Mark Sandman, alguém que você deve conhecer
Mais de um ano atrás, o Chinaski falou aqui sobre uma certa banda chamada Morphine. Ninguém escreveu sobre, mas há também uma banda de blues rock chamada Treat Her Right, uma HQ, fotos e a Itália. Mas o que liga essas coisas (E algumas outras mais)? A história de uma pessoa: Mark Sandman. Se você o conhece, ou qualquer uma dessas bandas, tens sorte. Se não, devia conhecer. E essa é a sua oportunidade.
O início de tudo e a música
Em resumo, Mark Sandman nasceu numa família judia em 24 de setembro de 1952, em Newton, Massachusetts, Estados Unidos. Se graduou na Universidade de Massachussets e daí em diante passou por uma série de empregos. Foi taxista, pedreiro, até esteve no negócio de pesca comercial. Ele uma vez disse que eventualmente conseguia um bom pagamento por horas extras e podia viajar para lugares fora do estado da Nova Inglaterra, como a zona rural do Colorado, por exemplo, lugar que serviu de inspiração para algumas músicas de suas bandas principais, Morphine (Onde ele era vocalista e baixista) e Treat Her Right (Onde ele era um dos vocalistas e guitarrista).
Aliás, as duas bandas coexistiam. O Treat Her Right foi fundado em 1984, com o nome de um hit dos anos 60 do cantor Roy Head. O Morphine começou em 1989, com o mesmo nome do narcótico opióide usado para aliviar a dor. A primeira era uma espécie de híbrido de blues, country e rock propriamente dito. Já a segunda era algo que os próprios integrantes chamaram de “low rock”. Assim como tem o hard rock, o punk rock, com suas características, o low rock era uma combinação de blues e jazz com arranjos básicos de rock and roll, tudo feito por um saxofone barítono, uma bateria, a voz de Sandman e seus instrumentos: Geralmente um baixo de duas cordas afinado numa quinta; outras, uma guitarra esquisita de uma corda só, a “unitar”, e um baixo slide com uma corda de baixo e duas cordas iguais, geralmente afinadas uma oitava acima e em Lá. Aliás, algumas vezes ele juntava cordas de baixo e de guitarra, formando o que se chamou de “basitar”, “tri-tar” e “guitbass.” Por isso, Mark Sandman, além de músico, também é chamado de inventor; ele criava, mexia em seus instrumentos musicais, com a criatividade que fotografava e desenhava. Ah, sim, por que ele também fazia isso, inclusive criou uma HQ chamada The Twinemen, que mais tarde foi o nome de uma banda formada pelos ex-integrantes do Morphine e uma cantora chamada Laurie Sargent.
Criatividade, mulheres e influências
Uma coisa constante na vida de Sandman parece ter sido a criatividade. Não se pode acusar esse sujeito de ter sido alguém comum. Nas palavras do próprio: “Eu era uma espécie de criança sonhadora – um bebê curioso. Quando criança, as pessoas me diziam que elas achavam que eu iria crescer para ser um poeta. Pra que tipo de criança alguém diria isso é algo a se pensar.” Sabe-se que além da própria personalidade, dois eventos em particular influenciaram a sua vida artística: Ele foi roubado e esfaqueado em seu taxi e dois de seus irmãos morreram. Isso se vê na música “No Reason”, do Treat Her Right, que diz no refrão “Não há razão nessa vida / alguém vive e alguém morre / isso não deve vir como uma surpresa / Por que não há razão nessa vida”. Mesmo sem saber do motivo da canção, um ouvinte qualquer poderia notar que ela se sobressai no álbum (O segundo, Tied To The Tracks, de 1989), com uma das letras mais tristes escritas por Sandman.
Aliás, a impressão que se tem ao ouvir as músicas de Mark Sandman é que elas são, em sua maioria, autobiográficas. Os fãs, e eu estou nessa, acham que isso é verdade, apesar de não ter havido confirmação dele quando vivo. Mas mesmo assim, talvez seja a única maneira de se ter uma idéia sobre sua vida, já que Sandman nunca falava sobre seus assuntos pessoais. Ele tinha um problema especial com sua idade (46, no ano de sua morte), ficando inclusive irritado se perguntado sobre isso pelos repórters.
Ainda sobre as músicas, nota-se a freqüente menção de mulheres em suas letras, especialmente no Morphine: Algumas citadas pelo nome, como Mary, Sheila, Claire, Lisa e inclusive uma que aparece mais de uma vez, tanto numa música própria como citada em outras, chamada Lilah; outras têm apenas um tipo de apelido ou algo que leve a crer ser uma mulher, como a Buena, da famosa música de mesmo nome que diz no refrão “Veja só, eu conheci um demônio chamado Buena, Buena, e desde que eu conheci esse demônio as coisas não tem sido as mesmas”; outra que é citada é uma certa Candy (Doce, em inglês), da música assim chamada também: “Candy me disse que nada mais importa realmente / Quando eu perguntei o que ela queria dizer, ela disse que eu saberia”. Além da presença de mulheres, que eu gosto muito, as caracteríscas naturais do low rock do Morphine faziam muitas músicas serem ótimas para se ouvir durante o sexo, para strip-teases, bebedeiras e… Sexo, eu já disse isso? Enfim.
Morte
Fala-se muito nos tais artistas que morreram com 27 anos, desde Robert Johnson até Jimi Hendrix, mas Sandman não seria assim tão óbvio. Ele teve praticamente mais 20 anos de vida e uma lenda que, ao contrário dos demais, foi vista e testemunhada por uma multidão de fãs. Mark Sandman caiu no palco do Giardini del Principe, em Palestrina, Itália, na noite de um sábado, três de julho de 1999, fulminado por um ataque do coração enquanto se apresentava com o Morphine¹. Era o segundo dia de um festival de música e milhares de pessoas se faziam presentes. Um médico tentou revivê-lo em vão, Sandman foi levado para um hospital próximo mas declarado morto ainda na ambulância.
Sandman não tinha histórico de problemas cardíacos. Aliás, as perguntas sobre as causas de sua morte ainda não foram totalmente respondidas. Hoje muito se especula sobre isso e algumas teorias são mais plausíveis que outras². Algumas pessoas partem imediatamente para questionar o nome da banda, morfina, como eu já disse, uma droga, o que apontaria um suposto abuso de narcóticos por parte de Sandman. Mas uma dedução desse nível se prova primária. Tanto Sabine Hrechdakian, ex-namorada do cantor e Dana Colley, seu colega de banda e saxofonista, afirmam que Mark não só não usava drogas pesadas como as detestava. Ele era inteligente o suficiente pra isso e já tinha visto os efeitos delas nas pessoas (Ver de novo nota 2, no final do texto). Também, uma clássica citação de Mark, encontrada até no IMDB, diz o seguinte sobre a escolha do nome da banda: “A palavra ‘Morfina’ vem da palavra ‘Morfeu’, que é o deus [Romano] dos sonhos, e aquilo nos interessou como conceito… Eu ouvi que há uma droga chamada ‘morfina’, mas isso não é de onde nós estamos vindo… Nós estávamos sonhando, Morfeu vem ao nossos sonhos… E nós acordamos e começamos esta banda… Nós estamos todos embrulhados nessas mensagens de sonhos e fomos compelidos a começar essa banda”. A verdade é que as respostas mais sensatas provavelmente estão em outro lugar. Sandman vivia sob estresse, tentando cumprir o contrato e escrever músicas, ainda sob efeito da morte de seus dois irmãos mais novos, Roger e Jon, e fumava uma carteira de cigarros por dia há vários anos. Ainda, no dia de sua morte fazia um calor de 37 graus na Itália e a noite ainda estava muito quente. Sabine também disse que duas semanas antes do que seria a última turnê do Morphine, Sandman estava sentado numa noite e começou a reclamar de dores e falta de ar. Ele pensou ser uma indigestão. Só durou dois minutos, mas Sabine mais tarde reconheceu isso como um provável sinal de alerta que ninguém ouviu.
Mas isso só se pensou com o tempo. Na época, com os jornais apenas dizendo “Cantor morre de ataque do coração”, os rumores do uso de drogas voaram e até hoje muita gente desinformada e/ou de mente pequena continua afirmando tal coisa, o que desapontava muito seus amigos e familiares que o conheceram de verdade. Um agravante é que, principalmente pela religião de sua família, não houve autópsia. Há também o fato de que isso aconteceu em uma cidade estrangeira e de repente, o que, segundo Sabine, deixou os pais de Sandman desconfortáveis para pedir uma autópsia. “Nenhum de nós sentiu que havia um motivo plausível para conduzir uma”, disse ela. No final, isso pouco importava. Até hoje essa questão fica sem uma certeza, até por que ninguém a tem.
Mark se foi repentinamente, deixando os pais, a única irmã viva, a namorada e os colegas de banda, além dos fãs, pois o Morphine se dissolveu logo depois. Sua mãe, Guitelle Sandman, que faleceu em 2010, publicou de maneira independente um livro sobre a morte de seus três filhos chamado, em tradução livre, “Quatro Menos Três, Uma História de Mãe”.
Post mortem e minhas impressões
O cruzamento da Avenida Massachusetts com a Rua Brookline, em Cambridge, Massachusetts, na área central da cidade, foi denominada Mark Sandman Square em sua homenagem. Também criou-se o Fundo de Educação Musical Mark Sandman, para dar às crianças de Cambridge a oportunidade de aprender música. Em 2008 o projeto foi renomeado Projeto Musical Mark Sandman. Ano passado saiu o documentário Cura Para A Dor: A História de Mark Sandman³. DVDs, discos e homenagens são feitos até hoje.
E eu, eu sou fã declarado tanto de Mark como de seu trabalho que conheci até agora. A discografia do Morphine é impecável, a do Treat Her Right também. E o tal low rock vive. O country-blues-rock também, aliás, a segunda banda voltou à ativa. Certos momentos da minha vida estão ligados a essas músicas. E, finalmente, Mark J. Sandman morreu no dia do meu aniversário. Em 1999 eu era um moleque, mas agora já posso lembrar disso.
Sabem, acho que tudo isso simplesmente fala a minha língua.
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Notas e bibliografia:
3 – Review de Robert Bralver e David Ferrino sobre o documentário “Cura Para A Dor” (em inglês).
Artigos da Wikipedia sobre Mark Sandman, Morphine e Treat Her Right em inglês e português (exceto o do Treat Her Right, apenas em inglês):
Mark Sandman – Português / Inglês
Treat Her Right – Inglês
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