Duendes – Contos Sombrios de Reinos Invisíveis (Coletânea)

Livros terça-feira, 24 de setembro de 2019

Apenas um mês depois de Duendes – Contos Sombrios de Reinos Invisíveis ser financiado no Catarse, o livro já estava aqui em casa (Muito pra minha surpresa, inclusive, tanto com os Correios quanto com a Editora Draco). Levei um tempinho pra finalmente terminar a parada, mas véi… Tipo… LeiÃO o bagulho.

Quem lê o Bacon já sabe que eu sou puta de financiamento coletivo, e quando aparece algo tão absolutamente do meu interesse quanto livros de criaturas mágicas (E em estilo dark fantasy), fica difícil ignorar a parada. Composto por 11 contos, Duendes é um livro que viaja entre diferentes culturas e, em cada uma delas, explora um pouco do imaginário que os primos menos amáveis dos gnomos fazem parte. Sendo uma coletânea, a organização fica por parte da Ana Lúcia Merege, que também assina um dos contos, enquanto o posfácio fica por conta da Flávia Gasi que, creio, poderia ter sido até se extendido e aprofundado um pouco mais em sua análise.

Vou tirar os aspectos práticos da coisa logo de cara: A Editora Draco já está em atividade há uns bons anos e, dentre os vários livros deles que tenho, não posso reclamar da qualidade do objeto. O papel é bom, a capa também, a diagramação é de ponta e a escolha de fontes que eles usam alegram meu coraçãozinho cheio de frescuras. Duendes não é diferente, sendo inclusive bem no estilo que eu gosto: Livro bem feito, completo, mas sem firulas. Eu peguei um único erro de grafia no livro todo (E, sinceramente, não sei achá-lo novamente), e isso é muito, muito melhor que a gigantesca maioria das editoras grandes por aí. Falando em termos visuais, a capa não é exatamente minha favorita. Inclusive, as ilustrações internas do livro, todas de autoria do já falecido mas sempre foda Arthur Rackham, são muito mais legais.

Por fim, no blog da Draco, há uma pequena série com alguns dos autores do livro, comentando como foi escrever seus contos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8). Aconselho só ler a parada depois de ler o livro (Ou leia já mesmo, caso cê não liguei pra spoilers)… Que tava 40 pila no financiamento coletivo com mais uns brindes e tal e VOCÊ PERDEU… Mas não tema: Tá só cinquenta cirurgias facadas goldenshowers lá na Draco.

Mais do que velho, eu sou cafona.

Como é de praxe das coletâneas da Draco, Duendes tem vários contos se passando no mesmo universo que outras de suas obras, praticamente uma coletânea de spin-offs, e o primeiro conto, A Sombra da Colina do Rei do Diego Guerra, não é diferente (Faz parte da série Chamas do Império, da própria Draco). Ainda assim, vale lembrar que o livro todo pode perfeitamente ser lido sem conhecer mais nada de nenhuma dessas obras (Como é meu caso, inclusive). O primeiro conto abre o livro em clima bem tradicional, com direito à abdução passeio no mundo das fadas, truques e enganações, num ritmo bem legal, com uma estrutura certa pro tipo de história.

Em seguida vem o conto Katyusha, da Isa Prospero, e meu amigo, que paulada. Pra quem curte quando o fantástico é utilizado (E bem utilizado) para pautar temas contemporâneos o conto é sensacional. E funciona perfeitamente bem do ponto de vista unicamente histórico também: Passando-se na Rússia dos anos 30, durante o Stalinismo, o conto passeia entre o sobrenatural e um relato fictício que muito bem poderia ser real. É um dos contos que não fazem parte de um universo já estabelecido, e também o meu favorito do livro inteiro.

A Menina Feia é o próximo conto: Outro que não se baseia em outras obras, e mais importante que isso, é um conto que eu gosto muito simplesmente por estar numa coletânea dessas e não numa coletânea sobre zumbis (Ainda que o estilo de narração, com saltos temporais, não seja meu favorito). O Luiz Felipe Vasques leva a história através de campos de batalha, cemitérios, a sempre presente sociedade patriarcal machista e, claro, a boa e velha discriminação, pra entregar um texto contido e provocante… Aliás, uma baita ideia prum RPG de terror fantástico.

Daniel Folador Rossi é o autor do próximo conto. Eu sou uma pessoa mala e admito prontamente que não costumo ir checar outras obras quando estou lendo este tipo de coletânea, mas Sob as sombras do ‘Akuna é diferente. Se passando num continente baseado em culturas indígenas americanas, o conto transita entre diferentes terrenos, civilizações e culturas, criando um misticismo literalmente tropical que é muito, muito foda. Infelizmente a parada não está organizada em uma só publicação (PEGOU A DICA, DRACO?): Entre livros, coletâneas e posts, o melhor à fazer é ir checar o blog do cara, mas este aqui é certeza que entrou pra minha lista de dívidas compras futuras.

Jeremejevite, da Cristina Pezel, vem em seguida, retornando a narrativa à elementos mais tradicionalmente europeus, e cara… Que conto filho da puta. E isso é bom. Não direi mais para não estragar.

O Juramento de um Pirata, de autoria da Aya Imaeda, reúne o que, à primeira vista, pode parecer completamente não relacionado: Piratas, duendes e Japão. Mas faz sentido. Não só faz sentido, como cria um clima à parte do resto do livro, tal qual Sob as Sombras do ‘Akuna, levando o leitor através de ilhas e mares cobertos por neblinas, perigos tão óbvios que ninguém dá atenção e (Por quê não?) do imperialismo feudal japonês.

 Gnomos não têm moral nenhuma neste livro.

Pode parecer que eu estou lambendo o livro, mas pode ficar tranquilo que isto muda é já: O próximo conto é de autoria do Sid Castro, autor de vários livros da Draco, incluindo participações em outras antologias. Devo dizer que nunca li nenhum outro trabalho dele, mas cara, O Verde e o Negro é bola fora. É bola MUITO fora. O conto narra a história de um irlandês e de seu companheiro duende, que vêm para o Brasil à procura de um caminho para o mundo das fadas. Em terras cariocas, eles acabam por se envolver na briga entre o quilombo e o coronel, contanto com a ajuda dos escravos fugidos e, claro do Saci (Ou Sacy, como no conto). Baita premissa, certo? Pois o resultado é uma história confusa, que não para num local só, que mistura elementos totalmente destoantes e cobre isso tudo com uma superficialidade absurda, que anda de mãos dadas com gags temáticas, beirando o fan service. Em um trecho, próximo ao final do conto, a impressão é nítida de que o autor jogou “monstros do folclore” no Google e escreveu a parada simplesmente para dar volume… Bróder, se você está escrevendo fantasia e literalmente usa “folclórico” pra descrever essas criaturas, você MATOU a obra. Eu me recuso a aceitar que este é o melhor esforço literário do autor, principalmente considerando que é o único conto do livro que usa o Saci-Pererê: Destoa tanto do resto do livro que eu não sei como ele sobreviveu à edição.

Voltando à programação normal, A última Criança, conto do Silas Chosen, narra a história de um garoto como tantos no Brasil, numa vida marcada pela violência, falta de estrutura e sem saber o que fazer além de sentir raiva… Até que ele é levado até o mundo dos duendes. É um conto interessante, mas que poderia ter sido mais bem desenvolvido, com seus atos melhor definidos e uma construção mais longa de seu final. É um conto bem legal, ainda que meio desbalanceado, e que eu gostaria de ver uma versão revisada.

Carnavalito, conto da Simone Saueressig, é absolutamente sensacional. A história mistura a Diablada, festa tradicional da Bolívia, com o Carnavalito argentino, criando uma narrativa sul americana que, acredite ou não, torna este conto um dos mais próximos à tantas histórias “originais” de duendes que conhecemos, com direito à lição de moral e tudo mais.

O conto seguinte, A Fortuna de Rhydderch, da própria Ana Lúcia Merege, é o mais estrangeiro dentre todos, contando a história de um bardo da era Arturiana (E, de fato, as lendas Arturianas são a grande influência aqui) e seu encontro com os Tylwyth Teg gauleses. A quantidade de pesquisa pra este conto se faz aparente, e tal qual o A Sombra da Colina do Rei, A Menina Feia e Jeremejevite, A Fortuna de Rhydderch é quase que uma nova lenda, uma nova tradição oral, que poderia muito bem ter vários séculos de existência.

O último conto do livro, A Noite em que Quase Morri, é de autoria do Eduardo Kasse, outro velho conhecido dos leitores da Draco, autor da série Tempos de Sangue (E de mais uma pá de coisa): Inclusive o conto se passa justamente no universo da série, com Tita, uma das personagens da mesma. Eu não li a série, então não sei realmente o quanto do conto se interliga com ela… Eu não sou grande fã da ficcionalização de pessoas reais (No caso, Caravaggio), mas o Kasse sabe o que faz (Inclusive é um baita cara legal pra seguir lá no Tuíter), com a escolha do monaciello, duende do sul da Itália, casando muito bem com a história. Minha única crítica fica na aba dos elementos sexuais no conto: Não sei o quanto disso já é parte do restante da obra do autor, só sei que, aqui, ficou meio forçado, meio fora de lugar… Deu um pouco de vergonhinha alheia, vou mentir não.

Conheci a Draco há vários anos atrás, e pra mim é muito legal ver uma editora independente não só dar certo, como crescer e publicar livros totalmente fora do mainstream nacional. Duendes é mais um desses livros, e além dos já lançados pela editora, cê pode ir lá no Catarse apoiar o novo livro deles, Vikings – Morte ao Troll, do Eduardo Kasse (Olha ele aí de novo) e do Carlos Sekko.

Duendes – Contos Sombrios de Reinos Invisíveis tem um público bem definido: Cê precisa gostar de criaturas mágicas, precisa gostar de moralidade dúbia, precisa gostar de suspense, terror e gore, e precisa gostar disso tudo misturado. Se a tua resposta pra isso tudo é “sim”, Duendes vai te entregar contos que vão desde formatos tradicionais (Isso tanto em temática quanto em estrutura de narrativa) até criações contemporâneas sincretistas. Eu já acompanho a Draco e certamente vou acompanhar também alguns dos autores apresentados neste livro: Se esta for a sua praia, pode vir sem medo.

Duendes – Contos Sombrios de Reinos Invisíveis


Ano de Edição: 2019
Autor: Diego Guerra, Isa Prospero, Luiz Felipe Vasques, Daniel Folador Rossi, Cristina Pezel, Aya Imaeda, Sid Castro, Silas Chosen, Simone Saueressig, Ana Lúcia Merege, Eduardo Kasse
Número de Páginas: 303
Editora: Editora Draco

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