Laranja Mecânica (A Clockwork Orange)
Duas considerações sobre o novo quadro: 1- Se trata de um lugar pra falar de filmes clássicos, e não tome somente “Casablanca” por isso. 2- NÃO PERGUNTE a causa, motivo, razão ou circunstância do senhor Bogart ser TANGA. Dito isso, vamos ao primeiro filme.
*Pega um copo de leite e coloca Beethoven pra tocar*
Laranja Mecânica (A Clockwork Orange) conta a história de Alex. Narrado por ele mesmo, o filme mostra que ele não é só um rapaz que gosta de ultra-violência, mas também de estupros, drogas e música clássica. Ele e sua gangue passeiam na floresta de um futuro (com cara de presente) distorcido, a procura de diversões sádicas. Mas quando Alex se encontra à mercê do Estado e sujeito ao novo tratamento de um psicólogo perturbado, ele descobre que a diversão não é mais a serventia da casa. E, mesmo que através de uma lavagem-cerebral, Alex se torna um bom menino. Ou não.
Publicado em 1962 por William Heinemann Ltd, o livro Laranja Mecânica foi o produto de traumas vivenciados pelo autor, Anthony Burgess. Não que ele tenha passado por lavagem cerebral. Em 1944, enquanto Burgess servia em Gibraltar, a primeira mulher dele, Lynne, foi espancada e assaltada em Londres por uma gangue de quatro desertores. Ela sofreu um aborto como consequência, e Burgess especulou uma vez, numa entrevista, que a saúde fraca e a morte antes do tempo dela poderia ter tido MUITO a ver com o ataque.
Quando assisti o filme pela primeira vez, não entendi muita coisa. Não tanto pela complexidade do roteiro, mas pela dificuldade de entender a linguagem. Se você compreendeu tudo perfeitamente, parabéns, em alguma outra vida você foi ESLAVO.
Éramos eu, ou seja Alex, e meus três druges, ou seja Pete, Georgie e Dim. Nós estávamos na leiteria Korova e estávamos tentando rassudocar o que faríamos aquela noite. A Korova sevia leite-com. Leite com velocete, ou sintemesque ou drencrom, que era o que bebíamos então.
Sem contar que não são só as palavras em Nadsat (sufixo russo pra “adolescente” – como “teen”). O narrador, ou seja Alex, usa também muitas onomatopéias e neologismos vindos do próprio inglês. Pra ler o livro, tive que estudar russo imprimir um mini-glossário de expressões só do Alex. E o objetivo do autor foi esse mesmo, te fazer uma lavagem-cerebral aprender uma linguagem nova só pra ler o livro. Mas não vou me adentrar muito na questão (importantíssima) da linguagem, porque isso dá MUITO pano pra manga. A começar pelo título. Mas vale lembrar que o Alex é o precursor do uso do ‘like’ (tipo, o nosso tipo mesmo) de forma lacônica.
Como se o jeito de falar do Alex não fosse o bastante, as coisas que o menino fazia chocaram o mundo. Ele achava divertido BAGARAI bater nos outros sem motivos aparentes. E roubar. E estuprar também. “Certamente não foi prazeroso pra mim descrever os atos de violência”, disse Burgess em 72, mas mais tarde confessou em sua autobiografia: “Eu fiquei enojado com minha própria satisfação em botar aquilo pra fora”. Querendo se fazer de santo durante o lançamento do filme, hein, Seu Anthony?
Foi em 1972 que Stanley Kubrick lançou a versão cinematográfica do livro em questão. Ao contrário do que é comum, a história seguiu fiel ao que Burgess tinha escrito, inclusive ao transcrever os diálogos. Claro que 140 páginas de livro não poderiam estar inteiras num filme, mas eu não culpo nenhum dos cortes. Ok, exceto por duas coisinhas… como bom americano, o Kubrick engoliu algumas partes importantes da história e culpou a falta de um capítulo essencial do livro: o último. É isso, se você só viu o filme, não viu a história do nosso anti-herói inteira. Tudo bem que é fato que nos EUA não tinha mesmo o 21º capítulo, mas daí ao Kubrick não lembrar de reler tudo em Londres é demais.
Além disso, tem um detalhe que faz a história toda ficar ainda mais chocante. Se ao ver Malcon McDowell do alto de seus 29 anos você achou que o Alex era o cão chupando manga, o que acontece se eu disser que o original tem 15? Isso, QUINZE ANOS. O senhor bate-rouba-sedroga-estupra tinha 15 anos ao ser preso e 18 ao sair da cadeia. E as mocinhas que ele leva pro quarto na cena genial que toca “Overture to William Tell” (as moças dos picolés coloridos, caramba) não têm mais que 10 anos.
Eu sou muito suspeita pra falar do Laranja Mecânica porque desenhava o nome do Alex em coraçõezinhos sempre torço por vilões e li o livro umas 5 vezes e vi o filme umas 86546 vezes e NÃO foi um caso de amor a primeira vista, porque, como já disse, a linguagem me atrapalhou um pouco.
Mas fatos são fatos. Alex é o clássico anti-herói adolescente, e isso faz com que ele tenha um “quê” de inocência, mesmo nos atos mais depravados. Como qualquer herói rebelde, ele exala um charme quase diabólico. Um desses charmes está no seu amor pela música clássica. Outro está na forma Shakesperiana e ultra sarcástica que ele fala quase o tempo inteiro, entre outras coisas. Você acaba achando muita graça nas atrocidades que ele faz e beira a pena quando ele vai preso.
No elenco, ninguém que VOCÊ vá reconhecer o nome, mas todos excelentes em seus papéis, dando destaque pro carcereiro (Michael Bates), pras caretas do escritor (Patrick Magee) e, claro, pro Alex (Malcon McDowell). Apesar de ser mais velho que o do livro, o Malcon É o Alex. E eu podia escrever por horas sobre esse filme, mas infelizmente o quadro tem hora pra sair.
Laranja Mecânica
A Clockwork Orange (136 minutos – Crime/Ficção)
Lançamento: Reino Unido/EUA, 1972
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick/Anthony Burgess
Elenco: Malcon McDowell, Patrick Magee, Michael Bates
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