A cultura da popularidade

baconfrito quarta-feira, 09 de março de 2016

Quer uma palavra que eu não suporto? “Comunidade“. Não no sentido do conjunto de pessoas, mas quando quer dizer, inevitavelmente, bairro/morro/favela/quebrada de gente pobre. Porque eu sou elitista? Porque eu sou contra a rede Globo? Porque eu nunca passei dificuldade na vida? Não, nada disso, é porque basta dizer que você é da “comunidade” e você ganhou um passe livre pra fazer merda e chamar de cultura.

Segundo o Michaelis:

cultura
cul.tu.ra
sf (lat cultura)
[…]
13 Sociol Sistema de ideias, conhecimentos, técnicas e artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que caracteriza uma determinada sociedade.
14 Antrop Estado ou estágio do desenvolvimento cultural de um povo ou período, caracterizado pelo conjunto das obras, instalações e objetos criados pelo homem desse povo ou período; conteúdo social.
[…]

Então, essa história de que qualquer coisa feita seja cultura é a puta que vos pariu. Primeiro porque a gigantesca maioria das coisas feitas não importam pra mais do que quem as fez, e segundo porque mesmo nesse caso, cultura é a representação de uma sociedade, e olha só, a sociedade é uma bagunça. “Cultura” não funciona porque “sociedade” é um troço mutável que, na melhor das hipóteses, usa um critério geral para definir um grupo que, em quase todos os casos, não tem e jamais terá indivíduos semelhantes.

Uma sociedade requer parâmetros comuns, requer uma unidade, e isso não existe. Claro, tem gente que mora na mesma região, que tem uma determinada renda, que curte axé, mas foda-se, nada disso perfaz uma unidade. É que nem dizer que todas as pessoas que tomam iogurte de abacaxi são iguais. Essas pessoas não consomem da mesma maneira, não produzem da mesma maneira, não se articulam socialmente da mesma maneira. Porra, a maioria das pessoas hoje sequer se articula socialmente. Habbo Hotel e Second Life não contam. Aliás, se cê “joga” qualquer um dos dois em pleno 2016 cê precisa de ajuda.

Mas aí entra a Comunidade. E aí, subitamente, há cultura, há unidade. Se ser pobre, não ter acesso à água tratada e ter gatoNET for cultura, eu quero mais é que deslize terra e tenha enchente mesmo. Porque essa história de sorrir pra fotografia é a puta que vos pariu. Porque essa sociedade só existe na TV, no cinema e durante o Carnaval.

O embelezamento da miséria é uma bosta. A miséria é uma bosta. O produto da miséria é uma bosta.

Mas se trouxer lucro, fama, reconhecimento e atenção tá beleza. É uma necessidade de estar nos holofotes que ultrapassa os limites do ridículo, mas que é aceito porque a educação é ruim, porque tem tiroteio, porque convive com as drogas. É justificar o erro com algo fora do seu controle. E a culpa nunca é de quem faz o ridículo, mas do ambiente. O ser humano altera este planeta há mais de 10 mil anos e tem gente que enche a boca pra dizer que não consegue mudar o lugar onde vive. Vai se foder, meu irmão. E para de fazer merda.

Que tal, antes de reclamar do Bolsa Família, cortar essa história de esmola de atenção?

“Olha a pobreza onde eu vivo, eu quero mostrar pro Brasil todo pra chamar atenção do governo”. Tenho cara de auditório da Record? Ou reviveram o Renato Russo? Porque se esse for o caso conheço uma galera que ficaria feliz em mandar ele de volta pros braços do senhor.

Essa coisa toda sequer é uma questão de os fins justificam os meios, mas é tapar o sol com peneira. Ficar rico não acaba com a pobreza. Não tem absolutamente nada na popularidade ou na fama que melhorem sua condição de vida. Ou preciso realmente dizer que ter carro caro não é condição de vida? Recompensar quem faz papel de coitado só agrava o monte de problemas que tanta gente passa todo dia. É dizer, para tanta e tanta gente, que se elas se disporem a ser os bobos da corte de vez em quando elas, também, podem ter “sucesso” e atingir o que meia dúzia de outros atingiram. Essa gente morre em acidentes com carros que não conseguem dirigir, vão à falência por dinheiro que não conseguem administrar e estampam matérias em site de fofoca como se fosse alguma realização de vida ter o mundo inteiro sabendo que eles preferem shorts e não sunga na praia.

Que vida de merda essa gente quer. “Venceu na vida apesar de todas as dificuldades por qual passou”, diz o Faustão, durante o Arquivo Confidencial.

 Piada ruim é uma instituição cultural.

E aí, tudo que você precisa, é alguém pra ser esse bode expiatório. Simples assim. Algum idiota disposto a fazer qualquer coisa publicamente, e contanto que este consiga fazer uma cara de coitado convincente, essa coisa vira cultura. O pressuposto de carência importa mais do que qualquer outra coisa, uma vez que fazer qualquer coisa que diferencie alguém num mar de barracos, é visto como um sonho realizado.

Qual é o parâmetro pra escolher essa gente? Porque tem milhares e milhares que fazem as mesmas coisas. Os mesmos movimentos de dança, a mesma cantoria desafinada e mal escrita, a mesma imitação do Ronaldinho Gaúcho, as mesmas fotos no Instagram. É questão de carisma? Afinal, cê pode ser a pessoa mais foda do mundo, se o público não for com a tua cara, você já era. E se for mesmo uma questão de carisma, pode esquecer, porque a cultura morreu. Porque se nem quando algo é feito por quem é o melhor no ramo este algo é de boa qualidade, se for feito só por quem sorri e acena não vale nem mesmo perder tempo.

Então, “Comunidade” virou o sinônimo disso: Gente sem capacidade nenhuma pra fazer o que faz, mas disposta a fazer na frente de gente que acha muito incrível alguém fazer tal coisa pra elas verem. Não é pão e circo, mas ainda é o Coliseu. E o nome disso é cultura. Porque “cultura” virou sinônimo de “popularidade”. Dá dinheiro, traz fama, aparece nos programas de TV, vira discussão na internet e enche ginásio de escola? Cultura.

E o fator determinante na hora de criar essa cultura não é talento, esforço, estudo e muito menos vontade de levar uma vida melhor, é a cara de coitado que pode ser feita caso alguém esteja disposto à te colocar nos holofotes.

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