Aliste-se!
Imagine um distinto cidadão. Seu nome poderia ser algo entre Arnaldo e Jair.
Como todo distinto cidadão, ele tem um bom emprego burocrático numa boa firma burocrática, uma boa mulher dona de casa e dois bons filhos com boa educação em um bom colégio particular.
Sua idade pode ser, caso vocês queiram, por volta dos 28 e 34 anos.
Facilitando, o proclamo com 31 anos, casado há 12 e pai há 9.
Esse jovem cidadão Arnaldo (ou Jair) reencontra-se, num determinado dia, com um velho amigo de infância, cujo nome e cuja idade não dizem respeito a nenhum de vocês.
Digamos que, por exemplo, eles se cruzaram na fila para sacar dinheiro ou entre as prateleiras do mercadinho local.
A partir daí, passam a se encontrar frequentemente para um café após o horário de serviço (deve-se notar, porém, que o amigo de infância de Arnaldo [ou Jair] não tem um emprego fixo e burocrático. Note-se que a verdadeira função trabalhista deste amigo em questão é uma incógnita para Arnaldo [ou Jair]).
Após um determinado momento, esse amigo em questão passa a discorrer, primeiramente de forma cautelosa, depois com empolgação, sobre sua particular visão de mundo (note-se, a visão de mundo do amigo em questão).
Arnaldo (ou Jair) não consegue evitar sua curiosidade e interesse crescentes nessas conversas, que se tornam cada vez mais frequentes.
O fato é que a visão de mundo do Amigo em Questão é completamente diferente da forma com que Arnaldo (ou Jair) levou sua vida até então.
Adiciono, inclusive, que é tão agressivamente contrastante que Arnaldo (ou Jair) não consegue evitar, de forma paradoxal, a atração que sente por essa nova “filosofia”.
Pouco a pouco, os valores até então cultivados por Arnaldo (ou Jair) vão sendo despedaçados, minuto a minuto, durante cada conversa.
(Os detalhes destas conversas não serão tratados por respeito à sanidade mental dos queridos leitores)
Na verdade, ao mesmo tempo que a atração de Jair (ou Lucas) cresce, uma secreta raiva passa a ser cultivada pelo Amigo em Questão.
No entanto, Lucas (ou Arnaldo) não tem a força necessária, ou o apego moral necessário, para dar fim a sua corrosiva e auto-destrutiva amizade. Ao contrário de Anna Rosa (vide Um, Nenhum e Cem Mil de Luigi Pirandello, publicado em português pela editora Cosac Naify em 2001… São Paulo), Arnaldo (ou Jair) não tem coragem nem para atitudes drásticas e desesperadas. Isso acontece por conta da característica predisposição de Rodrigo (ou Josefo) a ser… gado. Faltava-lhe qualquer forma de força em sua personalidade. Os motivos para a existência dessa falta são uma incógnita, mas acredito que os leitores conseguirão pensar em pelo menos 7.
Então, pouco a pouco, Ricardo (ou Messias) se vê numa espiral cada vez mais profunda de desespero, loucura e destruição de toda a vida com que havia se habituado, toda a segurança que havia arquitetado e todos os valores pelos quais havia sentido admiração.
Após menos de um mês e meio, Arnaldo (ou Jair) se viu sem emprego, sem filhos, sem mulher, sem apartamento (que por sinal ficava em Alphaville)…. e sem seu Amigo em Questão.
Eu posso jurar, pois estava comendo sua mulher e vi tudo acontecendo de perto.
Na verdade, eu era o Amigo em Questão.
E eu vou foder com você também.
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