Fahrenheit 451
O cinema aqui de Ouro Preto estava fechado comercialmente por causa da licitação da loja da pipoca, então os boiolas os caras do curso de jornalismo da UFOP inventaram um projeto muito legal: Passar só clássicos de graça na tela. Certo dia, estava eu, passeando quando vi um papel de ofício com o nome do filme que me chamou atenção: Fahrenheit 451 (Temperatura em que o papel é incinerado). Logo pensei que era o documentário do 11 de setembro e como era de graça e eu tento assistir de tudo resolvi entrar. Cometi o melhor erro da minha vida.
Fahrenheit 451 (François Truffaut, 1966)
Sinopse: Guy Montag (Oskar Werner) é um bombeiro que vive numa solitária e isolada sociedade, em que os livros são proibidos pelo Governo. É seu dever queimar todo livro que tenha sido visto pelas autoridades ou denunciados pelos informantes. Montag acaba se envolvendo com Clarisse (Julie Christie), uma apaixonada pela literatura, o que o leva a ler livros de forma clandestina. É através deste relacionamento que Montag passa a questionar os motivos que justificam a determinação do governo de queimar toda e qualquer obra literária.
O filme já começa de forma inusitada: ao invés dos créditos aparecerem escritos na tela, o diretor inova, e os créditos são narrados com um plano de fundo focando casas em tons monocromáticos. E já somos jogados de cara dentro da ação: Numa Europa de um futuro indeterminado, um personagem foge ao ouvir o som das sirenes do Corpo de Bombeiros. Não, ele não estava fugindo de um incêndio, e sim dos próprios bombeiros, que no enredo da trama não apagavam incêndios, e sim queimavam livros e prendiam seus possuidores.
Um dos oficiais mais renomados é Montag (Oskar Werner, que já havia trabalhado com Truffaut em Jules & Jim), que após vários trabalhos bem sucedidos espera por uma promoção. Ele é tão empenhado em seu trabalho que certa vez seu comandante o pergunta: “O que você faria se encontrasse um livro?” e ele responde: “Eu certamente o queimaria!”. A vida de Montag muda ao conhecer Clarisse (Que é a cara da esposa dele, literalmente) no metrô. Clarisse indaga Montag sobre a necessidade do emprego de “queimador de livros” e por sua felicidade e amor por literatura cria em Montag uma espécie de encantamento.
Em paralelo, somos apresentados à esposa de Montag, Linda, (Que é ao mesmo tempo literalmente linda e cara da Clarisse), mas essa por sua vez é alienada pela televisão, que é como uma espécie de “pessoa da família” (Até chama os telespectadores de prima, primo, etc.) e pelo governo autoritário e conservador. Montag não resiste às investidas de Clarisse e então começa a ler os livros que confiscava nas casas de pessoas infratoras ao sistema. Até que certo dia, sua esposa o pega lendo e o entrega anonimamente para as autoridades, que não o exoneram de cara, fazem pior, o levam para uma missão especial: Queimar toda uma imensa biblioteca valendo sua promoção. Montag não cumpre a missão, rouba alguns livros e se torna um foragido. Ele é instruído por Clarisse a percorrer uma rota e se refugiar na floresta com uma comunidade de foras-da-lei como ele. Lá ele conhece os Homens-Livro (E isso não é uma zoação, eles são chamados assim mesmo no filme), homens que tem por missão de vida decorar um ou mais livros para quando o regime terminar comer um sanduíche reescrevê-los.
Esse foi realmente o melhor erro da minha vida, entrei no cinema pensado que ia assistir um documentário e fui presenteado com um clássico de um dos melhores diretores franceses de todos os tempos. Truffaut juntamente com Jean Luc-Godard e Alan Resnais (Todos eles escritores da revista Cahriers du Cinéma) foram responsáveis pela Nouvelle Vague, movimento cinematográfico francês que defendia um cinema mais autoral e com mais liberdade de interpretação para os atores.
Neste filme específico, o primeiro do diretor na língua inglesa, Truffaut faz um trabalho crítico primoroso e várias intertextualizações: Como, (Por exemplo) vários críticos vêem em Fahrenheit 451 referência a Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley e a 1984, de George Orwell (Ambos livros fantásticos) e também critica a televisão, como por exemplo em uma das falas dos personagens: “Eles não eram pessoas comuns, na casa deles não tinham antenas “. Mas a parte que eu mais gosto e acho mais interessante é quando o comandante de Montag, momentos antes de queimar toda a biblioteca citada anteriormente diz: “Basta o sujeito ler um desses que se acha melhor que os outros”, uma clara crítica à literatura como meio de segregação intelectual.
O aspecto futurista dos cenários e no figurino empregado por Truffaut também é digno de nota: Aliado a uma bela trilha sonora, me fez por alguns segundos imaginar estar vendo um filme de Kubrick.
Deixem de ser noobs e vão ver se aprendem alguma coisa sobre cinema e vão correndo assistir este ótimo filme francês.
Fahrenheit 451
Fahrenheit 451 (112 minutos – Ficção Científica)
Lançamento: Reino Unido, 1966
Direção: François Truffaut
Roteiro: François Truffaut, Jean-Louis Richard, Helen Scott
Elenco: Julie Christie, Cyril Cusack, Jeremy Spenser, Oskar Werner
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