Boyhood – Da Infância à Juventude (Boyhood)
O filme narra a vida de Mason (Ellar Coltrane) da infância até o início da juventude.
Sério, essa é a sinopse. E, é uma das poucas sinopses que fazem jus ao filme em si, porque se você espera qualquer coisa além disso, se fodeu.
Eu estou parada na entrada da sala, paralisada por sua beleza e a doce antecipação do que está por vir. A chama familiar entre nós está lá, provocando devagar na minha barriga, me chamando para ele.
— Hmm… Esse vestido, — ele murmura com aprovação, enquanto olha para mim. — Bem-vinda de novo, Senhorita Steele, — ele sussurra, apertando meu queixo, ele se inclina e me dá um beijo gentil nos meus lábios. O toque de seus lábios nos meus reverbera em todo o meu corpo. Minha respiração falha.
— Oi, — eu sussurro enquanto ruborizo.
Sim, isso é 50 Tons de Cinza. E agora que deu o tamanho certo pro fim da imagem aí do lado, vamos ao que interessa de verdade.
(Eu fui procurar um trecho do livro pra botar aí pra ocupar espaço e MEU DEUS, a vergonha. E isso vindo de quem lia contos eróticos).
Boyhood é a sua vida, num filme. Reúne dias memoráveis, acontecimentos importantes, fatos esquisitos que você nem sabe por que se lembra, os problemas por qual passou… São quinze minutos, de fase em fase, que acabam por formar os anos, e então sua vida.
Nesse meio tempo há o que há na vida de quase todo mundo: A família, os amigos, pessoas importantes… E o resto do mundo. Boyhood, como o nome indica, é sobre Mason, desde quando ele tinha 7 anos, em 2002, até os 19, em 2013, e tudo que se tem no filme é o que Mason, única e exclusivamente, teve em sua vida. Tudo que Mason não teve, não viu, não entendeu, ou não está no filme, ou fica divido, com o espectador sabendo o que aconteceu, mas Mason não, e as consequências disso em sua vida.
O filme abre com a situação bem definida: O pai de Mason (Ethan Hawke) está no Alasca, já divorciado de sua mãe (Patricia Arquette), e até certo ponto tem estado fora da vida dos filhos há uns anos, voltando a participar dela aos poucos. Boyhood narra a vida, então não poderia deixar diferente, acompanhando cada mudança na vida de Mason e das pessoas ao seu redor, mas através dos olhos do primeiro. Uma surpresa pra mim foi ver que o papel do Ethan Hawke era menor que o da Patricia Arquette, mas é um tanto óbvio: Numa separação, normalmente os filhos ficam com a mãe, e esta faz mais parte da vida das crianças que o pai. Assim a personagem tem um maior tempo de tela e um maior desenvolvimento: Nunca dei muita bola pra Patricia Arquette, mas ela manda bem pra caralho aqui… Aliás, todos mandam, ainda que possa-se argumentar que, no começo, as crianças não atuavam mas apenas reagiam… Normalmente eu concordaria. Só normalmente.
Pesquisando sobre o filme, se encontra várias coisas que acabam por torná-lo melhor: Samantha, irmã de Mason, é a filha do diretor Richard Linklater, Lorelei. O Linklater e o Ethan Hawke não só são amigos há anos como ambos já fizeram outros filmes que trabalham com essa questão da passagem real de tempo, a trilogia Antes do Amanhecer/Pôr do Sol/Meia Noite. O pai do Ellar Coltrane aparece no filme, como extra; as cenas nos jogos de futebol americano e baseball foram gravadas em jogos de verdade; e há vários outros extras e pequenas cenas que são repetidas de outros filmes do diretor. O carro do pai de Mason é, na verdade do Linklater, e o Black Album dos Beatles, que Ethan Hawke dá para Mason foi feito realmente pelo Ethan Hawke para sua filha, para ajudá-la durante a separação dos pais. Aliás, tanto Ethan Hawke (Ethan Hawke é um daqueles caras que você tem que chamar pelo nome completo, e isso fica chato pra caralho num texto) quanto a Patricia Arquette se divorciaram, casaram novamente e tiveram filhos na vida real: Boyhood é sobre a vida real em mais níveis do que pode parecer possível.
Assim chegamos ao ponto central de Boyhood: Identificação. Assisti esse filme com o meu melhor amigo, e a gente se conheceu aos quatro anos de idade, sendo um pouco mais velhos que o Mason. Uma arredondada aqui, outra alí, um pouco de concessão e a coisa que mais falamos desde o começo do filme:
Boyhood representa.
O Gameboy, DBZ, as bandas populares, fatos e acontecimentos na vida de toda criança e de todo garoto, e, conforme o tempo avança, maior percepção do mundo, novos interesses, problemas maiores e mais complicados. Não vou negar: Boyhood deixa muita coisa de lado por se limitar à Mason, mas muita coisa mesmo, principalmente no que tange à irmã de Mason, Samantha, mas ainda assim, com todas as diferenças (Não só gênero, mas idade, ambiente, país, cultura, etc.), ainda há identificação. Você ainda vai ver o trecho do filme que se passa, sei lá, em 2006, vai lembrar de como era a vida naquela época (Nove anos, galera!) e vai concordar com o filme.
E é aí que entra a produção do filme, os fatídicos 12 anos: Não poderia ser diferente. Só vivendo um período é que se pode retratá-lo fidedignamente, e o filme fez isso por mais de uma década. De novo, ainda delimitada por Mason, mas abrangendo, a visão do mundo de sua mãe, pai, irmã, amigos, amigos dos pais, as novas famílias dos pais, suas namoradas… É sim uma visão filtrada, mas o filme faz questão de mostrar que essa filtragem gera problemas para o próprio Mason.
Portanto, como é assistir um filme que se passa por 12 anos em todos os sentidos possíveis? Natural. Simplesmente natural. Porque envelhecer é natural, e viver também, e isso significa que as coisas mudam. Mudança e identificação. Eu só não passei batido pelas mudanças ano a ano do filme porque já sabia que o filme seria assim e estava caçando-as, caso contrário, provavelmente nem notaria. Porém deve ser absurdamente estranho para os atores verem o filme: Você, que assiste normalmente, vê o Ethan Hawke e a Patricia Arquette tendo mais rugas, vê o Ellar Coltrane e a Lorelei Linklater crescendo e a dinâmica entre os dois irmãos mudando bastante, e isso é comum, mas para eles é literalmente uma década da vida registrada para o mundo inteiro, de um jeito que eles próprios e mais ninguém no mundo já fez… Isso deve dar um nó foda nos miolos, mas daqui há quarenta, cinquenta, sessenta anos é o tipo de coisa para se rever, naquele momento crítico de olhar para trás e avaliar a vida que teve.
Boyhood termina com um final aberto, num diálogo literal sobre como, dalí pra frente, há milhões de possibilidades. O filme teve a pretensão de tentar mostrar doze anos da vida de Mason (E mais um pouco da vida de cada um ao seu redor), e obviamente isso não dá para fazer, porque 12 anos são, bem, 12 anos. Isso dá 4383 dias, 105192 horas. O filme tem pouco menos de três horas, e a verdade é que, mesmo sendo longo, eu facilmente assistiria por mais tempo. Eu queria que o filme tivesse mais tempo, justamente para fechar as várias e várias e várias pontas soltas.
Então eis o segundo grande problema aqui: Como o filme é a visão de Mason, muita coisa se perde, e nunca sabemos o que aconteceu… O problema não é a ignorância, é o filme ser justamente feito para ser assim. Boyhood se passa entre os décadas de 2000 e 2010, sobre a vida de um garoto comum, do interior dos EUA, basicamente de classe média (Ou o que nos parece, brasileiros, a classe média) que, se se esforçar, pode ter um bom futuro pela frente. O filme foi feito para ser, de uma forma geral, genérico. Boyhood tem o apelo que apenas o geral pode dar, não entrando em nenhuma grande diferença de uma vida comum: Há sim coisas que Mason faz e/ou passa que muita gente não experimentou, mas afinal de contas ainda é um filme, ainda tem que ter história, e ainda que genérica, deve-se abranger o maior público possível. Boyhood representa, mas não tudo.
Chega então o final do filme, e o sentimento é um só: Faltou alguma coisa. E isso se dá, principalmente, por conta do final meio sem graça, mas aí você para para pensar e se dá conta de que Boyhood é um filme sobre a vida de Mason, do momento em que ele nota que sua família, formada pelo pai, mãe e a irmã, já não existe mais, até o momento em que ele vai começar uma história solo, mesmo que sem abandonar algumas das coisas que conseguiu ao longo daqueles 12 anos: Boyhood é sobre transição. E transição significa que os grandes momentos, aqueles que não apenas você ou os muito próximos vão notar, mas que todo mundo vai notar, ficam de fora.
Boyhood não tem um grande momento, nem mesmo no fim, e faz falta. Este é o terceiro grande problema do filme: Ele é um filme. Mesmo contando uma vida, mesmo sendo feito por 12 anos, mesmo se esforçando ao máximo para contar uma história completa (E todas as incompletas que a rodeiam), Boyhood é um filme, e filmes precisam de grandes momentos. Aqui não tem nenhum, e apesar de não estragar a experiência, ou melhor, as inúmeras pequenas experiências, o primeiro pensamento durante os créditos é “foi só isso?”.
A vida não é só isso, mesmo que por algum tempo, seja. Um filme não pode se dar à esse luxo.
Acreditem quando digo que faz total e completo sentido o filme ser como é: A sua razão vai te dizer isso e, depois de um pouco de Kübler-Ross, você vai saber que é verdade, mas a experiência e o sentimento que isso causa, que são, no fim das contas, o âmago de Boyhood, saem prejudicados: Pretensão, genericidade e ser um filme.
E ainda assim é incrível. Ainda assim você deveria assitir, e provavelmente assistir mais de uma vez. Ainda assim, Boyhood é único, e, se você deixar, pode ser uma daquelas experiências que se leva para a vida toda: O poder que vem com o conhecimento, a possibilidade de conhecer a vida de alguma pessoa, vendo dos erros e acertos, os bons e maus momentos e, quem sabe, se dar conta de que, até certo ponto, é o filme sobre a vida de todos nós, usando a vida de tanta gente para isso… Eu dei três horas da minha vida pra esse filme, e valeu à pena. E sei que daqui há quarenta, cinquenta, sessenta anos vou dar outras três horas, e vai ser ainda melhor.
Boyhood – Da Infância à Juventude
Boyhood (165 minutos – Drama)
Lançamento: EUA, 2014
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater
Elenco: Ethan Hawke, Patricia Arquette, Ellar Coltrane e Lorelei Linklater
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