Escrevendo sobre HQs – Parte III
Semana passada, falei sobre a agonia das editoras em atrair leitores pelo método de estupro da nossa sanidade. E agora, tratemos da única diferença real entre HQs e livros comuns: o uso de imagens como algo essencial na narrativa.
Sim, isso mesmo: eu estou afirmando que a única diferença entre livros e HQs se resume ao uso da imagem. Se você, fanboy maldito de Crepúsculo, Código Da Vinci, Recruta Zero ou Superman discorda disso, clique no pequeno X ali no canto superior direito da sua tela e seja feliz.
Se seu navegador ainda está aberto, raciocine comigo: quais são as semelhanças entre uma HQ e um livro? Os dois têm uma história a ser contada, personagens que participarão desta, uma finalidade social, uma mitologia própria em muitos casos e, geralmente, um público cativo.
As HQs, no entanto, exigem um trabalho muito maior por parte do autor. Além da história em si, o autor também tem que se preocupar insanamente com a parte gráfica. Escrever uma HQ é um trabalho equivalente a adaptar um livro para o cinema, por assim dizer. Numa obra literária normal, a descrição visual dos fatos costuma ter uma importância muito menor que nas HQs, além de eliminar quase todas as possibilidades de colocar um elemento importante de forma sutil. Além do mais, perde-se a chance de colocar simbolismos (como o Smile ou as manchas de líquido em Watchmen) ou piadas (o barco do Hagar, por exemplo).
Tomarei como exemplo o capítulo final de Vidas Breves, da série Sandman: num dos momentos finais, Delírio narra para Destruição tudo o que ela e Sonho fizeram durante o restante do livro. Durante a narrativa, conforme Delírio se lembra dos fatos, a aparência dela muda para a que estava sendo utilizada na hora em que os fatos ocorreram.
Numa narrativa apenas textual, isso poderia ser resolvido de três formas: eliminando as constantes mudanças estéticas da narrativa, citando-as por cima ou então descrevê-las minuciosamente, o que tornaria a leitura extremamente monótona.
Algumas HQs trazem, geralmente na forma de um extra nas páginas finais, o roteiro de uma ou duas histórias do volume. E, se você as ler, vai notar que boa parte do que está escrito refere-se a descrições do cenário e dos personagens, além do detalhamento de algumas coisas, como vestuário ou sombras. Esses pequenos detalhes podem dar pistas de eventos importantes, ou simplesmente não significar nada. Tudo depende da sua capacidade de observar as profundezas.