Como os jogos de celular estão destruindo o próprio mercado
Eu não tenho um console da nova geração e meu computador já tá velho e acabado, então vocês que estão antenados nas mais novas ondas do mundo gamer atual me digam: Os jogos “hardcore” tão tão chatos quantos os de celular?
Graças ao meu computador, meu PS2, minha falta de saco e minha falta de tempo, eu, que já fui um desbravador, um heroi entre a plebe, um mito, hoje me vejo reduzido à um jogador casual, e para isto eu conto com meu fiel celular. Não que ele seja dos mais modernos e potentes também, com quase quatro anos de vida é quase uma relíquia, mas é rápido pra jogar, simples, não requer tanta dedicação assim e, de forma geral, o sentimento de recompensa por algo feito no jogo é quase que instantâneo.
A bola da vez é King of Thieves:
Um multiplayer online, em que você vai competindo em rankings contra os outros jogadores, roubando suas pedras preciosas e dinheiro, se defendendo da melhor forma que puder e assim chegando, quem sabe, ao título de rei dos ladrões. A melhor parte do jogo? Basta ganhar a última liga (De um total de 14) e você se torna de fato o rei, ao menos até a liga começar de novo. A jogabilidade é bem simples: Tudo que você faz é pular. Pula certo e você chega ao seu objetivo, pule errado e você morre e começa de novo. O jogo em si é bem legal, primeiro porque é fácil de jogar e segundo porque você compete indiretamente com outros jogadores, o que faz com que a recompensa de derrotá-los está lá, mas sem a loucura dos MMOs, por exemplo.
O problema é que King of Thieves conta com o mercenarismo dos jogos atuais: Você tem dinheiro, que pode ser ganho roubando de outros jogadores ou cumprindo missões e tem a moeda exclusiva (Os orbes azuis), que à bem da verdade é distribuído em boas quantidades de graça (Achievements, ao tentar abrir o cadeado de outros jogadores, ao vencer uma batalha entre guildas, etc.), num nível muito maior do que já vi outros jogos fazerem, mas esta também pode ser comprada… E com o dólar à quatro pila, já viu o preço. É claro que esse dinheiro “exclusivo” compra melhores coisas, mas você pode se virar sem ele: Só vai levar mais tempo, mais habilidade e mais sorte (Dentro da medida que se pode dizer que nesses jogos é realmente uma questão de sorte, e não de algoritmos pré definidos).
Não, o problema de King of Thieves são as chaves (“Grampos”) que você tem que ter para tentar abrir o cadeado de outros jogadores e então entrar em suas masmorras para tentar roubá-los: Essas chaves são recuperadas com o tempo, mas a real é que você as esgota fácil fácil… Você pode usar orbes azuis para recarregá-las… Ou diretamente com dinheiro de verdade… Ou assistir um vídeo-propaganda e ganhar algumas chaves extras.
https://www.youtube.com/watch?v=JpGEPP1CbXA
E MEU DEUS, como é irritante o que os jogos pra celular são atualmente.
Essa de ver propaganda pra ganhar itens não é novo, e muito menos é todo o resto, mas estamos em patamares diferentes agora. Enquanto que quem joga no computador ou nos consoles reclama de DLCs pra tudo, o mundo dos jogos de celular vive uma era de “pagar pra ganhar” que não mostra indícios de parar. Muito pelo contrário: Há anos os jogos para celular são os mais bem divulgados e mais rentáveis jogos no mundo. O que antes nego gastava em World of Warcraft, uma série que, goste ou não, é gigantesca e bem produzida, agora gasta com jogos inacabados e casuais: O que se gastava em jogos que duravam anos, com atualizações e adições reais de conteúdo, agora gasta-se com jogos que a galera joga no metrô, indo de casa pro trabalho. Não tenho nada contra jogar no metrô, aliás acho ótimo esta facilidade, mas é diametralmente oposto gastar X dinheiro num jogo que consome doze horas do seu dia e a mesma quantia num que se joga por 15 minutos entre baldeações.
E mais: Você não ganha. Você nunca ganha. Não porque não há um final ou porque haverá mais conteúdo na próxima atualização, mas porque se você não gastar dinheiro de verdade comprando dinheiro de mentira, você perde. Há jogos que literalmente te fazem ganhar MIL VEZES a mesma quantia de recursos que ganharia caso jogasse a versão grátis. King of Thieves é igualmente safado, mas ao menos te dá uma roupa exclusiva caso você, de fato, ganhe a parada. O problema é que ao passo que você pode sim jogar de graça, não pode jamais avançar no jogo sem pagar: Um DLC é inacessível caso não seja adquirido, mas os jogos pra celular coagem à comprá-los para permitir que você avance, sendo que não há um objetivo máximo à ser alcançado.
Não bastasse esse “pague para”, os jogos de celular hoje passam em larguíssima escala o que a maioria das gerações dos consoles já passaram e que só vem diminuindo graças à queda do setor e da dificuldade crescente de lançar jogos em consoles: A inundação de títulos absolutamente iguais.
Entre em qualquer loja de aplicativos, seja da Apple, Google, Microsoft, tanto faz: Eu corto meu pau fora se você não ver milhares e milhares de jogos exatamente iguais uns aos outros. Tem empresas que literalmente só fizeram um jogo, apesar de dizer o contrário. Eu te desafio agora mesmo à ir numa dessas lojas e pesquisar por “clash“.
O mercado atual de jogos de celular se resume à cópias de Bejeweled e esse jogo estúpido de “estratégia” de batalha entre cidades. E cópias de Flappy Bird. E cópias do mesmo jogo de boliche, do mesmo jogo de golfe, do mesmo jogo de tiro… O que muda é a aparência e os nomes, os jogos são absolutamente todos iguais em suas mecânicas, suas capacidades e suas estratégias pra arrancar dinheiro de otário.
Não tem criatividade nos jogos pra celular. Não tem boas histórias, novas experiências. Tem gente que diz que video game é arte e culpa Call of Duty por acabar com a magia da coisa toda, mas a plataforma mais utilizada e mais rentável da indústria toda está estagnada num formato estúpido (Porém extremamente efetivo) de negócio.
Pouco à pouco deixa de existir prazer em jogar no celular: Há somente vício.
E um vício lucrativo pra porra. E se querem sinceridade, eu quero que quem participa disso que se foda. O dinheiro é seu e você gasta com o que quiser; meu problema não é esse, meu problema é que o celular jamais será uma plataforma respeitada enquanto as coisas continuarem assim. Caso você seja do tipo estúpido de engajado social: O mercado de jogos pra celular é a Globo, e quem faz propaganda da novela é a Veja.
Eu não acredito que, algum dia, o celular seja uma plataforma dedicada aos jogos como é o caso dos consoles, computadores e portáteis, e o motivo é simples: Um celular pode ser capaz de fazer tudo, tudo mesmo, mas acima de tudo ainda é um telefone. Um PlayStation pode rodar Blu-ray, um computador pode ter Netflix e um Gameboy DS pode tocar música, mas antes de tudo são plataformas para jogos. E eu sei que há muita gente e vários e vários jogos que tentam sim trazer uma experiência de um jogo “tradicional” para o celular, só não acho que vá dar certo: Celular é um telefone que serve para jogadores casuais, independente de como esses jogos sejam.
“Indie” não funciona no celular. Há uma quantidade gigantesca de jogos indies nos celulares, sendo que publicar um jogo num celular é mais fácil que fazê-lo em outra plataforma, mas o negócio não vai pra frente. É muito fácil culpar os triplo-A e seus milhões em desenvolvimento, mas a real é que um jogo custar caro só significa que ele custa caro: O público da plataforma não quer saber do seu joguinho sentimental sobre uma libélula órfã que, na verdade, é uma metáfora para o consumismo. Foda-se você e o seu café de grife: Tirar o celular do bolso e gastar o dinheiro da recarga do cartão de ônibus em um novo estábulo nível 17 é muito mais legal.
E é mesmo, porque o jogo está alí, está pronto. Não tem chororô por falta de verba, porque o mundo é injusto e nem porque um jogo com mais texto que interação não deu certo. Um jogador casual não liga a mínima pros problemas que um desenvolvedor teve: Contanto que ele continue indo melhor que as demais pessoas no mundo do jogo, tá tudo bem. E essas pessoas estão certas: Quando você clica em “adicionar ao carrinho” é porque você quer atirar em zumbis, não porque quer pagar a conta de luz de alguém.
Acontece que ter que assistir uma propaganda de um jogo exatamente igual ao que você está jogando para poder continuar jogando é insustentável. Acontece que pagar 150 reais por moeda de mentira num jogo casual é suicídio financeiro. Acontece que ter que aturar todo tipo de estratégia de marketing pra não tirar absolutamente nada aproveitável de uma experiência que você já teve não é um objetivo de vida… Não pra gente saudável e pensante.
Eu sei que DLCs são ruins, sei que há dezenas e dezenas de jogos iguais pra tudo que é plataforma e sei que os jogos das plataformas “hardcore” utilizam tudo que podem para lucrar mais, mas a indústria destas plataformas, a indústria que existe há mais de 40 anos mudou e continua mudando. Não porque video games são arte, mas porque é preciso criar coisas novas para continuar relevante. O mercado atual de jogos pra celular só existe porque existiu o Nintendinho e o 360. E vai morrer se não mudar em breve, seja porque o público entrou em falência (Financeira e neurológica) seja porque os jogos para browser estão crescendo mais e mais, ficando cada vez melhores e mais bem desenvolvidos e continuam movimentando a indústria. Pegue o primeiro e o último Jogaí: O futuro dos jogos jamais será nos celulares se continuar como está. Os jogos de celular jamais terão um futuro se continuarem como estão.
Eu não ligo de pagar por jogos (Desde que estes tenham preços decentes – e sim, com isso eu quero dizer “mais barato que nas outras plataformas”), mas não aguento mais ver propaganda pra ter item, ter promoção de item com um aviso do lado me dizendo que “ESSE PACOTE DE 31,99 AQUI É O QUE MAIS COMPENSA, TÁ?”, não aguento procurar um jogo novo e não encontrar nada diferente do que já joguei. Já joguei tudo quanto é coisa na minha vida e eu tenho certeza absoluta que nunca vi tanta porcaria oportunista junta quanto nas lojas de aplicativos dos últimos tempos.
Talvez seja demais pedir por um jogo barato, rápido e casual, numa plataforma sem enfoque em jogos, me traga o mesmo que jogos das plataformas de jogos trouxeram, mas se eu, consumidor, não me manifestar o troço não vai cair no meu colo. EU QUERO UM JOGO BOM E JUSTO NO MEU CELULAR, PORRA. Se virem aí e façam um. Porque tem público pra isso. Tem espaço, verba, tempo e recursos pra isso. Se você quer me dizer que o celular é o futuro ele não precisa ter os gráficos do computador, a jogabilidade do controle e nem a conectividade dos portáteis, mas ele precisa sim me dar boas experiências: Eu não quero meu computador e meu console na minha mão, já tenho os dois pra isso. O celular pode ser o celular, estou bem com isso, inclusive acho isso muito bom, mas se ele não me oferece nada de valor, eu prefiro comprar um Nokia velhão que faz chamada, manda mensagem e pelo menos tem um jogo maneiro da cobrinha.
Jogo de celular, hoje, é boi de piranha. Aproveitem enquanto ainda tem carne.
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