Crime e Castigo (Fiódor Dostoiévski)

Livros sexta-feira, 13 de abril de 2012

Crime e Castigo é uma dessas obras literárias eternas, uma verdadeira força concisa saída da cabeça de um homem: Fiódor Dostoiévski. Impressionante é a quantidade enorme de verdades, sabedoria e inteligência contidas naquelas páginas, nos vãos que se formam na história de um jovem assassino e suas duas vítimas. Enfim. Fiquem conosco no nosso programa de hoje, com um pouco sobre um dos melhores livros que já li. Ah, e tomem cuidado, marujos: Pode haver spoilers (Mas não muitos, acalmem-se).

 Pryestupleniye i nakazaniye, ou Crime e Castigo, em uma publicação de 1867.

Corria o ano de 1866 no Império Russo, quando Fiódor Mikhailovich Dostoiévski começou a publicar seu novo trabalho, Crime e Castigo, no jornal literário mensal Russkiy Vestnik (Mensageiro Russo). Ali começou a ser contada a história de Rodión Romanovitch Raskólnikov, um ex-estudante de direito, empobrecido e praticamente falido, e seus dilemas morais. O livro tem início com Raskólnikov planejando o assassínio de uma velha usurária, com quem ele havia penhorado pequenos objetos e à quem o ex-estudante devia dinheiro. Se lograsse êxito em matá-la, iria embolsar o dinheiro que achasse em sua casa, posto que a velha, nas palavras do próprio Rodión Romanovitch, era “rica como um judeu”, e assim financiar seus estudos e se manter na cidade. As linhas gerais de Crime e Castigo, dessa maneira explicadas, não mostram nada de muito grande, de diferente, além de um pretendente a assassino querendo lucrar. Mas não, com Dostoiévski não seria assim tão simples.

A mente de Ródion Romanovitch

Raskólnikov é um rapaz bastante inteligente e racional, mas ao mesmo tempo alguém difícil de se lidar. Desde os tempos em que estudava, chamava a atenção por ser lacônico, de poucos amigos, fechado. E foi dentro desta mente que uma série de idéias nasceram, ganharam força e formaram uma lógica própria e que, essa sim, é a base moral e intelectual de todo o livro. Em um texto¹ que fiz logo depois de ler, expliquei essa lógica nos seguintes termos:

“Para Raskólnikov, a humanidade divide-se entre ‘pessoas extraordinárias’ e ‘pessoas comuns’. Estes últimos formam sempre a grande maioria dos seres humanos; são responsáveis, basicamente, por reproduzir-se e viver no lugar-comum. São os principais propagadores de idéias, pois não têm suas próprias, e contentam-se com a maneira de ser das coisas, não possuem grandes aspirações. O outro grupo, segundo Raskólnikov, são os que efetivamente movem o mundo. As ‘pessoas extraordinárias’ têm as idéias, expandem os horizontes; não vivem eles no lugar-comum, estão sempre acima da barreira do banal, pois são maiores que isso, assim como seus objetivos, sonhos, etc. Este grupo, claro, é formado de uma ínfima minoria.”

Na lógica de Ridión Romanovitch, que só fica mais ou menos clara depois de alguns capítulos, o uso do dinheiro da velha para lhe ajudar com “os primeiros passos na vida” seria apenas um mero efeito colateral do verdadeiro sentido do crime, que era, segundo o próprio, provar a si mesmo se era um “comum” ou um “extraordinário”. Se fosse o primeiro, não seria nada além de mais um na multidão e não resistiria diante da pressão mental do crime; caso fosse o segundo, seria coroado, tal qual um Napoleão, e passaria impune. Foi por acaso que ele ouviu dois rapazes conversando em uma taberna sobre a velha usurária, dizendo como ela era um mal para o mundo e que gente assim não faria falta, ao contrário: Seu desaparecimento seria um benefício para todos. Tal conversa, ocasional, veio a calhar para alguém como ele, que já possuía estranhos conceitos fervilhando na mente, sobre crimes e suas justificativas. É sobre toda essa base que os dilemas morais e os terrores psicológicos de Raskólnikov se assentam, principalmente após o crime, onde seu futuro é incerto, o sofrimento é grande, e outras circunstâncias surgem para piorar a situação.

 Raskólnikov e a velha usurária

Além do crime e do castigo

Fiódor Dostoiévski, enquanto narrava o calvário de Raskólnikov, também fez dos seus personagens os portadores de várias verdades inapeláveis, momentos de real sabedoria perdidos em páginas e diálogos. Alguns são como breves conselhos:

A realidade e a natureza são coisas importantes, caro senhor, que, às vezes, reduzem a nada o mais hábil dos cálculos.

(…) a nossa única conselheira é a prática que adquirimos.

Outros são verdadeiras explicações:

É isso: Tudo está ao alcance do homem e tudo lhe escapa, em virtude de sua covardia… Já virou até axioma. Coisa curiosa a observar-se: Que é que os homens temem, acima de tudo? – O que for capaz de mudar-lhes os hábitos: Eis o que mais apavora…

Pensam que tenho raiva deles por que dizem absurdos? Estão muito enganadas. Gosto disso! Que se enganem. É a única superioridade dos homens sobre os outros seres. É assim que se chega à verdade. Sou um homem, me engano por que sou homem. Não se chega a lugar nenhum sem nos enganarmos pelo menos quatorze vezes, talvez cento e quatorze, e isso é até uma honra. Mas nunca nos enganamos de modo geral. Um erro original vale muito mais que uma verdade banal.

Enfim, e há muito mais no decorrer do livro. Tenham em mente que Dostoiévski era um escritor bastante atento aos detalhes. Há muito que se poderia comentar aqui sobre Crime e Castigo, muito a analisar: Os simbolismos, os detalhes que o autor espalha pela história, os pensamentos, as filosofias. Mas a minha intenção hoje não é repetir o artigo da Wikipedia. Aqui fica apenas o necessário para atiçar a curiosidade de quem ainda não o leu e, junto com aqueles que já leram, demonstrar nosso respeito por um dos grandes escritores que passou por esse mundo.

***

Nota:

1 – Texto “A Lógica de Raskólnikov”, que trata apenas das filosofias desenvolvidas pelo personagem principal.

Crime e Castigo

Prestuplénie i Nakazánie
Ano de Edição: 1866
Autor: Fiódor Dostoiévski
Número de Páginas: 755
Editora: Abril (O exemplar lido pelo autor que vos escreve)

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