Não deixem o fim do FIQ ser o fim do quadrinho nacional (ATUALIZADO!)
Então putada, vamos falar de coisa séria: Cês conhecem o FIQ, o Festival Internacional de Quadrinhos? Pois é, ele tá com a corda no pescoço.
Eis o básico: O FIQ é realizado em Belo Horizonte desde 1997 e é (Ou já foi) considerado o maior evento de quadrinhos do continente americano. Sendo um evento feito pela prefeitura, o treco depende do planejamento da cidade para ser realizado. Na semana passada foi confirmado que apesar do FIQ 2017 estar planejado, não houve a separação de verba para o festival, e como todos sabemos sem temers o bagulho não rola.
Sendo o maior evento do tipo no país (E também um dos poucos totalmente dedicados à quadrinhos), é claro que a notícia acertou a galera na fuça, e como estamos em 2017 a galera está respondendo xingando muito no Twitter e no Facebook. Se vocês estiverem com preguiça de ler isso aí, o resumo é o seguinte: O FIQ é importante para o mercado nacional de quadrinhos, diversos artistas contam com o evento, ele já influenciou muita gente a começar a fazer gibi e através dele artistas e fãs podem finalmente se conhecer pessoalmente.
Se vocês estão achando que este texto está muito raso, estão certos, e é de propósito: O Terra Zero fez um editorial bem detalhado explicando a coisa toda, já tem Vakinha de vídeo-protesto, já teve protesto ao vivo vai pra rua, considerações do Lady’s Comics (Que já fez eventos em parceria com o FIQ), o Catarse também se envolveu, e até os vagabundos do MdM tão com o cu na mão. Toda essa gente pode falar (E está falando) sobre o assunto muito melhor que eu.
Se vocês se deram ao trabalho de ler os textos aí (E deveriam), sabem que o problema é muito simples: Fazer o FIQ custa caro e a prefeitura não tem dinheiro pra isso.
Porém tanto o MdM quanto o Terra Zero ressaltam uns pontos importantes: A utilidade do quadrinho como mídia, o crescimento nos últimos anos do mercado, a má gestão por parte do governo e a falta de engajamento do público em relação à situação do FIQ. Em bom e velho português, BH tá na merda e nego tá pouco se fodendo pra gibi. Não diferente de resto do país, diga-se de passagem.
Maaaaaaaaaaaaaaaaas como eu sou eu é claro que este texto não poderia passar sem eu interpretar o advogado do diabo.
Como ambos os textos apontaram, um evento do tipo (Lê-se “convenção de quadrinhos”) é construída a partir da cena, do mercado, do público… Mas a real é que isso é muito inocente. Falei exatamente sobre isso semana passada, quando eu sequer sabia da questão do FIQ. “Se todo mundo der as mãos”… Meus queridos, isso aqui não é jardim de infância. Cês acham que a Comic Con Experience deu certo porque nego se juntou? O caralho, é um modelo de negócio testado em dezenas de países: Tem um investimento privado gigante pro bagulho sair do chão. Os ingressos pra CCXP deste ano em Pernambuco chegam a custar CINCO MIL REAIS. O FIQ é de graça. Artistas, jornalistas e público JAMAIS fizeram a CCXP. Tem noção de quanto gibi dá pra comprar com o preço do INGRESSO?!
O artista quer vender quadrinho? Quer. O jornalista quer cobrir evento? Quer. O (Grande) público quer quadrinho? Porra nenhuma, quer boticário. Quer pagar duzentos e cinquenta reais pra tirar foto com artista gringo e jogar no Instagram. É que nem dizer que as pessoas vão pro Salão do Automóvel comprar carro: Pura babaquice; salão, convenção, congresso, isso tudo é pra quem tem tempo livre e quer gastar o triplo do preço pra comer um cachorro-quente.
Então o FIQ não tem como rolar. Não é surpresa alguma. E mais: O FIQ é o mesmo há vinte anos. O país de vinte anos atrás ainda sentia os efeitos do Plano Real, e nesse meio tempo passou por mais sei lá quantas crises. É verdade que até uns 2 ou 3 anos atrás o mercado nacional de quadrinhos crescia a passos largos, tal qual o de RPG, mas atualmente isso simplesmente não é verdade. Há crescimento sim, mas o mercado está mais próximo de uma recessão do que de uma expansão: O mercado não está crescendo, o nicho é que está expandindo.
E já que estamos no tópico: Quadrinho não é cultura, é mídia. Pro bagulho ser cultura precisa integrar efetivamente o nosso modo de vida, fazendo parte das tradições, costumes e crenças da sociedade, ajudando a moldar como nos expressamos (E não só artisticamente) e como enxergamos o mundo. Pra ser cultura, alguma coisa precisa ser indivisível do nosso modo de vida. Quem aqui disser que nunca parou de ler quadrinho porque encheu o saco pode tacar a primeira pedra: Quadrinho pode ser seu trabalho, sua paixão, pode ter te ensinado valores e feito companhia em momentos bons e ruins, mas o fato é que quadrinho é supérfluo. Deixamos de ler por falta de tempo, por falta de dinheiro e por falta de saco; colocamos os gibis do lado se o trabalho está estressante ou se temos muitos trabalhos na faculdade. Escolhemos pagar a internet antes de comprar a próxima mensal. Quadrinho pode ser importante, muito, muito importante para todos nós (Afinal cê não tá lendo isso aqui de bobeira né), mas podemos nos dissociar dele. Não dá pra dissociar cultura.
Então o FIQ acabou? Ou só não vai rolar este ano e em 2019 estará de volta? O FIQ é um evento incrível, mas não é a única resposta pro mercado nacional. Não estou falando de outros eventos do tipo e nem de eventos como a CCXP, mas sim do fato de que com ou sem FIQ não tem hoje no país uma base na qual construir um evento sobre quadrinhos. Seja o FIQ seja outro (Velho ou novo), não dá pra basear a produção de quadrinho num evento. Não é assim que funciona: Não se constrói telhado antes do piso. Tem que ter público interessado e tem que ter produção, depois vem o evento. Dizer que sem o FIQ o quadrinho nacional vai morrer só comprova que ele já está morto.
Update
Ora vejam só:
BH sem FIQ!? Nem em universo paralelo! #ficafiq #OFiqFica ??? pic.twitter.com/5SDdWrap9m
— Prefeitura de BH (@prefeiturabh) 12 de abril de 2017
A prefeitura de BH mandou essa aí, e pelo Facebook disse que o FIQ e os outros eventos que também não tinham sido confirmados vão acontecer sim. Não conheço os outros dois eventos, mas o FIQ é foda e, claro, a galera tá feliz da vida agora.
Maaaaaaaaaaaaaaaas como diz o post no Facebook, “todo o orçamento da Fundação Municipal de Cultura está sendo revisto para que seja executado, de forma eficiente, toda a programação cultural da cidade”. O que exatamente isso significa? Porque olha só a novidade pra vocês: Dinheiro não cresce em árvore. Ou o dinheiro pra programação cultural já existia e foi deliberadamente cortado, ou o dinheiro para realizar os eventos vai ser tirado de algum outro lugar é lógico que do cu, podia ser mais daonde. Não vou ser dramático dizendo que “vão reduzir cama em hospital pra fazer encontro de gibi”, mas ou o dinheiro sai de algum outro lugar (No caso de a prefeitura realmente não ter verba) ou volta pra programação cultural após ter sido tirada dela pra início de conversa, e seja como for, isso denota que dinheiro a prefeitura tem, só que programação cultural não é prioridade nenhuma.
E tem mais: Tudo que o público do FIQ tem é um post do Facebook e um tweet. Não sei se vocês chegaram à esse mundo há tão pouco tempo assim, mas o fato é que nenhum dos dois é garantia de porra nenhuma: Eu só acredito vendo o FIQ (E os outros eventos) acontecendo. E se acontecerem mesmo podem esperar eventos reduzidos, porque afinal de contas não se acham NOVECENTOS MIL REAIS (Só pro FIQ, além dos outros dois) em uma semana. Ou alguém aqui acredita que deu os cinco minutos num político qualquer lá e ele mandou um
MEU DEUS, TENHO QUE DESVIAR MENOS DINHEIRO ESSA ANO PRA TER CONVENÇÃO DE GIBI
O FIQ vai mesmo acontecer? Tenho que esperar pra ver, porque “notícia” com emoji em rede social não vale absolutamente nada. E minha conclusão original do texto permanece a mesma: O FIQ é um evento legal sim, mas nego o trata como a base da criação de quadrinho no Brasil, e isso inevitavelmente dá errado.
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