Eu não escolhi ser hétero, Malafaia.
Mais uma vez, a televisão vazou completamente pra internet e o conteúdo exposto ganhou muito mais importância, relevância, repercussão e ódio do que sua própria exibição. To falando de Silas Malafaia no programa da Marília Gabriela, sabe? Todo mundo sabe. O pastor protestante pentecostal brasileiro é líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo e fez um baita discurso no programa De Frente com Gabi, do SBT, mostrando que é claramente contra uniões homossexuais e completamente preconceituoso. Após ele fazer inúmeras afirmações descabidas e total sem noção, a galera da internet obviamente se revoltou e começou a xingar muito no Twitter, no Facebook, provavelmente até no Orkut, mas foi no YouTube que uma voz falou mais alto (E por muita gente), calando a boca de muito cidadão que acha coerente a fala de Malafaia e seu pensamento arcaico. Foi o geneticista Eli Vieira, biólogo, mestre e doutorando em genética em Cambridge, no Reino Unido, que sentou na frente de uma câmera e começou a apontar estudos com embasamento e propriedade para bater de frente com o que o pastor tão cegamente afirmava, e derrubar sua teoria furada. Tenho certeza que essa história aí foi bem mais polêmica que ~mamilos (Desculpa a piada, desculpa).
Entre as inúmeras barbaridades que o pastor fala, na minha opinião, claro, Malafaia ignora completamente o meio em que a criatura vive e sua bagagem histórica. Eu não sei exatamente no que ele se baseia pra ter tanta certeza de que o ser humano escolhe ser homossexual ou heterossexual. De acordo com ele, 46% dos homossexuais foram vítimas de abuso infantil, enquanto que os outros 54% ~escolheram~ ser homossexuais. Ou seja: Ou tu foi abusado por algum tarado doido quando era pirralho e ficou traumatizado e por essa razão você “virou gay” (Como se você se tornasse gay por causa de um trauma e como se ser gay fosse algo que você se torna por passar por situações ruins), ou então tu sentou um belo dia, parou e pensou POXA VIDA, acho que seria bacana ser gay, hein? Vou ver qual que é, escolho isso.
Ah, e ~dica, hein? Os apontamentos de Malafaia sequer tem algum fundamento, já que o estudo que ele citou não foi especificado (QUE DIABO VOCÊ QUIS DIZER COM SEU “ESTUDO”, MOÇO?), não tinha fonte, e também não tinha cabimento. Quer dizer: O cara chegou lá na frente da ex do Gianecchini e desandou a falar coisas que ele acha legal dizer na televisão, mas, de acordo com a ciência, nunca ninguém viu ou ouviu por aí. Lindo.
Depois do discurso tão convincente (Só pra ele) e imbecil (Para todo e qualquer ser humano que acredita na evolução da espécie e no fim de preconceitos), eu fiquei pensando sobre como essa conclusão do senhor em questão me atinge. Eu, por exemplo, sou gaúcha, mas filha, neta, bisneta, tataraneta de paulistas. Eu tenho uma bagagem que vem antes mesmo do meu nascimento e pré-disposições a isso ou aquilo que me colocam no lugar que hoje eu estou. Eu nasci no Rio Grande do Sul, vivi cercada pela tradição gaúcha e pelo sotaque regional, o que faz com que eu saia por aí dizendo bah, tchê, tri legal, afudê e outras palavras que acabam fazendo sentido só pros gaudérios ou para aqueles que conhecem outras culturas e suas tradições. Verdade, cresci num meio completamente gaúcho. No entanto, eu fui criada por paulistas, como falei. E, apesar de ter convivido minha infância toda e grande parte da minha vida com gaúchos por tudo que é lado, eu não tenho as tradições rio-grandenses afloradas em mim. Eu não frequento CTGs, que são Centros de Tradição Gaúcha, não tenho hábito de comer churrasco toda a semana, como todo bom gaúcho, não tenho vestido de prenda, não sou bairrista, como a maioria do mundo chama o gaúcho, MAS SOU GAÚCHA. Meu ponto é: Minha bagagem histórica falou muito mais alto do que o meio em que eu vivo. No entanto, eu não escolhi ser gaúcha ou paulista. Eu SOU gaúcha, com hábitos gaúchos e paulistas, de acordo com o meio ambiente em que eu estou inserida, com o círculo de amizades que eu tenho, com a tribo a qual eu pertenço, com a minha cultura e com aquilo que mais foi despertado em mim. E claro, meus genes, como o geneticista afirma, também influem. É óbvio. Claro que ser gaúcho ou não de forma alguma se compara com gênero sexual ou desejo sexual ou seja lá o que for. Mas cai na mesma história que Malafaia diz, sobre homossexual decidir se relacionar com pessoas do mesmo sexo e héteros se relacionarem com criaturas de sexo distinto ao seu. Genes e meio, de acordo com ele, são ignorados. Completamente.
Outro ponto: O meio influencia, e muito. Mas a pré-disposição genética influi muito sim, ora essa, Malafaia. Eu cresci em uma escola de dança e, nesta escola, vi vários gays (Não estou dizendo que escolas de dança sejam lugares frequentados por gays ou coisa do tipo, apenas que eu cresci em uma escola de dança, cercada por gays. Ponto). Meus melhores amigos são gays. Convivo diariamente com gays, lésbicas e heterossexuais. No entanto, o meio, neste caso, não teve influência na minha preferência sexual ou algo do tipo, e eu não fui motivada a ~escolher por que tipo de gente eu teria atração ou não, como Malafaia insiste em afirmar. Se eu fosse me basear no que ele diz, eu provavelmente estaria namorando uma menina, já que cresci entendendo que gays e lésbicas são tão normais quanto casais de héteros. No entanto, eu tenho um namorado, hétero, e convivo em paz, amor e harmonia com pessoas, independente de quem elas namorem.
Malafaia ainda ousa dizer que não tem nada que mostre que a evolução exista na prática, e não somente na teoria. Eu não sou cientista nem nada do tipo, mas tenho noção. Por favor. Inatismo já existiu sim. Já foi algo fortemente afirmado, defendido, mas já ficou pra trás. Assim como gladiadores já ficaram pra trás, dinossauros já ficaram pra trás, e até o É o Tchan já ficou pra trás. Afirmar que a pessoa escolhe ser gay e que isso não tem influência genética, cultural, ambiental ou o que quer que seja é, na minha opinião de leiga, e não de cientista, burrice. Apenas.
A indignação tomou conta das redes sociais, dos corredores dos escritórios, das salas de estar na hora do intervalo da novela ou do jornal, na fila do pão e na entrada da balada. Todo mundo falou, todo mundo criticou. Ok, não todo mundo, é óbvio. Mas a esmagadora maioria.
Em vez de se preocupar se a criatura do seu lado namora alguém do mesmo sexo que ela, será que o senhor pastor não deveria se preocupar se a pessoa do seu lado namora um racista preconceituoso capaz de agredir e até matar alguém por não suportar e não aceitar que casais homossexuais existem? Não é como se a pessoa tivesse que acreditar em Papai Noel ou Coelhinho da Páscoa. São fatos. É ciência. É a realidade diante do nariz.
Numa entrevista em que a jornalista sabe mais sobre o assunto que o entrevistado deveria dominar, eu acho, apenas acho, que tem coisa errada. Não sei vocês, mas eu concordo com Eli. Isso tudo que o Malafaia diz não soa plausível.
Apenas não soa plausível.
Eu não sou bióloga. Eu não sou geneticista. Eu apenas entendo que os fatos existem. As histórias mal contadas e absurdamente distorcidas também. Mas é nessa hora que a gente usa o cérebro e descobre o que é real e o que não passa de papo furado de alguém que tem o poder na mão, mas não o de pensar e enxergar a realidade. A realidade, não a ficção científica que ele criou no seu mundinho particular que carrega milhões de seguidores de olhos fechados.
Caso não tenha visto o vídeo da resposta de Eli a Malafaia, tá aqui, ó:
Leia mais em: Internet, Malafaia, Matérias - TV, Polêmica