Avenida Dropsie: A Vizinhança (Devir)
Você gosta de quadrinhos? Bom. Gosta de Will Eisner? Melhor ainda. Não gosta? GTFO SEU HEREGE.
Tá, não sou um fã tão débil mental assim. Mas a verdade é que considero os trabalhos do Eisner melhores do que muita merda que se faz no meio dos quadrinhos; uma única estória como essa que tratarei hoje consegue ter uma riqueza e uma preciosidade incomparáveis às centenas de revistas sobre universos paralelos de heróis com a cueca por cima da calça, seja da DC, Marvel ou sei-lá-o-quê. Não me entendam mal, eu não tenho nada contra os caras esquisitos que combatem o crime. Em verdade, gosto muito do Batman, mas enfim. O que estou dizendo é que desde a época de criação da maioria destas grandes personagens, muita porcaria já se fez com o nome deles. Vou numa loja de HQs e lá vejo todas as revistas fúteis e sem sentido que não contribuem em nada para quem lê; são peças na estante, vazias.
Mas não é assim com William Eisner. Nunca foi. Certo, ele também teve seu momento de estórias rápidas, de combate ao crime, com o Spirit. Mas mesmo o herói mascarado era diferente: Remetia ao noir, tinha um charme. E os outros heróis do Eisner? Bom, eles eram gente, pessoas normais. Estavam inseridos em um contexto, na História. E aqui está uma peça fundamental dos melhores trabalhos de Eisner: A História, com H maíusculo e i. Em Avenida Dropsie o autor vai até um pouco depois da metade do século XIX contar a saga daquele lugar, uma avenida, que é fictícia, mas contém a realidade. Vou explicar, por favor, siga-me ao próximo parágrafo.
Há uma área em Nova Iorque, limitada pelos rios Bronx e Harlem. É o sul do Bronx, lugar cheio de “vizinhanças”, de onde veio Will Eisner. A inspiração para Avenida Dropsie, portanto, vem da própria vida do autor; ela é a sintetização da vida naquela área que Eisner conheceu tão bem; é a reunião de várias histórias, que saíram da cabeça do autor, mas provavelmente foram inspiradas em acontecimentos reais. Como eu disse, a História é um componente básico do que Eisner escrevia. Você acha que História é só uma matéria chata na escola? Acha que ela não serve pra nada? Parabéns, você é uma besta.
Também preciso dizer: As memórias que formam a Avenida Dropsie se transformam numa verdadeira saga durante toda a leitura. Somos trazidos pro mundo que Eisner recorda, composto de imigrantes que têm diferenças entre si, de bandidos, famílias tentando sempre ter uma vida melhor, apesar de estarem presas em uma vizinhança pobre. A verdade é que a maioria destas epopéias de arte seqüencial criadas por Eisner revolvem em torno de memórias e da História, mas só em Avenida Dropsie (Dos livros que eu li) é que há essa continuação; há um início, com a segunda onda de imigrantes aos Estados Unidos (Em 1870, pra ser exato, ano em que a revista começa), até aproximadamente os anos 90, quando o trabalho foi publicado. É um intervalo de 120 anos, onde vemos a formação, florescimento, queda e renascimento da Avenida Dropsie, os conflitos, as mudanças, e tudo, apesar de fictício, inserido nos seus devidos contextos. A Avenida passa pelos imigrantes de século XIX, do início do XX, a queda da bolsa em 29, as guerra, as transformações dos anos 60, a troca de gerações…
A sensação que tenho quando leio Avenida Dropsie é a de que estou sendo conduzido mesmo por um caminho: Primeiro, vemos um lugar “puro”, com pouca gente, para onde cada vez mais famílias iam se mudando. Depois, aquilo se transforma em um subúrbio violento que se destrói aos poucos, até que um dia toda a vizinhança se vai. E, mais uma vez, casas são cosntruídas, pessoas se mudam… É o caminhar do tempo. E durante tudo isso, somos apresentados a varios dos personagens que lá estiveram: Desde o imigrante irlandês, o imigrante judeu, ao negro tentando escapar do racismo…
O maior mérito de Eisner foi condensar várias vidas e acontecimentos através de mais de um século, mostrar o nascimento, queda e renascimento de um local – e tudo baseado em suas próprias memórias e bastante pesquisa.
Sinceramente, nada mais a declarar. Só lendo. E eu recomendo, bastante.
Avenida Dropsie – A Vizinhança
Dropsie Avenue: The Neighborhood
Lançamento: 1995 (no Brasil, 2009)
Arte e Roteiro: Will Eisner
Editora: Kitchen Sink Press (No Brasil, Devir)
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