Autoritarismo em palco
Eu moro de frente à um teatro. E eu quero dizer DE FRENTE pro teatro. Já tinha um tempo que eu queria ir no tal teatro, até porque já tinha muito, muito tempo desde a última vez que tinha estado em um e visto uma peça, então um dia desses eu tava que boa e não teria aula à noite, resolvi dar uma olhada nas sessões disponíveis: Primeiro eu confirmei que, normalmente, as sessões não estariam em tempo para que eu assistisse antes ou depois da faculdade, e a segunda foi que PUTA QUE PARIU QUE TRECO CARO.
Ok, algumas premissas: Eu gosto de teatro. A grande maioria dos que eu já assisti (E não, isso não inclui só peças infantis) foram bem legais. Pra mim, atuação jamais será numa tela o que é no palco. Eu gostaria de poder assistir muito, muito mais do que eu assisto hoje e assisti nos últimos tantos anos.
Com isso dito, eu entendo perfeitamente gente que não gosta de teatro. Cara, pensa só aqui nos meus vizinhos, gente que está literalmente à dois minutos de um teatro com várias e várias peças, algumas com mais de um horário por dia, nos mais diferentes estilos (Por exemplo, mês passado estava Chapeuzinho Vermelho em cartaz junto com uma peça sobre uma relação a três pessoas). É gente que não só tem a facilidade do bagulho ser logo do lado como tem a disponibilidade de horário e dia pra ir ver o treco. E os ingressos iam de setenta à noventa reais.
Noventa pila pra uma hora e meia de apresentação. Eu fui ver o preço do cinema mais caro daqui de São Paulo, e ele também custa noventa reais. Pra duas horas, às vezes quase três de apresentação. Fui ver também o preço do ingresso comum, sem firula com 3D, 4D, IMAX e os caralhos: Trinta reais. Literalmente vai você e mais duas pessoas no cinema, assistir uma coisa que tem maior duração, todos pagando entrada inteira que tal parar que falsificar carteirinha ein seus arrombados, pelo preço de um ingresso só no teatro aqui perto. Eu sei que ele não é barato, aliás sei que é mais caro que a maioria (E mais barato que alguns), e ainda assim é um problema. Não é o único teatro aqui perto; aliás, em dez minutos de caminhada tranquila daqui tem outros cinco teatros, com peças variando de trinta à duzentos reais. Você não leu errado.
https://www.youtube.com/watch?v=Ba5Ru5MZsk0
Não é falta de opção, principalmente se você, assim como eu, tá numa capital ou cidade maior em que não só tem mais investimento e público, como também maior facilidade de locomoção, divulgação e logística como um todo. A grande questão se resume numa pergunta muito simples: Além de ser diferente, qual o ponto a favor do teatro?
Porque entretenimento por entretenimento, tanto faz se é uma peça, um filme ou uma partida de futebol. Se é pra apoiar gente que cria conteúdo que você gosta, também tanto faz se for um uma peça, uma feira de literatura ou um Patreon na internet. Ou ainda se for pra adquirir cultura e conhecimento e ver coisas novas, tanto faz se for uma peça, um sarau ou uma missa de uma religião que você não frequenta. Tem programas e opções tão caras quanto (E mais caras que) o teatro, do mesmo jeito que tem opções tão baratas quanto (E mais baratas que) o cinema, então me diz por que caralhos alguém escolheria o teatro além do simples motivo de ser teatro e não qualquer outra coisa?
O único motivo pra ir ver teatro é “eu quero ir ver, especificamente, teatro”, e esse é um motivo totalmente válido e do qual eu compartilho, mas puta que me pariu, isso não é motivo o suficiente para “salvar” o teatro. Porque caso você tenha se dado ao trabalho de conversar sobre teatro nos últimos setenta anos você provavelmente já ouviu de como o rádio, a TV e a internet estão matando o teatro. E estão mesmo, já que o teatro é basicamente a mesma coisa há dois mil e quinhentos anos e ainda não se deu conta que a “concorrência” não parou no tempo (Ou até parou, só que com dois mil e quatrocentos anos de vantagem). Junta isso com o fato de que muita, muita gente acha teatro chato e prefere ir assistir qualquer outra coisa, e você tem a receita pro negócio morrer de vez.
Tem gente que gosta e que não gosta de teatro, e ainda tem gente que nem conhece, mas se você quer reviver uma parada, revitalizá-la, cê tem que faz bem mais que dar desconto em ingresso. Não que eu esteja reclamando de desconto em ingresso até porque nem fodendo eu pago duzentão pra assistir Shakespeare, mas se os grandes desafios que você tem que vencer são a ignorância e o preconceito de um público que não é o seu público inicial, não é diminuindo preço que dá resultado. Preço apetece quem já conhece e gosta da parada, e claro, é necessário manter esse público, mas o grosso do trabalho é muito mais de divulgação, tirar dúvidas e ensinar o público do que tirar dinheiro dele.
80 pila num ingresso assusta o cara? Óbvio. Mas sabe o que assusta mais, e que é a pergunta de verdade? “Você quer pagar 80 reais pra ir assistir algo que você nunca se interessou, que as pessoas próximas de ti não se interessam, que há chances de você não gostar mesmo indo com a cabeça aberta, e que ainda por cima tem toda um ar de desprezo por quem é leigo?”. Você que vá tomar no seu cu, eu vou assistir Jurassic Park.
Então o problema não é o teatro em si, mas sim essa ideia de que as coisas tem que ter o mesmo valor pra todo mundo, e que todo mundo deve reverência à uma forma de arte simplesmente porque ela existe. E quem causa isso não é uma peça, mas sim que faz teatro, de gente que tá em cima do palco até gente que distribui panfleto na rua. Eu sei que não são todos, mas pros que são (E são muitos): Cês são um pé no saco; vocês tão matando o teatro; vocês afastam o público sem nem mesmo dar a chance de este tentar gostar do teatro.
Tem um teatro literalmente na frente de onde eu moro, eu gosto de teatro, e ainda assim eu não fui assistir o treco porque tem gente que literalmente espera que eu pague o triplo de outro programa (E pior, o triplo de outro teatro) só porque o tal teatro fica num lugar badalado, porque é um teatro cult, porque tem peça independente. Você que fique com a sua arrogância e empáfia pra você, eu não devo à ninguém, e muito menos à alguma coisa, absolutamente nada. E de tudo que esse tipo de gente espera de mim, a que custa menos é o dinheiro.
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