Almodóvar e o momento atual do cinema
Inicialmente, esse texto era pra ser uma simples resenha do A Pele que Habito, o último filme do Almodóvar. Só que aí eu percebi que o simples fato de eu ter tido a oportunidade de ver esse filme num certo cinema que dedica metade das salas pra Os Três Mosqueteiros era tão ou mais importante que o próprio. Tá, na verdade não, mas eu quero falar disso mesmo assim.
Pior que é mesmo. Mas isso não é relevante. Comecemos pelo princípio. A Pele que Habito é o último filme do espanhol Pedro Almodóvar. Chegou até a concorrer em Cannes, tá ligado? Provavelmente não. Mas beleza, aí vai a sinopse: Richard Ledgard, um cirurgião bem sucedido, se torna obcecado por criar uma pele mais resistente, depois que sua esposa morre queimada num acidente de carro. Só que pra isso ele precisa de uma cobaia. A partir daí, a história vai pra caminhos totalmente inesperados (Como já era de se esperar). Mas enfim, é mais legal assistir sem saber quase nada da trama. E o troço deve estrear por aqui no final do mês que vem, de qualquer jeito. [Nota do editor: Nop, estreia essa sexta, dia 04 de novembro.]
Por aqui, eu digo nas grandes metrópoles brasileiras, claro. Porque eu duvido que isso volte pra minha cidade, por exemplo. Se bem que tem o Antonio Banderas… Mas vamos focar na crença de que eu nunca teria tido a chance de ver esse filme por meios legais se não fosse o aniversário desse tal cinema citado lá no primeiro parágrafo. Eis o que se passou: Graças as suas comemorações de 20 anos, a rede de cinemas em questão decidiu dar uma pausa na repetição usual de blockbusters e nos brindar com uma sessão única, eu disse única, do A Pele que Habito. As nove e meia da noite. De uma sexta-feira.
E sabe do que mais? A sala praticamente lotou. As nove e meia da noite. De uma sexta-feira. E o que isso significa? É muito simples, comissário. Hoje em dia todo mundo (Inclusive eu) aceita a convenção de que o cinema tá nas últimas e a situação só tende a piorar. Estamos cada vez mais presos a continuações, prequels, remakes e afins. Tudo bem, essa fórmula pode estar funcionando bem (Em termos de dinheiro, apenas isso) e até ter tirado Hollywood do buraco momentaneamente. Mas não é uma situação que vai se sustentar pra sempre. Cada vez mais, quem vai ao cinema é quem não se importa com o cinema. São pessoas passeando no shopping que procuram por um divertimento qualquer, depois de comer seu McLanche Feliz.
Com isso, a criatividade se torna um ponto cada vez menos importante nas produções cinematográficas. Coisa que só é potencializada por aquele velho pensamento ultrapassado de que as pessoas vão baixar tudo pela internet antes que o filme estreie mesmo, então foda-se a qualidade e bora investir no visual pra trazer a galera de volta pro cinema. Apostando assim em avanços tecnológicos que só servem pra levar os filmes numa direção totalmente errada (3D, alguém?). É tudo uma grande bola de neve, que se serve pra encher o cu dos produtores de dinheiro, ainda vai acabar por destruir indústria. Não que isso seja de todo ruim… É só ver o que aconteceu com os filmes de super-heróis, a coisa chegou num ponto em que a qualidade caiu tanto que até os nerds mais babacas acabaram desanimando, e os lucros minguaram. Só que aí o Christopher Nolan levou a parada pra uma direção totalmente diferente e salvou o dia, o que não vem ao caso.
Mas, precisa realmente ser assim? A sala lotada pra ver A Pele que Habito, um filme, hum… Difícil, é prova cabal que não. Existe todo um público cinéfilo ignorado pelos grandes estúdios e pelas redes de cinema, sedento por consumir. Que por sinal é o mesmo pessoal que costuma baixar coisas na internet e que também lidera na compra de DVDs. Tudo bem, talvez o investimento nessa galera não desse um lucro tão assombroso quanto o modelo atual, mas os consumidores fiéis com certeza trariam uma estabilidade maior ao negócio. E de quebra não deixariam a indústria entrar em colapso, já que a única exigência seriam boas histórias, e não efeitos especiais de centenas de milhões de dólares.
Claro que mudar totalmente a situação atual seria uma utopia, vivemos num mundo capitalista, somos vitimas do imperialismo norte-americano e toda essa ladainha, cês sabem. Mas pelo menos equilibrar a balança dá pra fazer, sim. Como? Sei lá, entupa a distribuidora com e-mails pedindo a exibição daquele filme iraniano que fez sucesso lá fora e nem cogitaram passar na sua cidade, atire um coquetel molotov numa sessão de Atividade Paranormal 3, depende do seu estilo. Ou simplesmente aproveite a oportunidade de ver um filme realmente foda quando ele passar no cinema.
Tipo A Pele que Habito, por exemplo. Caso cês tenham a chance de assistir, não percam. Apesar do Almodóvar continuar dando a impressão de que precisa chocar o público a qualquer custo, é tudo tão bem construído que nem incomoda. O filme prende, tem uma trama não linear que realmente contribui pro desenvolvimento da história e um roteiro cheio de reviravoltas, alá Oldboy. Além de promover uma caralhada de discussões, sobre a natureza dos relacionamentos, a obsessão pela aparência, a ética, o poder, flertar com a ficção científica e o terror, e ainda ter personagem brasileiro no meio. E a tela grande, combinada com a trilha excelente, deixa tudo mais interessante e ameaçador ainda.
De quebra, você pode estar ajudando a salvar o cinema. Quem sabe assim eles percebam que não é só de Transformers que se vive? Por falar nisso, quem precisa de Megan Fox quando se tem Elena Anaya?
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