Tratamento por escrito

Livros quarta-feira, 07 de novembro de 2018

Uma das tragédias dessa vida é o jovem. Outra é ficar velho. E quando junta as duas rola um sentimento agridoce de vencer uma guerra e perder as duas pernas três, no meu caso. Pois eis que vi-me em meio à gente mais jovem que eu e que – ora vejam só – têm a leitura como hobby. E não, eu não encontrei na biblioteca e nem na livraria… E nem no prédio de humanas. E porram, é meio estranho você se deparar com gente que faz “atualmente” o que pra você já foi faz tempo.

 Nem sei se dá pra chamar de meme, só sei que tive um misto de vergonha alheia e nostalgia aqui.

Eu nunca neguei que eu gosto da fatídica “literatura infanto-juvenil“, principalmente no que toca a ficção (E, mais importante ainda, não catequizante). Eu gosto de dragões e fórmulas químicas secretas, herois e planos diabólicos, cruzadas de vingança e batalhas épicas. Sempre gostei desse tipo de coisa, seja por escapismo seja simplesmente pela simbologia, além de, claro, ser um entretenimento que não procura necessariamente ter uma relevância social. Mais importante que isso tudo, nunca tive, nem por um momento, vergonha de gostar desse tipo de literatura, fosse ainda criança, lendo coisas pra gente mais velha, seja depois de crescido, lendo coisas pra adolescente.

Até que, uns anos atrás já, eu fui me distanciando dos livros e da leitura como um todo; teve inclusive texto à rodo aqui no Bacon sobre isso. Eu ainda gosto desses temas e cenários e histórias, isso não mudou. Os vilões continuam iguais, os romances também, e um final previsível atrás do outro ainda me trazem a satisfação de saber como foi o caminho até lá. Mas porra, como a coisa mudou mesmo assim.

Quero dizer, eu gosto disso tudo, mas literatura infanto-juvenil, agora, pra mim, é exatamente isso: Livro pra criança e adolescente. Eu não sou nem criança e nem adolescente, e não sinto falta de nenhuma das duas épocas da minha vida, mas a leitura mudou. Não que agora eu só leia fantasia e ficção “adulta”, não que a parada tenha que ser mais complexa e moralmente mais dúbia, mas cara, eu não busco mais livro nessa seção, entende? Não é o lugar que eu espero achar algo que me agrade, não é o nicho que chama atenção logo de cara.

 E pra filmes dos anos 80.

É estranho dizer isso porque, ao menos na teoria, não significa nada. Quero dizer, o bagulho tem um público alvo definido, mas até aí absolutamente toda a literatura tem e, no fim das contas, o que importa é o interesse individual e não se a pessoa se encaixa no grupo que deveria aproveitar tal coisa. Na teoria, esse tipo de livro tem tudo que eu gostava e ainda gosto. Na teoria, a qualidade de uma obra não depende do público à que ela se destina. Na teoria, tá tudo muito bem.

 Rapaz, hoje tá foda…

E aí eu me deparo com gente 3 ou 4 anos mais nova que eu só e porra, tá aí a galera onde eu estava na mesma idade. E, obviamente, eu fico me perguntando o que exatamente aconteceu que o bagulho desandou: Em questão de um terço de década a teoria parou de fazer sentido e a prática está totalmente bagunçada. Eu sei que o problema é comigo, o que eu quero entender é qual foi exatamente a merda que eu fiz.

Claro que eu não espero que anos se passem e eu não mude. Muito pelo contrário, me preocuparia tremendamente estar fazendo hoje o que fazia lá em 2014 (Caralho véi… 2014 parece longe pra porra…), mas meu gosto pela leitura não mudou. Como eu leio mudou, onde, por quê, quais autores, que tipo de literatura: Isso tudo mudou e sei que influenciam diretamente na questão em pauta, mas o meu gosto continua o mesmo salgadinho e crocante e, até onde pode-se dizer, a literatura infanto-juvenil bate nessa descrição. Ainda é muito mais provável eu me dedicar a ler um conto sobre gnomos que uma matéria de jornal ou mesmo uma matéria interessantíssima sobre a mais nova espécie de lesma brilhante descoberta nas Filipinas (Não, isso não é ironia, é sério). Ainda assim, quando eu vou na estante que me dá o tipo de coisa que eu gosto, eu não ligo. Não me importa mais.

Eu sei que eu sou um velho chato e fodido, mas a verdade é que eu era um velho chato e fodido há anos atrás também. Porra, lê qualquer coisa minha aqui no Beico e vocês verão que eu era um velho chato e fodido desde o começo, então… O que mudou? Onde mudou? Porque o que eu gosto não me interessa mais? Por que é tão difícil pegar um livro que, para todos os efeitos, seria perfeito pra mim?

Não sendo o suficiente eu faço o quê? Isso mesmo, conto pra galera mais nova onde arranjar tal literatura. Trocamos ideia de quais livros já lemos, quais são legais, quais são uma porcaria. Deu até saudade do estilo de capa tosquíssimo muito descolado e glossy que esses livros usam só pra ficar bonitos na prateleira.

Será que esse tipo de coisa simplesmente faz parte de ficar velho? Será que daqui a cinquenta anos vai ser assim pra tudo? Tipo “nossa, sexo é gostoso pra caralho né? Muito foda mesmo, uma delícia… Quero mais não”. Só espero que demore cinquenta anos.

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