No Andar de Baixo (The Ones Below)
Com o início do Festival do Rio, no último dia 06, iniciei minha peregrinação de cinema em cinema. Todo ano, o objetivo é o mesmo: Tentar dominar o mundo assistir ao maior número de filmes que minha rotina permitir. Comecei a jornada por No Andar de Baixo, primeiro longa de David Farr, com a promessa de conferir um bom thriller psicológico. Em que pese alguns dos temas abordados tenham suscitado debates para um fim de semana inteiro, o filme não causou angústia ou desconforto, o que é um problema quando o gênero em questão é suspense, e não ofereceu nada que já não tenha sido feito.
A trama gira em torno de Kate (Clémence Poésy) e Justin (Stephen Campbell Moore), que estão esperando um filho e vivem confortavelmente em um pequeno edifício na Inglaterra. Suas vidas mudam quando Jon (David Morrissey) e Theresa (Laura Birn), que também está grávida, compram o apartamento do térreo. As duas mulheres se aproximam, mas um acidente trágico durante um jantar de boas-vindas, no qual Theresa perde o bebê, causa um grande mal estar entre os casais.
A apresentação dos personagens do andar de baixo é o único momento de real tensão durante toda a trama, justamente porque não deveria ser. E é o principal acerto do longa. Jon aparenta estar em um constante estado de agressividade e escondendo algo, ainda que se esforce para parecer educado. Já Theresa age como se vivesse em um relacionamento abusivo, bebendo às escondidas e demonstrando sempre traços de pavor ao lado do marido. É impossível dizer se a mulher realmente é infeliz, porque essa potencial subtrama é abandonada ao longo do filme. Uma pena, pois poderia enriquecê-lo, dando uma ótica menos óbvia a seu desenvolvimento.
Após o acidente, Jon e Theresa resolvem se afastar para digerir a dor, o que dá um alívio para o casal do andar de cima curtir o fim da gravidez, sem embates com os vizinhos. Porém, com o retorno deles e o nascimento do neném, Kate fica cada vez mais depressiva e paranoica com acontecimentos que não sabe dizer se são fruto de sua imaginação ou de uma armação. É impossível não pensar em O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski, ao observar a deterioração física e mental da protagonista. David Farr, aliás, bebe muito dessa fonte. Seja na relação do casal, com Justin cada vez menos presente e sempre questionando a sanidade mental da esposa, ou pela presença constante de Theresa no apartamento, levando sucos para Kate e cuidando de Billy, mesmo considerando a família responsável pelo seu aborto.
Contudo, ao contrário de O Bebê de Rosemary, que tem uma aura de algo esquisito no ar desde a primeira meia hora, em No Andar de Baixo, como os personagens não são tão bem constituídos e plásticos, é mais fácil identificar a intencionalidade de cada um. Eles são exatamente o que parecem ser e o suspense é nulo. Zero surpresas. Zero atmosfera sufocante. E, enquanto a atuação de David Morrissey é convincente, mas pouco explorada pelo apagamento do personagem, Stephen Campbell Moore está apenas sofrível.
Não é que No Andar de Baixo seja exatamente ruim, é apenas dispensável. No cinema, não sei dizer o que é pior. Minha principal crítica é a falta de comprometimento com o que acontece do lado de lá da tela. Algumas cenas foram escritas apenas para o público assistir porque, para a trama, não fazem sentido ou sequer diferença. No afã de chocar e explicar, David Farr demonstra insegurança em sua direção e roteiro ao expor o que deveria ficar subentendido, pecando, justamente, por não confiar na própria história.
No andar de Baixo
The Ones Below (87 minutos – Suspense)
Lançamento: Reino Unido, 2015
Direção: David Farr
Roteiro: David Farr
Elenco: David Morrissey, Clémence Poésy, Laura Birn, Stephen Campbell Moore
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