Censura do Bem
O assunto hoje é um que há tempos me incomoda nessa internet de meu deus: Como, cada vez mais, vem se tornando “tudo bem” censurar contanto que o discurso censurado seja “feio”. Falo, é claro, do “discurso de ódio“. Pois é, eu sou à favor do discurso de ódio.
Não consegui achar o autor da imagem acima nem quando ela foi originalmente feita, então não sei seu real contexto, mas pra mim ela exemplifica muito bem uma coisa: Como controle fere a liberdade. É meio óbvio falando assim, mas a verdade é que vivemos numa época em que controle é parte normal do nosso dia a dia, nossa sociedade, vários dos nossos valores morais e culturais, nosso relacionamento com a tecnologia. Controle, para nós, virou sinônimo de opção: Você precisa do controle remoto da TV para poder escolher entre o canal 56 e o 78.
Em Matrix, o Arquiteto diz para Neo que as primeiras versões da Matrix falharam porque as pessoas não tinham opção, primeiro num mundo sem problemas, depois num mundo cheio deles, e que o que finalmente permitiu ao mundo virtual ser estável era a escolha de fazer parte daquela simulação, mesmo que a escolha fosse feita subconscientemente. Claro que, sejam livros ou filmes, todos eles são comentários e debates acerca do mundo real, mas diferentemente da ficção, no mundo real é impossível dizer onde exatamente começam e terminam nossas escolhas, bem como como tais escolham são feitas.
A partir do Android 6.0, os aplicativos ganharam um novo sistema de permissões, nas quais elas são compartimentadas: Você pode aceitar que um aplicativo acesse suas fotos e vídeos, por exemplo, mas ao mesmo tempo negar que ele acesse sua localização GPS. Certas funções obviamente serão modificadas ou não funcionarão, mas é uma possibilidade que não impede o funcionamento do aplicativo por completo. Isso é muito, muito legal. Mas o Android como sistema operacional tem seus próprios termos de serviço. E nesses aí não tem customização nenhuma, é a mesma escolha de sempre: Aceite e siga em frente ou negue e fique sem.
Esse fato se baseia num princípio muito simples de que, para prestar um serviço ou disponibilizar um produto, há critérios que devem ser estabelecidos para que o usuário não impeça o serviço ou produto de fazer o que tem que fazer. Em outras palavras, é meramente lógico que uma empresa (Ou mesmo uma pessoa física) diga que, se certos critérios não forem respeitados, não há acordo. Faz total sentido, mas por outro lado abre uma brecha enorme que permite a total eliminação do diálogo, da negociação e, por fim, de meios termos comuns à ambos os lados. É a história do controle remoto novamente.
Não se preocupe: Isso aqui não é conversa de revolução socialista nem de anarquia. Não, é sobre o fato de que nós, como sociedade, nos acostumamos e permitimos viver num mundo em que apenas os extremos existem. Falo politicamente sim, e socialmente, economicamente. Falo, acima de tudo, de conforto.
Eu gosto de me foder, essa é a real. Eu tenho minha parte de masoquismo e sadismo. Gosto de reclamar também, e pra isso eu preciso ter sobre o que reclamar. Não sou mais adolescente, mas gosto de ficar puto com alguma coisa de tempos em tempos. Faz bem pra minha pele. E pra minha cabeça. Sou um falso-cardíaco: Só infarto por gordura, jamais por estresse. Gosto de debate, de argumento, de discussão. Não precisa nem fazer sentido e nem ter lógica pra falar a verdade: A experiência da oposição me agrada tremendamente. Do contra por hobby.
De forma ligeiramente mais edificante, gosto de ver o mundo de jeitos que eu mesmo não vejo. Isso não significa que eu goste de viver o mundo de jeito diferente: Chame de hipocrisia, se quiser, eu chamo de pesquisa.
Pesquisa requer informação.
Eu quero informação. Preciso de informação. Eu não quero um mundo uniformizado; não quero que outras pessoas vivam o mundo como eu vivo, eu sou um merda. Mas sou curioso, tenho a sede de conhecimento humana, tenho a esperança de que talvez seja possível saber tudo no fim das contas, e consigo arranjar tempo livre o suficiente pra exercitar isso tudo. Mas eu não consigo pesquisar sem informação. Nem ninguém consegue, não sem comprometer fundamentalmente os resultados da pesquisa: Inutilizados antes mesmo de começar.
O que significa que se eu quero viver o mundo do meu jeito eu tenho que conhecer, mesmo que pouco, o mundo das pessoas ao meu redor, e eu não tenho como fazer isso se essas pessoas são caladas, ostracizadas e renegadas porque elas não se encaixam com o resto do mundo.
Os membros da Klu Klux Klan são uma minoria tanto quanto pessoas transgênero e eu quero ouvir ambos.
Eu quero tudo, sem filtro, sem porém, sem censura.
Eu já fui racista várias vezes, procuro não ser; eu estou perfeitamente bem com meu gênero: Não é meu mundo, nenhum dos dois, mas eu quero ouvi-los.
Com os xingamentos, os erros de grafia, a misoginia, a ignorância, a falta de educação, os falsos argumentos, a violência. De ambos os lados sim. Isto não é sobre culpa, é sobre espaço: Eu quero espaço para ambos. Nem menos oportunidade, nem mais perseguição, eu só quero espaço.
Talvez isso seja algo extremamente babaca de se dizer, mas eu quero sim a posição de observador que não interfere nos ocorridos, quero a liberdade de imprensa de falar sobre ambos, com ambos, ao lado de ambos. Quero poder concordar e discordar de detalhes sem ser taxado de “pró” ou “contra” pelo simples fato de que eu não acredito que alguém neste mundo esteja sempre certo ou sempre errado. Não acredito em Bom e Mau, mas acredito sim que todo mundo, todo mundo mesmo deva ter a oportunidade de falar e fazer o que quiser.
Porque, caso contrário, o mundo fica mais e mais uniforme, mais e mais indiferente (Não, eu não usei essa palavra do jeito errado) e menos e menos interessante. Eu não quero viver nesse mundo, não quero que as pessoas vivam no meu do mesmo jeito que não quero viver no de ninguém: A diferença nos mantém sãos, produtivos, capacitados e vivos. Eu estou muito, muito, muito bem sendo um idiota ignorante. Mas eu quero ser menos idiota e ignorante, e isso só é possível quando o mundo não é igual.
Então sim, eu sou à favor do discurso de ódio. Eu sou à favor de qualquer discurso. Ações têm consequências, claro, basta enfrentá-las de cabeça erguida, mas por tudo que é mais sagrado, fale o mais alto que conseguir. Pro maior número de gente, o mais rápido possível.
E se…?
Der errado? Der briga? Achar gente que concorda? For usado pra organizar violência? Promulgar preconceito? Se for mentira? Se estiver errado?
E daí? Porque tá aqui a verdade: Não é “se”, é “quando”. Vai complicar as coisas, vai atrasar programações, vai mudar planos. Faz parte. E esse “faz parte” não é aquela expressão pra “isso não tem como mudar, então não tem porque se preocupar”, é o “faz parte” que diz que inevitavelmente brigas vão acontecer, discordâncias vão acontecer e erros serão cometidos, mas é parte do processo. Não é subjugação ao inevitável, é saber que coisas estão acontecendo. E que quando esta batalha terminar, a guerra terá avançado.
https://www.youtube.com/watch?v=zSufJgCXwnw
Em Fahrenheit 451, o personagem principal é um bombeiro responsável por queimar livros, porque livros contam histórias tristes, contam mentiras, dão ideias: Livros são inúteis, porém perigosos, que distraem as pessoas do que importa de verdade ao mesmo tempo em que as fazem questionar o mundo ao seu redor. Em certos aspectos, Fahrenheit 451 é um meio termo entre 1984 e Admirável Mundo Novo, ainda que com um escopo menor e mais especializado. De um jeito ou de outro, os três livros tratam de controle, seguir padrões, psicologia de massas e censura.
Censura é errado.
Mas tá tudo bem se for contra o racismo. Tá tudo bem se for contra o maltrato de animais. Tá tudo bem se for contra o Isis, contra o estupro, contra o aborto, contra instruções de como fazer uma bomba caseira, contra a venda de remédios controlados, contra o tráfico de drogas, contra a pedofilia.
Sob um manto de direitos humanos, proteção ao meio ambiente, respeito ao próximo, vale toda e qualquer censura. Porque aí não é “discurso”, é “ódio”, é “aliciamento”, “incitação”, “apologia”. Se é chato, e feio e aborrece alguém não pode. Porque chorar não pode, porque a vida precisa ser confortável e facilitada, afinal não nascemos em pleno 2017 pra viver como em 1945, e se você ofende alguém você está errado.
Eu quero te ofender. Eu quero que você chore. Eu não quero queimar negros em fogueiras, cortar o clítores de mulheres, traficar pássaros raros em meias, estuprar moradores de rua e nem fazer granadas com pregos, mas sim, eu quero poder escolher fazer tudo isso. E eu quero falar sobre cada uma dessas coisas abertamente e sem medo de represália, porque no meu mundo você pode viver a vida que você quiser, contanto que você tenha a dignidade de levantar a mão quando chamam o teu nome. Porque informação é o que separa estupidez e burrice da ignorância. Só a ignorância tem cura.
Talvez, em dez anos, minha vida mude completamente e aí eu tenha em minhas mãos todas as informações possíveis para criar pânico, causar mortes, destruir símbolos e atacar a moral, a ética e o decoro familiar. Talvez daqui dez anos eu, ou você, ou qualquer outra pessoa nesse mundo seja “um perigo para a sociedade”, talvez, num futuro sem censura, o mundo esteja cheio de monstros. E vai ser ótimo, porque foi por escolha, porque foi de propósito, pensado e considerado. Porque num mundo de heróis não há ninguém que valha a pena salvar.
Este aqui, muito provavelmente, é o que se pode chamar de texto “ideológico”, já que eu defendo um posicionamento de um conjunto de ideias e opiniões, e as apresento de forma romantizada para atrair a atenção do leitor… Pra quê? Eu acredito que cada pessoa nesse mundo merece a oportunidade de viver a vida que quiser e que pra isso cada pessoa precisa de uma formação, de uma base ampla o suficiente na qual basear seu modo de vida. Que essa base possa ser expandida em qualquer direção, mas que o que importa é o que você faz com ela. Tem muita, muita gente nesse mundo que acredita que, nem eu, nem você, nem ninguém nesse mundo é capaz de cuidar da própria vida. Que é muito perigoso ter informação que talvez cause problemas pra outras pessoas. Que dar as mãos e não pensar no que não está na lista de material aprovado é crime. Isto aqui não é ideologia, é liberdade. Mas querem te fazer acreditar que uma cela acolchoada é melhor pra você.
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