Dramas de uma criança adulta
Nesse exato momento estou acendendo um incenso de canela e abrindo uma cerveja. Meu sujo e grande copo de requeijão recebe agora um delicioso líquido amarelo, que, na quantidade certa, pode trazer um alívio para o meu estresse, mesmo que temporário. Tenho quase certeza que com a trilha sonora perfeita e cinco doses de café, o meu quarto com sua falta de organização meramente calculada pode me fazer ter uma experiência alucinógena estranha, e isso tiraria da minha cabeça o problema que vem me atormentando: A máscara do Homem-aranha do ovo de páscoa da Lacta não serve em mim.
Sim, é chocante, eu sei. Ainda estou tentando me acostumar com a ideia. É estranho isso, você não sabe se sua cabeça é grande, se seu cabelo é volumoso ou se apenas esqueceram de você quando decidiram colocar máscaras como brindes de páscoa. Tudo começou no domingo de páscoa, quando minha adorável mãe me presenteou com um ovo do Homem-Aranha (Mesmo sabendo que eu gosto do Batman). A falsa felicidade veio com um aviso na embalagem “Vem com uma máscara”. Seria possível? Depois de tanto tempo, de tantas histórias, de tantas leituras e máscaras de papel, eu poderia finalmente ser o Homem-Aranha? Rasguei a embalagem do mesmo jeito que o estuprador mais sedento rasgaria a calcinha da última mulher da terra, quebrei o ovo de um jeito que faria Daniel San sentir inveja de tal golpe, mas como sou ruim com embalagens, tive que usar uma tesourinha sem ponta para abrir o plástico que protegia a máscara. Tirei-a cuidadosamente de sua embalagem e contemplei sua beleza vermelha. Não era uma máscara mal feita de papel ou com elásticos, era de pano, com dois olhos grandes, um espaço para respirar e cobria toda a cabeça. Por deus, ela era mais linda que duas lésbicas nuas pisando com seus lindos pés delicados nas mais belas uvas da estação (Eu estou bebendo, minhas comparações não costumam fazer sentido nesse estado).
Depois de muita empolgação, decidido a virar um herói escalador de paredes, estava na hora de combater o crime. Minhas mãos tremiam só de segurar a máscara, e tudo o que passava na minha cabeça era uma firme voz dizendo “com grandes poderes vem grandes responsabilidades”. Fui aproximando aquele tecido vermelho ao meu rosto, fui imaginando milhares de vilões que eu derrotaria, as inúmeras pessoas que eu salvaria e obviamente em todas as ruivas gostosas que cairiam na minha teia. A máscara foi chegando mais perto, fui ficando cada vez mais nervoso, eu já estava suando frio, fiquei com vontade de cagar, eram muitas emoções ao mesmo tempo, minhas pernas tremiam, ela estava chegando, ela estava chegando, ela estava chegando, mas ela não entrou.
Meu primeiro pensamento foi “eu devo estar colocando do jeito errado”, por isso decidi tentar mais uma vez. Tentei. E tentei. E tentei. E tentei novamente. Percebi tristemente que a máscara que eu tinha em mãos eram feitas para crianças. Onde já se viu tal coisa? Crianças brincando com heróis? Heróis são coisas sérias!!! Crianças deveriam estar estudando ou arranjando um jeito de melhorar o país, afinal, elas são o futuro da nação. Por que diabos elas merecem uma máscara do Homem-Aranha e eu não? Onde estão os brinquedos infantis para os adultos? Essa mistura de revolta e indignação tornou a coisa pessoal. Decidi que iria colocar aquela máscara de qualquer jeito, mesmo que eu precisasse tirar a minha barba. Tentei, tente e tentei de novo. Depois de 37 minutos – que agora eu os chamo de “A batalha mais demorada que já aconteceu no meu banheiro” (Mais demorada que a “A batalha dos 3 pastéis de carne moída com pimenta e 4 barras de chocolate de sobremesa”) – eu consegui vestir a máscara.
O resultado foi mais decepcionante que o próprio fato dela não vestir na minha cabeça. Eu estava com a cara deformada ali dentro (Mais que o normal). Ela estava tão apertada que meus olhos pareciam fechados, eu estava parecendo um Homem-Aranha chinês, mas sem saber nenhuma arte marcial legal. Se fosse só isso seria tudo bem, o pior de tudo é que eu não conseguia respirar lá dentro. Eu estava pior que um judeu em uma câmara de gás, já que um judeu ainda conseguia respirar, mesmo que isso significasse inalar um gás letal. Eu estava completamente sem opção. Por sorte, tirar a máscara era uma tarefa fácil, porém, dolorosa. Não uma dor física, uma dor moral. Em frente ao espelho, eu sabia que ao tirar aquela máscara eu veria a face de vergonha, eu estaria encarando um rejeitado, um ser desprezível que não foi digno de merecer uma máscara do seu tamanho. Tirei a máscara com lágrimas escorrendo meu rosto, o sonho acabou, era o fim de um herói que sequer existiu.
Enxuguei as lágrimas e guardei a máscara na minha prateleira. Deixei-a exposta como um troféu. Um troféu vergonhoso, obviamente, algo que me trará dor e tristeza toda vez que eu olhar. Por que vivemos em uma sociedade que não dá o devido valor as pessoas? Por que as crianças ganham tudo o que é legal e nós, adultos trabalhadores, que saímos todos os dias sem a esperança de voltar vivo, com o cansaço e o suor do trabalho árduo de todos os dias, com o sorriso falso e o discurso “vai ficar tudo bem querida” na ponta da língua, enganando entes queridos e a si mesmo que um futuro melhor os espera, ficamos jogados, esquecidos e ignorados? Por que não merecemos uma máscara do Homem-Aranha no tamanho adulto? Pense nisso!
Você pode pensar que isso é um pouco dramático, mas eu não consigo tirar da cabeça que da próxima vez que eu ficar bêbado, eu não poderei vestir minha máscara do Homem-Aranha e escalar um poste. E isso está me matando por dentro. Por que você teve que fazer isso comigo Lacta? Ahh, o drama…
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