Nelly, Scientology & The Aftermath: Battlefield Earth
Quando assisti ao episódio Trapped in the Closet, do South Park, a Cientologia chamou minha atenção pela primeira vez. Vulcões, um déspota do espaço e… Thetans? Tom Cruise chorando dentro do armário do Stan que, na verdade, poderia ser a reencarnação de L. Ron Hubbard? Mas o ano era 2005 e eu tinha outras preocupações, como falsificar a carteirinha de estudante para passar a madrugada na maratona de filmes do Cine Odeon e disputar o crush com a minha melhor amiga. Apenas alguns anos depois, leia-se dois mil e dezessete, mais especificamente no mês de janeiro, que viria a mergulhar de cabeça nessa religião responsável por crimes inomináveis, como a morte do Chief, um dos mais queridos personagens de South Park, porque o Isaac Hayes era cientologista e não poderia trabalhar a favor dos inimigos da igreja. De Dianetics à Battlefield Earth, eu sobrevivi para contar a história. Depois desse texto, não tenho tanta certeza.
Minha curiosidade bateu forte enquanto assistia ao documentário Going Clear: Scientology and the Prison of Belief, baseado no livro homônimo de Lawrence Wright, e que está disponível no cardápio do Netflix para quem quiser ver. O filme conta a história da criação da Cientologia, desde seu surgimento e desenvolvimento até os dias de hoje, entremeando depoimentos de ex-adeptos – atores, roteiristas e anônimos – bem como executivos da igreja, documentos e a aplicação da tecnologia desenvolvida por Hubbard. O diretor Alex Gibney apresenta com muita coragem os tabus e excessos das políticas eclesiásticas praticadas sob as ordens do poderoso chefão, David Miscavige, como abortos forçados para funcionárias da igreja e o desaparecimento de sua esposa, Shelly Miscavige, que nunca foi explicado. Desde então, tem sido perseguido, como todos os outros jornalistas e cineastas que se atreveram a desafiá-los. Mas o estrago estava feito. Assim que os créditos começaram a subir, peguei meu iPad obsoleto e parti para fóruns, depois livros e mais filmes.
O que mais me intrigou foi a suposta estupidez humana de entrar em um culto, religião, corporação, o que quer que seja, criado por um escritor de ficção científica, na qual alguém te diz que você não é você, mas um conjunto de seres espirituais, e ficar preso nessa crença a ponto de gastar milhares de dólares em cursos para se livrar dos pecados e traumas do passado, assinar um contrato de um bilhão de anos para trabalhar nas principais instâncias da igreja e se afastar de sua família e amigos se esses forem contrários ou críticos ao que você acredita. Ouvindo histórias de quem nasceu, foi introduzido ainda bem jovem, ou daqueles que buscaram soluções para suas angústias nos conhecimentos de Hubbard, vê-se que, essencialmente, em nada se diferenciam de outros religiosos.
Em outro ótimo documentário sobre o assunto, My Scientology Movie, de Louis Theroux, somos apresentados às técnicas usadas dentro das organizações e a um dos ex-executivos mais temidos e mais proeminentes da Cientologia que, ao fugir, continuou aplicando de forma independente os recursos da religião. Afinal, todo o desgaste emocional, físico e financeiro não vão se compensar sozinhos. Um homem articulado, competente e inteligente. Em um momento de fragilidade, isolado de informações, poderia ser você no lugar dele. Afinal, não há nada de absurdo na premissa de utilizar a tecnologia para melhorar a comunicação, relações interpessoais e autocontrole, temas que norteiam os livros didáticos de Hubbard. Me parece mais útil trabalhar as qualidades e eliminar os defeitos, medos e traumas do que recorrer a um Deus invisível. Tanto em Going Clear, quanto na obra de Theroux, a engenharia da fé fascina. A história de Xenu, da Confederação Intergalática e de humanoides jogados em vulcões e assassinados com bombas de hidrogênio não é revelada até a pessoa estar engajada, em um alto nível da Ponte para a Completa Liberdade, algo que exige anos de dedicação e muito dinheiro. Ninguém em sã consciência compraria uma história dessas. E os depoimentos de quem chegou até lá são hilários. Mas quando a sua vida gira em torno de algo e tudo o que você ama é parte disso, é mais fácil ignorar o ridículo da situação do que lutar.
Já no drama O Mestre, de 2012, o diretor e roteirista Paul Thomas Anderson fez questão de negar que havia se inspirado na Cientologia para escrever o longa, provavelmente com medo das consequências que isso poderia trazer. Nele, Joaquim Phoenix é Freddie, um veterano de guerra que tenta se adaptar à sociedade pós guerra. Embriagado, acaba embarcando no iate de um seguidor d'”A Causa”, um movimento liderado por Lancaster Dodd (Phillip Seymour Hoffmann). Densa, mas por vezes lenta, a narrativa mostra como, aos poucos, Freddie se torna extremamente leal a seu líder, até começar a questionar os ensinamentos e métodos de Dodd, o que o coloca em uma posição delicada entre os demais praticantes e em relação a si mesmo. Mas o mais curioso é que, apesar de negar qualquer relação entre seu mestre e L. Ron Hubbard, Anderson utiliza duas das mais famosas táticas da Cientologia em seu filme: Audição, uma espécie de terapia na qual o sujeito passa por um detector de mentiras rudimentar e só pode sair da sala quando eliminar seus traumas e angústias e bullbating, quando duas pessoas sentam frente a frente e uma delas precisa ficar, literalmente, imune aos ataques da segunda. Sem se mover. Sem chorar. Sem sorrir. Por horas. Se piscar no momento errado, a lavagem cerebral recomeça sem hora pra acabar. A longo prazo, um ponto de tensão impossível de ignorar. Tanto na trama quanto na vida real.
Eu não podia mais absorver tanta informação que eu não utilizaria para nada além desse texto. Já estava quase convertida, me inscrevendo para servir à Sea Org. Então decidi que escolheria outro culto para chamar de meu (Lembrando que devorei a biografia do Charles Manson não tem muito tempo. Eu gosto do negócio) e que encerraria meus trabalhos após o último episódio do documentário da A&E Leah Remini: Scientology and the Aftermath, conferindo o que Hubbard fazia de pior: Ficção científica. Antes de descobrir que criar uma religião era uma fonte financeira mais segura do que a literatura, LRH escreveu dezenas de livros, entre eles Battlefield Earth, adaptado para o cinema em 2000 protagonizado pelo “famoso quem?” Barry Pepper e pelo segundo mais importante cientologista do planeta, John Travolta.
Tão ruim, mas tão ruim que não consegue nem ser bom, o longa se passa no ano 3000, quando a Terra é controlada pelos Psychlos, humanoides gigantes segundo a sinopse, porque na prática são do tamanho dos demais personagens, e que são maus pra caralho. Um dia, Jonnie Goodboy Tyler (Pepper), membro de uma pequena tribo, sai para cavalgar e é capturado para servir de escravo na base controlada por Terl (Travolta) e Ker (Forest Whitaker). A fim de adquirir mão de obra barata e qualificada, eles começam a transmitir conhecimentos que apenas os Psychlos tinham acesso, dando “leverage“, palavra mais usada no roteiro, aos humanos, que começam uma guerra por libertação em uma semana. UMA SEMANA. Eles aprenderam táticas de negociação, a mexer em armas e a pilotar aviões em UMA SEMANA. Porque ninguém precisa ler Sun Tzu para saber que não se oferece ao inimigo qualquer elemento que possa dar vantagem a ele, fortalecendo sua batalha. Fora o plot estúpido, nem uma Mitsubishi 4×4 passaria sem arranhões pelos buracos na história, cada segmento é encerrado por um fade cafona, que em meia hora já estava me dando nos nervos, bem como as péssimas atuações e a caracterização porca.
L. Ron Hubbard ser um dos piores autores de ficção científica que já pisou na terra e, ao mesmo tempo, mentor de uma religião/culto/corporação super rentável é, de todos os mistérios da Cientologia, o maior.
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