Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild)
Hushpuppy (Quvenzhané Wallis) é uma menina de apenas 6 anos de idade que vive em uma comunidade miserável isolada às margens de um rio. Ela está correndo o risco de ficar órfã, pois seu pai (Dwight Henry) está muito doente. Ele, por sua vez, se recusa a procurar ajuda médica. Um dia, pai e filha precisam lidar com as consequências trazidas por uma forte tempestade, que inunda toda a comunidade. Vivendo em um barco, eles encontram alguns amigos que os ajudam. Entretanto, o pai vê como única saída explodir a barragem de uma represa próxima, o que faria com que a água baixasse rapidamente e a situação voltasse a ser como era antes.
Agora que já nem importa mais, comecei a ver os indicados ao Oscar desse ano. E o melhor deles até o momento é justamente o que eu mais relutei em assistir. Nem tanto por se tratar da aposta indie da vez, mas pela já tradicional e inapropriada contribuição brasileira na tradução do título.
Por isso, o chamemos apenas de Beasts of the Southern Wild, muito mais da hora, vão dizer. Enfim, além do título nacional, o filme tem muitas coisas que podiam dar errado. Pra começar, a escolha de retratar uma comunidade pobre nos EUA. O que, apesar de relevante socialmente, pode passar pra demagogia num piscar de olhos e deixar tudo: Um saco. E mais preocupante que isso, o cenário ecoa outra produção recente que fazemos o possível pra esquecer, chamada: Preciosa.
Porém, o diretor estreante Benh Zeitlin optou por contar a história pela ótica da protagonista de 6 anos, Hushpuppy. Ou seja, filtrando a dureza do ambiente através da imaginação da criança e tudo o mais, imediatamente remetendo ao que o Guillermo del Toro fez n’O Labirinto do Fauno. Mas depois dessa impressão inicial, o realismo fantástico lembra muito mais o Onde Vivem os Monstros misturado com Contraponto, do Terry Gilliam. Ou seja, nada de original. Só que funciona muito bem mesmo assim, em grande parte por conta da complexidade da personagem principal, que consegue carregar a história nas costas, com narração em off e tudo. E é interpretada genialmente pela Quvenzhané Wallis, ou a atriz com o nome mais complicado a jamais concorrer ao Oscar.
Cujo principal mérito é a “selvageria” da atuação, já que a personagem vive numa ilha, ou melhor, Banheira, no sul da Louisiana, isolada do resto do estado por se tratar de um lugar condenado pelo risco de inundações. Mas a população local se orgulha de viver em meio a natureza e essas coisas, em contrapartida às pessoas “civilizadas” que vivem no seu mundinho de fantasia na cidade. Apesar de 90% da galera dali ser alcoólatra, viver no meio do lixo e comer qualquer animal que apareça. Ou talvez por isso mesmo. Mas eles também tem consciência de que o lugar tá em risco e passam uma noção distorcida do aquecimento global, do iminente derretimento das calotas polares pras crianças, enquanto comparam a luta pela existência deles com os esforços dos homens das cavernas perante os animais pre-históricos.
Por isso, depois de uma briga com o pai e a chegada de uma tempestade que presume-se ser o furacão Katrina, esses conceitos se misturam na cabeça da Hushpuppy, enquanto ela se convence de que precisa consertar o mundo pra que tudo volte a ser como antes. E aqui a coisa fica legal, já que o filme não se torna uma simples aventura infantil, por conta dos temas presentes. Tipo o alcoolismo do pai, a morte da mãe, o meio-ambiente, algumas conexões duvidosas com a mitologia grega e enfim, toda a complexidade da situação que culmina quando o governo os resgata contra a vontade deles. Mas isso também não se sobrepõe a história, apenas vamos passando por tudo isso durante a jornada da protagonista, agora pra curar o pai.
Ou seja, enquanto podemos tomar o tempo que quiser para refletir sobre as questões presentes, nenhuma lição é forçada ao espectador. O que fica é a conclusão final de Hushpuppy, meio clichê, mas ainda bacana, principalmente porque reforça toda a ideia de que as pessoas retratadas ali não fazem parte de um grupo ou local especifico, mas são representações de todo um momento “mistico” da raça humana, anterior à maquinas, computadores e metrópoles. Já nos aspectos técnicos, a câmera podia tremer um pouco menos, mas fazer o quê. No mais, as atuações tão muito boas, especialmente quando pensamos que quase todo mundo ali é morador da região onde o filme foi feito, incluindo a atriz principal e o Dwight Henry, interprete do pai da protagonista, que até antes da produção era só o dono de uma padaria nos arredores.
Indomável Sonhadora
Beasts of the Southern Wild (93 minutos – Drama, Fantasia)
Lançamento: Estados Unidos, 2012
Direção: Benh Zeitlin
Roteiro: Lucy Alibar, Benh Zeitlin
Elenco: Quvenzhané Wallis, Dwight Henry, Levy Easterly
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