectador. Decisão inteligente, afinal James Franco como lobo solitário não segura nem essa barra que é gostar de você. Imagina uma trama inteira. Mesmo com tantos ajustes, o espírito da coisa não mudou e os fatos mais importantes se mantiveram inalterados. Uma adaptação não é pra jogar na tela a história como era “ipsis litteris“. É para adaptar. E foi isso que Bridget Carpenter fez, muito bem por sinal.

O elenco também se destacou pela qualidade. Apesar de estar sempre com cara de choro, provavelmente foi a melhor atuação de James Franco so far. T.R Knight, que saiu de Grey’s Anatomy para assumir a persona do marido obsessivo de Sadie (Sarah Gadon) e Daniel Webber, que encarnou Lee Harvey Oswald roubaram a cena e mereciam concorrer ao Emmy na categoria de coadjuvantes.

The Night Of

Outra ótima produção, claro, da HBO, foi The Night Of, baseada em Criminal Justice da BBC. Também com oito episódios, estreou em julho e contou com John Turturro e Riz Ahmed nos papeis principais.

Nasir Khan (Riz Ahmed) é um rapaz muçulmano tranquilo, de origem paquistanesa, que resolve sair para uma night maneira com os amigos, mas os planos mudam quando ele conhece Andrea Cornish (Sofia Black D’Elia). A personalidade forte da jovem envolve o rapaz e ele decide que uma orgia de sexo e drogas com ela é melhor do que uma festa de fraternidade. Seria, se ele não acordasse horas depois ao lado do corpo ensaguentado de Cornish e fosse apontado como principal suspeito. Na delegacia, ele conhece John Stone (John Turturro), um advogado de porta de cadeia que fica intrigado com o caso do jovem, e a repercussão que pode gerar para própria carreira, e resolve defendê-lo.

A série é muito pouco sobre quem matou Andrea Cronish e, muito mais, sobre como os envolvidos sobrevivem após os acontecimentos. Na cadeia, Nasir precisa aplicar Darwin em sua vida. Já que não pode migrar, resta a ele se adaptar ou morrer. A transformação de Naz é incrível e a sinergia entre ele e Freddy (Michael Kenneth Williams), um prisioneiro influente que o recruta para ser um de seus protegidos, dá liga nos episódios. Paralelamente, observamos a luta de Stone contra uma doença de pele incômoda e, nas horas vagas, fazendo o que a polícia deveria, mas não faz: Investigando outros possíveis suspeitos que poderiam querer assassinar a bela garota. O preconceito contra muçulmanos nos EUA é presente na trama, e não poderia deixar de ser, mas exposto nas entrelinhas, naquela ferida que incomoda, nos detalhes que arrancam lágrimas. A família segura uma barra muito complicada e o julgamento da sociedade é um fardo grande demais para seus ombros.

Não é fácil de ver o endurecimento da personalidade de alguém, nem o descaso da justiça com a violência nas cadeias e a condução dos casos sob sua jurisdição, mas The Night Of não é apenas boa. É necessária. Não engessa o pensamento de quem assiste, direcionando, explicando, desenhando. O raciocínio transborda, da cabeça e do coração. Uma preciosidade.

American Crime Story: The People vs. OJ Simpson

Essa foi campeã de estatuetas do Emmy e não foi a toa. Baseada no livro de Jeffrey Toobin, e no escândalo da morte de Nicole Brown e seu suposto amante, teve como protagonista Cuba Gooding Jr. – reaproveitado para 6ª temporada de American Horror Story, da qual eu não falarei hoje – Sarah Paulson, John Travolta, Sterling K. Brown, Courtney B. Vance e David Schwimmer, como daddy Robert Kardashian.

A regra é clara: If it doesn’t fit, you must acquit.

Muitas estrelas para pouca série. Eu sei. Isso geralmente é sinônimo de uma história fraca, ruim. Mas ACS veio para comprovar que o interesse por crimes reais nunca morrem, mesmo com todos já conhecendo o desenrolar e o final, e que Ryan Murphy tem problemas cognitivos e não consegue se concentrar para executar duas boas séries ao mesmo tempo. Problema de My Roanoke Nightmare, a sexta temporada da desgastada American Horror Story.

Black Mirror

Em sua terceira temporada, a série britânica nunca foi tão comentada como hoje em dia, especialmente graças ao primeiro episódio, Nosedive, que se passa em uma sociedade onde as pessoas conquistam espaços, moradias, empregos e amizades baseados em quantas estrelas possuem na… Vida?

Discutindo temas atuais, como a superficialidade das relações, a importância de manter uma imagem adequada, mesmo que isso signifique abrir mão de quem você é, e a influência das diferentes mídias no cotidiano, conquistou o público de vez. A distopia extrema, que é abordada em todas as temporadas, finalmente atingiu o hype que há tanto tempo merecia.

Fora que tem muito gostinho daquela serie que eu idolatro e falo dela dia sim, outro também. Um diferencial para me apaixonar.

Westworld

Já falei dessa maravilha por aqui, mas em retrospectiva, excluir Westworld beira ao criminoso. A série é baseada no filme de Michael Crichton, que não chega aos pés do que a adaptação da HBO nos proporciona. Cada episódio traz muito mais do que um entretenimento, puro e simples. A história é muito ágil com seus ares de sci fi e, como os melhores do gênero, carrega consigo uma reflexão muito forte sobre humanidade, consciência, obsolescência e efemeridade das relações. Em diferentes níveis, claro. Muitas vezes de uma sutileza que, do outro lado, demoramos a compreender. Do que somos capazes em um lugar que cobra para sermos qualquer coisa que quisermos? O que isso revela sobre cada um de nós? E quando a ciência e a tecnologia ultrapassam o ser humano?

Grande parte da diversão é não receber tudo mastigado, explicado. Mas compreender o desenrolar, ir entendendo, degustando. Com Ed Harris e Anthony Hopkins na jogada, não é tarefa difícil.

Ben Mendelsohn e Kyle Chandler

A segunda temporada de Bloodline foi boa, mas não como a primeira. Não destacaria entre as minhas favoritas de 2016 per se mas, curiosamente, os personagens principais, interpretados por Kyle Chandler e Ben Mendelsohn, deram uma virada espetacular na trama, que se encaminha para sua despedida em 2017, e em suas carreiras.

Após o embate entre os irmãos Danny (Mendelsohn) e John (Chandler) na season finale da primeira temporada, o primogênito rebelde foi humanizado através de flashbacks que mostravam como era sua vida na Flórida – revelando segredos que os Rayburns desconheciam – justificando, de certa forma, seu comportamento agressivo e criminoso. Na contra-mão, John foi deteriorando mentalmente no esforço de limpar a própria barra e a da família. Em uma contradição absurda, um a um dos familiares foi virando as costas para a única pessoa que fez algo por eles. Não porque queria, mas porque não teve escolha. Is this the real life? Is this just fantasy?

Os dois atores concorreram ao Emmy, Mendelsohn venceu. Ele também ganhou um papel de destaque em Star Wars: Rogue One, que estreia logo menos tá nos cinemas, está rodando Ready Player One, de Steven Spielberg, e aparecerá ainda nos dramas Untogether e Darkest Hour, interpretando o rei George VI. Chandler também não está nada mal. Participou de Manchester by the Sea, com estreia prevista para meados de dezembro nos Estados Unidos e do drama Sidney Hall, em processo de pós produção.

Gostaria de fazer, ainda, menção a duas ótimas produções brasileiras da Rede Globo. Sim! Isso mesmo. Justiça, minissérie que funcionou quase como um quebra-cabeças, amarrando a história de seus personagens através da prisão de quatro pessoas. A cada episódio, era a vez de assistirmos a um ponto de vista diferente mostrando, de forma crescente, as interseções entre as tramas. Já Nada Será Como Antes, ainda no ar já encerrada, aborda temas polêmicos com muita classe e toda a pompa que marcou a década de 50. A série acompanha a criação da primeira emissora de TV e os dramas envolvendo o núcleo principal, composto por Bruna Marquezine, Daniel Crush de Oliveira , Débora Falabella, Murilo Benício e Letícia Colin. As duas vieram pra mostrar que a Globo não tá pra brincadeira e, com o mínimo de liberdade criativa que só o horário das 23h te proporciona, é possível apresentar algo fora da caixinha para o público médio, competindo ombro a ombro com o mercado da TV fechada.

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