Esta Terra é Minha Terra (Bound for Glory)
Filme baseado na história de Woody Guthrie, considerado um dos melhores cantores country já existentes. Woody saiu do Texas durante os anos 30 para trabalhar e descobriu quanta força e sofrimento existe na classe trabalhadora americana.
Podem ficar tranquilas pessoas estranhas que leem o nome de quem escreve nessa porra, eu tou de volta. Claro, se você notou a minha ausência nessas duas semanas, preocupe-se. Mas hoje não estamos aqui pra expor os seus certamente inúmeros distúrbios mentais, caro leitor. E sim pra reparar uma injustiça. Porque olhem só, o Hal Ashby foi um dos diretores mais promissores a sair da Nova Hollywood (Grupo de cineastas que deram um novo folego criativo ao cinema norte americano no fim dos anos 60 e inicio dos 70), mas como ele morreu no final da década de 80, quase nunca é lembrado entre os expoentes do período. E as coisas devem continuar assim, já que esse é o único filme dele que eu vi. Mas mesmo não sendo uma obra prima, não deixa de ser um feito notável.
O ano era 1976. O Taxi Driver tinha acabado ser lançado, as pessoas ainda pensavam que o Stallone era um bom ator por causa do Rocky e o Clint Eastwood tinha recém dirigido o seu segundo western. Não é de se estranhar que uma cinebiografia de um cantor folk semi-desconhecido não tenha feito sucesso. Aliás, eu só passei a prestar alguma atenção no Woody Guthrie vendo o documentário do Bob Dylan dirigido pelo Scorsese. Mas apesar dele ser um cara foda (Pesquisem umas músicas aí, vale a pena), o filme se destaca entre outras biografias (Principalmente de músicos) porque não depende totalmente do personagem em questão pra funcionar. Dá pra achar a história legal mesmo sem ter nem ideia de quem é o Woody Guthrie. E calma, eu já vou falar qual é a história.
Durante uma grande crise econômica, milhões de pessoas perdem seus empregos. E consequentemente, suas casas e todo o resto. Pra piorar, as mudanças climáticas causadas pela exploração do meio ambiente finalmente começam se intensificar, causando grandes tempestades de areia que afetam centenas de quilômetros de plantações, prejudicando a produção de alimentos. Não, a trama não se passa num futuro distópico. Isso tudo aconteceu nos Estados Unidos, na década de 30. Com a quebra da bolsa de valores e a seca no meio oeste do país, muitos americanos abandonaram suas decadentes cidades natais e foram tentar a sorte na Califórnia. Inclusive Woody Guthrie (David Carradine). Sem dinheiro pra sustentar a família, ele deixa a galera toda e também vai em busca da terra prometida. E aí o filme já tem o seu primeiro acerto. A partida dele (Ele abandonou a mulher e os filhos, véi) nunca é mostrada como algo certo ou errado. O mesmo ocorre quando Woody trai a esposa (Mais de uma vez). Nada é moralizado, e aceitando ou não, passamos a entender a motivação do protagonista simplesmente pelo que já foi construído anteriormente. Tudo vai passando de forma muito natural, o que importa é contar a história. E o foco dessa história é a relação de Woody com as desigualdades sociais do seu tempo.
Chegando na Califórnia, disposto a trabalhar como pintor de letreiros, ele acaba se estabelecendo num acampamento de migrantes que procuram emprego nas plantações próximas. É ali que ele conhece Ozark Bule (Ronny Cox), um cantor que se apresenta gratuitamente nesses locais, lutando pelo direito dos trabalhadores. Woody, que já compunha suas próprias canções, junta-se a ele e rapidamente começa a tocar no rádio, alcançando um moderado sucesso. Enquanto isso, os dois continuam tentando mobilizar os trabalhadores, sendo constantemente perseguidos pelos capangas das companhias empregadoras. E se apresentando pra prisioneiros.
Mas de novo, acertadamente, nada é idealizado. As músicas de Woody logo passam a irritar os patrocinadores da estação de rádio. Ozark, aparentemente o único pilar de justiça do filme, aconselha o amigo a acatar as decisões dos seus empregadores, pra sobreviver e poder continuar lutando em outras frentes. Mas ele não consegue aceitar que interesses alheios lhe impeçam de se expressar e põe toda a sua segurança em risco pra continuar em “contato com o homem comum”, como ele mesmo diz. Aliás, essa é uma das melhores atuações da carreira do David Carradine. Aesar de ele se destacado em filmes B, parcerias com o Tarantino e suicídios bizarros, o negócio dele era justamente interpretar esse homem comum.
E o filme todo exala essa humanidade. Não é preciso mostrar a morte ou a decadência do protagonista pra conseguir um pouco de emoção. Tampouco é necessária uma redenção final. Tudo já é suficientemente verdadeiro. A história e as ações de Woody falam por si só, nos lembrando que quaisquer mudanças dependem apenas de escolhas (Clichê, eu sei). Lembrança válida, já que essa resistência solitária contra os valores vigentes, mesmo inserida na absurda sociedade americana de quase um século atrás, ainda soa familiar demais.
Esta Terra é Minha Terra
Bound for Glory (147 minutos – Drama)
Lançamento: Estados Unidos, 1976
Direção: Hal Ashby
Roteiro: Robert Getchell, baseado na autobiografia de Woody Guthrie
Elenco: David Carradine, Ronny Cox, Melinda Dillon, Gail Strickland, John Lehne
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