Biografias e Como se sentir mal sobre si mesmo
O natal veio e passou e 2017 ainda tá aí, se arrastando lentamente ao seu fatídico final… Aposto que cês achavam que depois de 2016 as coisas não poderiam ficar pior, né? Pois não só ficaram, mas ficaram piores e com o pau pra fora.
Falando de pau pra fora, eu tô lendo a biografia dos Beatles.
Dentre o meio milhão de biografias dos Bitous por aí a que eu tô lendo é a de Hunter Davies, escrita originalmente em 1968 e hoje tão orgulhosamente marketeada como sendo a única biografia autorizada dos Beatles. Só tem dois tipos de biografias que valem à pena ser lidas: As autobiografias e as biografias não autorizadas.
Maaaaaaaaaaas como não se olha os dentes de cavalo dado, tamos aí. A versão atual e que eu tenho, de 2009, conta com uma introdução de SETENTA E SETE PÁGINAS. Introdução essa que, basicamente, o próprio autor disse que deixou mais da metade do conteúdo que tinha de fora do livro e que mesmo assim teve que cortar um monte de coisa porque um monte de gente se doeu quando o bagulho ia ser lançado: Quem tem cu tem medo.
E porra, eu ainda não terminei de ler o livro, mas fica aí a impressão: Era 1968, o mundo era hippie e, nos anos que se seguiriam, aconteceriam revoluções sociais de tipos que nunca tinham sido vistas até então… E tavam lá os Beatles sendo os Beatles, aquela banda que o seu tio gosta porque era descolado na época dele e que os hipsters gostam porque as camisetas têm bom design.
Essa coisa toda me deixou pensando em quão arcaico, e ao mesmo tempo vital e contemporâneo, é fazer uma biografia… É muito humano. Porque botar a vida de alguém no papel (Ou a sua própria) é um treco tão completamente irrelevante que só poderia dar certo: É uma forma de reflexão, uma forma de comparação entre a vida retratada no livro e a vida do leitor, e que inevitavelmente só pode dar errado pro leitor uma vez que só existe biografia de gente bem sucedida ou de gente desgraçada… No caso desta última a coisa toda vira uma competição de ver quem é melhor em ser um derrotado.
Sei que esse parágrafo anterior tem toda uma cara de azedume típico, mas juro que estou perfeitamente tranquilo enquanto o escrevi e escrevo estas linhas: Uma biografia é um relato totalmente parcial de parte da vida de alguém. É, por definição, uma seleção dos (Supostos) fatos mais importantes e mais interessantes de ser contados, que têm como única função o marketing pessoal. E isso vale pra biografia de gente morta também, mesmo que à primeira vista isso pareça contraditório: É sobre a criação de um mito, uma personagem que teoricamente existiu de verdade… Quem quer deixar um legado pro mundo não fala de si mesmo, e quem quer ter uma recordação da vida de alguém não procura editora.
Uma autobiografia é, acima de tudo, um exercício ao próprio ego, e uma biografia é ou uma tentativa de denegrimento ou de puxar o saco de alguém… A diferença de mérito entre as duas é que pelo menos as biografias dizem o nome de seu verdadeiro autor.
Dito isto tudo, vale ressaltar que eu não tenho nada contra biografias aliás tenho vários amigos que são biografias já que a graça da parada é realmente ver o que uma pessoa pensa (Ou faz de conta que pensa) da própria vida ou ainda como alguém vê a vida de outra pessoa: É um exercício de reflexão, comparação egoísta sim, e tudo bem. Sério, tudo bem. Isso faz parte da vida, e isto seria muito meta se não fosse realmente o ponto central da coisa toda: Biografias servem para comparar a vida das pessoas, já que é assim que se constrói um processo evolutivo social (E, com sorte, pessoal).
Você muito provavelmente já leu em algum lugar um texto que dizia que as redes sociais e a maior disponibilidade de informações pessoais na internet faz com que as pessoas tendam a ser mais infelizes porque passam o tempo todo comparando suas vidas com uma realidade fictícia criada para o mundo digital olha só, e sem nenhuma vírgula!. Bem, é isso mesmo: Ou cê aprende a mentir na internet também ou sai dela e vai fazer alguma coisa com a tua vida. É assim que a parada funciona, é assim que sempre funcionou; o que a tecnologia mudou é que cê agora tem uma gama maior de gente com quem se comparar… Caso cê não goste, basta escolher o caminho mais fácil: A porta tá logo alí, basta tocar a campainha e cortar os pulsos que já vem alguém te buscar.
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