Foto do futuro
– Então… Agora há pouco eu estava andando, vindo aqui pra sua casa, quando alguém se aproximou de mim. Um sujeito estranho. Sobretudo preto, cabelo bem penteado, me cumprimentou tirando o chapéu, carregando uma coisa que parecia uma câmera. Parecia, sei lá, um fotógrafo dos anos 50. Ele parou perto de mim ali na rua, ali na esquina, é. Perto da padaria. Lembrando agora, eu não o achei suspeito sabe. Só era esquisito. Tinha uma coisa nos olhos, que não dava pra ver muito bem. O chapéu e a luz do poste não ajudavam. Tinha gente na padaria, não achei também que fosse nenhum perigo.
A mulher parou, olhando pro rosto do namorado enquanto ele narrava os tais fatos. Não se aliviou, e a história estranha pedia questões: -Assim, na chuva?
– Oi?
– Na chuva, o fotógrafo, o cara esquisito, te parou nessa chuva mesmo então?
– Ah, é, é. Tô encharcado, aqui ó.
De fato, ele fazia um círculo molhado em volta de si no sofá. Antes dela prosseguir, ele se empertigou e foi em frente:
– Ele perguntou se eu queria ver uma foto do futuro.
Silêncio constrangedor. Ela fazia uma cara que demonstrava um misto de incredulidade e impaciência. Ele prosseguiu, sem olhar pra moça:
– Ele tomou distância, apontou a câmera. Aí eu fiquei parado, olhando. Ele disse “É só uma foto”, baixou a câmera e repetiu “Uma foto do futuro. Afinal, quem não ia querer saber como é? Não se preocupe, já vou embora. É só a foto.”
A mulher franzia as sombrancelhas, encarando o namorado.
– Ele mirou de novo a câmera. Disse, por trás dela “Deixe a mente livre, e tente não piscar ou fazer movimentos repentinos”. E tinha gente na padaria, gente passando na chuva fraca. Aí… Sabe, a chuva fazia pingos no chapéu dele, abaixando a aba. Era um daqueles chapéus fedora. E ele deixava a câmera pegar chuva, era esquisito. Perguntou se eu estava pronto, eu confirmei.
– Hum. E aí? – A mulher batia o pé no chão.
-Aí… Ele apertou o botão e veio um flash. Forte demais pra uma Polaroid, mas sei lá. Quando passou, eu estava olhando pra cima. Meio cego ainda. Ele não tava mais lá. Olhei pro leste, oeste, e nada.
A mulher se irritava cada vez mais: – Tá, será que você pode me dizer onde quer chegar com isso?
– Então… Espera aí. Ele não estava, e no lugar tinha uma foto. A fot-
– Ah! A merda da foto do futuro é? – interrompeu ela, irritada, irônica.
– É. – ele a encarava agora, pela primeira vez desde que entrou.
– E posso saber onde está essa foto?
Ele tirou do bolso molhado da camisa uma figura retangular, igualmente molhada, e estendeu na direção dela. Ela pegou, procurando entender, na luz fraca da sala, um borrão de tons de cinza e o que parecia um foco luminoso no filme polarizador. – Que… Merda é essa? Não dá pra ver nada.
– Acho que foi a água, quando a chuva apertou.
Ela se zangou, levantou, ele levantou junto e antes que ela pudesse terminar de reclamar do atraso excepcional do futuro ex-namorado e da história ridícula que tinha acabado de ouvir, ele abriu a porta, despreocupado e parou, com uma mão no bolso da calça. Ainda de costas, sob os protestos da mulher, ele virou a cabeça de lado pra falar, sem mais olhar pra ela, tendo como fundo a chuva na rua:
– É uma foto do futuro, e você não está nela.
Bem, eles nunca mais entraram em contato. Ele aparentemente trocou de telefone, quiçá até de cidade, não se sabe. E ela o detestou por meses. Mas até ela, com o passar do tempo, precisou admitir que foi o término mais criativo de que se tinha ouvido falar.
***
Nota: este conto foi inspirado nessa música.