O Cinema Tem Medo de Se Exibir
Tenho uma história triste pra contar: Tenho que usar óculos.
Descobri semana passada, após notar uns poblema nas vista, e desde segunda-feira estou usando óculos: 0,75 graus no olho direito apenas. É pouco mas ainda me faz ficar com esse treco na cara sempre que estiver lendo, no computador, dirigindo e qualquer outra coisa que envolva uso contínuo da visão.
Meu deus, como essa merda suja fácil. E embaça. E toda vez que eu vou colocar algo comida na boca eu acho que vou me dar um soco na fuça. Também é extremamente estranho colocar o telefone na orelha, mesmo eu sabendo que a armação do óculos fica por trás da mesma. O tempo todo eu tenho que me lembrar que o treco na minha cabeça não é o fone de ouvido e que se eu botar qualquer coisa com som pra tocar, todo mundo vai ouvir. Eu já sou feio sem eles, com eles então fica foda. Agora tenho a caixa do óculos pra carregar por aí, duas marcas de pressão no meu nariz e bem, eu preciso usar óculos.
Minha vó avisou que este dia iria chegar. Eu ri. Eu neguei. Eu fiz piada. Eu disse que a véia tava recalcada por ter que usar e eu não. A minha vó tinha quase o dobro da minha idade quando começou a usar essa porcaria, e começou com um grau menor que o meu. E o pior de tudo é que, quando eu contei pra ela que ia precisar de óculos ela sequer me sacaneou: “Demora muito pra acostumar” ela disse. Astigmatismo. Coisa de seis meses atrás eu tava rindo disso tudo.
Se você, como eu, passou sua vida vendo TV, matando horas no computador e, de forma geral, fazendo todo o possível para evitar o sol você com certeza ouviu coisas como “não fica tão perto da tela”, “acende a luz pra ler” e “vai lá fora e descansa a vista um pouco”. Eu não dei ouvidos e me fodi. Sabe o que isso significa?
Significa que filme 3D agora é uma bosta ainda maior. Agora, pra mim, é oficialmente mais caro, mais chato, mais desconfortável e PIOR. Felizmente os cinemas daqui da minha cidade gostam de ajudar os seus clientes e praticamente todos os filmes 3D são apenas dublados, assim ninguém que usa óculos tem sequer uma desculpa pra sair de casa. Talvez seja a hora de assinar Netflix… Não, é claro que não.
Mas essa história toda, além de me fazer considerar uma consulta com um oncologista só por garantia, me fez notar algo acerca do cinema: O quão tradicional este ainda é no que trata da sua mecânica. Eu sei que a visão é o principal sentido que nós usamos, e obviamente o que fazemos reflete isso (Seja dirigir, ler ou cortar legumes, por exemplo), e no cinema também, vide o mundo de filmes sobre gente cega que “leva uma vida normal” ou (Pior ainda) “aprendeu o verdadeiro valor das coisas depois de não enxergar mais”.
Mas e se o que você visse num filme dependesse da sua visão?
Eu não me lembro sequer de ter ouvido falar num filme que, por exemplo, dividisse a tela no meio e mostrasse, em cada metade, a mesma cena mas ligeiramente alterada. Porque temos dois tipos de filme: Os normais e os 3D, sendo que os 3D tem o tipo moderno babaca e o tipo legal-vermelho-azul. Mas de um jeito ou de outro, a experiência de uma visão diferente se resume à uma perspectiva de profundidade: O filme é igual; no máximo você sabe que o balde no fundo do quarto tá um pouco mais distante do que poderia parecer.
Livros já brincaram com a ordem de leitura, espaço em branco, formatação, o simples ato de virar a página. A música tem literalmente gêneros inteiros baseados no preceito de que o que você ouve não é, necessariamente, o que o outro ouve, e isso de forma literal, física, e não só de interpretação. Mas, até onde me lembro, o cinema experimental não buscou esse ponto mais embaixo: Edição, CG, roteiro, tudo isso já foi, mas e a sua visão? E, literalmente, dar um jeito de que o que você vê na tela não seja tudo?
Óculos polarizados são uma realidade há um bom tempo. A tecnologia digital permite perfeitamente que, a cada exibição, um filme seja alterado, com cenas trocadas de ordem, adicionadas ou retiradas, ou ainda que, numa versão, um personagem ou situação seja completamente modificado. Houve o filme Last Call, cuja ideia é que a plateia do cinema escolheria, durante o filme todo, diversas opções, alterando assim o filme. Se nunca ouviu falar, nem se preocupe, eu sequer consegui uma lista de onde o filme foi exibido (Ao que tudo indica, apenas em alguns festivais), e a repercussão foi tão pouca que, se eu não lembrasse da época do lançamento, jamais acharia o tal filme. Não há dúvida alguma que vai uma imensa quantidade de trabalho pra fazer algo que, cena a cena, pode ser modificado pelo público a cada vez que o filme é exibido, mas ao mesmo tempo é um tipo de escolha extremamente primário. Quer dizer, é praticamente um point and click.
A questão é por que o cinema se preocupou em fazer cadeira que mexe, jogar água na tua cara e até mesmo ter um equipamento pra liberar odores durante um filme, mas nunca experimentou grandes coisas com a sua visão? Porque assistir um filme ainda é olhar para uma tela por duas horas, sem fazer mais nada? Porra, tem filme que é exibido durante uma montanha-russa, cara! Nego literalmente te botou num carrinho em movimento pra assistir a parada mas usar filtros de imagem pra qualquer coisa mais que um efeito especial de dois segundos não rola.
O que eu quero dizer com isso tudo é como que após mais de um século, o cinema não se preocupou em subverter seu mais importante elemento: O visual. Eu sei que colocar um foguete no olho da lua foi uma revolução, mas eu (Você e todo mundo) ainda vi um foguete pousando no olho da lua. Exatamente como há cento e quinze anos atrás. Exatamente como vi o Optimus Prime batendo num outro robô ano passado. Quanto trabalho, quanta disposição, dinheiro e tempo já não foi gasto pra fazer tudo no cinema? Quero dizer, há escolas de filmmaking que literalmente limitam seus recursos pra isso te forçar a compensar em conteúdo, e ainda assim muito mais trabalho foi posto em fazer o Buzz Lightyear parecer um brinquedo de verdade do que explorar os limites (E capacidades) do quê por (E deixar de fora) na tela.
Eu quero muito experimentar esse tipo de coisa com meus próprios olhos… Enquanto eu ainda não preciso de um grau maior.
Leia mais em: Experimental, Filmmaking, Matérias - Cinema, Técnica