Livro tem validade?
Vez ou outra, ouço me falarem “porque você comprou esse livro amarelo, caindo aos pedaços?” como se eu estivesse carregando um cadáver em meus braços, e o olho dele estivesse rolando perto dos pés da pessoa que me fala isso. Tá certo que são pessoas que chegam perto de um livro novo de vez em nunca, mas da maneira que falam, parece que estou com algo vencido em mãos.
O que me leva a pensar nisso: Livro tem validade? Um livro pode estar todo rasgado, fodido, com rasgos e dobras em praticamente todas as páginas, manchas de mofo e sangue espalhadas em toda sua superfície, mas mesmo assim, ele não pode ser considerado “vencido”, ao contrário de uma lata de ervilhas estragada no fundo do armário, que se passar de alguns dias, já era. Afinal, não é a aparência de um volume que prova o seu valor. E ervilha é uma coisa horrível.
Pra variar um pouco, vou soltar exemplos. Jack kerouac teve seu On the Road publicado em 1957. Com sua narrativa empolgante, seus personagens completamente diferentes de tudo o que tinha sido feito na época, o livro fez um relativo sucesso. Antes que me apedrejem pelo relativo, eu ia falar de algum outro livro que foi lançado no mesmo ano dele, mas como não teve nenhum interessante, deixarei esse exemplo de lado. Bom, On the Road foi um marco na literatura pelos motivos citados anteriormente, mas ele não é conhecido por praticamente o mundo inteiro, como aqueles livrinhos mais atuais que sempre me dão raiva. Pergunte pra um transeunte qualquer se ele já ouviu falar de Jack Kerouac, e ele pode cuspir na sua cara, achando que foi ofendido, mas se perguntar por James Redfield, é capaz que ele comece a falar sobre as teorias da profecia celestina, sobre os pergaminhos ou seja lá o que for. Tá certo que antes,lá pelos anos de 1980, um livro lançado fora do Brasil demorava anos pra ser lançado aqui, isso se era lançado, e a chance de ler algo realmente bom estava somente ao alcance de pessoas com vontade de encomendar o livro, conhecimento do idioma dele, e paciência, porque demorava meses pra chegar. Não sou dessa época, o máximo que tenho que esperar hoje em dia por um livro que encomendo é 3 semanas na pior das hipóteses, e isso porque onde moro o endereço é completamente maluco, mas isso não vem ao caso. Hoje em dia, que livros são lançados simultaneamente em todo o mundo, que prazos de encomenda diminuíram muito, a velocidade das entregas é extrema, e que temos centenas de livrarias por aí, temos diversos títulos que não chegam nem ao conhecimento do público. Podem falar que não são livros comerciais, que não tem apelo comercial, que não são pra ganhar dinheiro, mas eles tem que ficar escondidos no fundo de cada prateleira?
Mas voltando ao principal, antes que eu me perca,como sempre. Livros assim, escondidos são aqueles que só depois de um tempo (normalmente depois da morte do autor) é que se tornam conhecidos. Eles são velhos? Sim. Podem ter sua trama, clima de história, ambientação ultrapassados? Nunca. Um tema de um livro nunca fica velho, pois sempre pode ter seu contexto histórico, seu estilo de escrita singular,que pode marcar alguma época, e acima de tudo, sempre tem público pra qualquer tipo de livro. O livro amarelo que citei no inicio do texto, por exemplo, é o Três Portas para a Morte, de Rex Stout,edição de 1954, época que os telefones só tinham 4 digitos. Só essa tradução que tenho em mão tem 54 anos, uma época que meu pai nem era nascido ainda, não é por isso que deixei de comprar ele. Ele pode estar meio gasto nas bordas, e algumas páginas soltando, mas a história dele é o que vale. Apesar de sua idade, ele tem uma história que me faz pensar até hoje, e é só isso que importa. Não estou dizendo para só ler coisa velha, mas sim, para que, ao estar diante de um volume desses, dê uma olhada, pois não é a aparência dele o principal, e sim, seu conteúdo.
É claro, você pode pegar uma virose antiga, alguma doença já erradicada que ainda está entre as páginas dele, mas todo mundo tem que correr alguns riscos, não é verdade? Bien, sobrevivam até a próxima semana, se conseguirem…