Guilty pleasures – Ou “nunca mais me respeitem”
Em algum momento da minha vida, eu me esforcei. Tentei ler livros decentes, assistir a programas de TV decentes e ouvir música decente. Juro que tentei manter meu currículo impecável, ser uma autoridade no assunto qualidade. Me frustrei tentando ser exemplo de elegância e bom gosto. Me dispus a vir aqui semanalmente pra, às vezes, criticar artistas que estivessem na moda. A maioria das vezes com razão, claro.
Porém, se Dado Dolabela soubesse da minha existência, estaria em pé junto de uma multidão ensandecida, levantando um daqueles charmosíssimos garfos gigantes e incendiados [Nota do tradutor: Ancinho]. Sou a maior traidora de movimentos da história das traições de movimentos. Vim aqui admitir meus crimes.
Caralhas, que poço de vergonha alheia eu sou. Já viram minha banda predileta?
Vou confessar. Ao mesmo tempo em que estudo piano clássico e jazz, consigo bater cabelo loucamente escutando Simple Plan. Me divirto com os clipes de Epica e ainda fico revoltada quando alguma fã de Avril Lavigne faz polêmica em cima da Amy Lee. Quer mais? Na minha estante, AC/DC e Aerosmith convivem pacificamente com Evanescence e Nightwish. E o último já sem a Tarja, pra piorar. Amo rock farofa. Escuto Lady GaGa – Coisa impensável de se admitir até o texto dessa semana – Birdy e, às vezes, presto atenção no The Voice Brasil.
Me processem.
Vamos chegar num acordo e combinar o seguinte: Na vida, você precisa de diversão barata. Ninguém aguenta chegar em casa, depois de pegar setenta e duas horas de trânsito e aborrecimento e abrir Edgar Allan Poe pra ler. Por mais hipster que um indivíduo possa chegar a ser, duvido que o mesmo se disponha a atirar a primeira pedra quando perguntarem se ele nunca deu uma risadinha assistindo a Caceta e Planeta. Ou, como é mais apropriado à temática da coluna, se nunca dançou na boquinha da garrafa ou cantarolou Sorriso Maroto depois de uma noitada com os amigos.
Infelizmente, vivemos numa revolução babaco-nerd. Todo mundo quer ser culto e entender todas as referências de Big Bang Theory, tanto as científicas quanto as culturais. E, rapaz, esse momento de culteza tinha tudo pra ser bom, pra acrescentar coisas construtivas à vida das pessoas. Somos tão idiotas que até a vontade de estudar conseguimos transformar em bosta.
Sim, “nós”, tô falando na primeira pessoa do plural. Eu já sacaneei quem lesse Nicholas Sparks. E apontava o dedo com convicção, apesar de cometer as minhas próprias muitas gafes, já citadas acima. Mordi a língua quando vi gente respeitável, professores de literatura formados em excelentes faculdades, devorando os livros dele. Gente que analisava Shakespeare, Tolkien, Stephen King e outros mestres da literatura e encontrava, dentro de si, espaço pra livros despretensiosos. Um encontro entre dois mundos, literalmente.
Você não precisa mostrar pra todo mundo os seus dotes neurológicos. A sua competência não é medida pelo o que você curte fazer no momento livre. Ouvir Mozart, É O Tchan ou, sei lá, dar o cu, não interferem na sua capacidade. Para de tentar ser impecavelmente correto 100% do tempo. Se não existisse gente ruim como Salieri ou Hannah Montana, ninguém ajoelharia todos os dias e agradeceria aos céus pela existência de Beethoven. Se liberta, mona.
Zoar, fazer piada e estar aberto a puxões de cueca por causa de alguma coisa que cê goste, tudo bem. É saudável e faz parte. Passar o dia no Facebook reclamando de quem vai em baile funk é coisa de gente idiota. Aqui vale o mesmo princípio do homofóbico: Só liga pro gosto alheio quem é mal resolvido com os seus próprios.
Passem bem, desencanem e arrumem uma louça pra lavar antes de falar qualquer coisa sobre pessoas que você considera inferiores por causa de gosto pessoal.
E me contem aí nos comentários as coisas vergonhosas que vocês gostam de ouvir. Por favor, não me deixem aqui sozinha nas confissões.
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